Helena Matos
A mutilação genital que passou a corte por
causa do multiculturalismo. O presidente que acha que as mulheres podem cobrir
as cabeças para combater a islamofobia... O que vem a seguir?
Então não vão votar Marine Le Pen? Não
está na altura de a França ter uma presidente mulher? Que avanço civilizacional
esse de ter finalmente uma mulher presidente num país cujos presidentes além de
serem invariavelmente homens se pautam por um marialvismo vistoso.
Sei que o domínio da língua francesa
já conheceu melhores dias, mas se fizerem uma pesquisa para “vie privée”
Mitterrand, Chirac e Hollande creio que ficarão os estimados leitores com
material q.b. para animar vários jantares de amigos e naturalmente todos
concluírem que a França só se redime elegendo uma mulher.
Nada disto faz sentido, pois não?
Entendamo-nos: boa parte do discurso sobre os direitos das mulheres produzido pelos
seus alegados libertadores é uma pura treta que apenas serve para manter os
ditos libertadores nas suas comissões e gabinetes e justificar ainda mais
gabinetes e mais comissões.
Aliás, muito sintomaticamente, o que
os ditos libertadores fazem ao primeiro susto é atirar logo pela janela fora os
direitos das mulheres. Assim, e numa breve leitura de notícias recentes tendo
como protagonistas alguns autodenominados progressistas, descobre-se que o
presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, considerou que algum dia “ainda teremos de pedir a todas as mulheres
para cobrirem as suas cabeças de forma a combatermos a islamofobia”.
Podia o senhor Alexander Van der
Bellen ter dito que deixava de consumir bebidas alcoólicas ou não mais trincava
um daqueles rutilantes assados de carne de porco para combater a islamofobia.
Mas não, pareceu-lhe mais simples que as mulheres cobrissem as suas cabeças.
Mas temos mais. Para que os transgender, as pessoas que não sabem de
que sexo são e todas as demais variantes midiaticamente possíveis destas
circunstâncias não se sintam discriminados nas casas de banho públicas temos
agora como sinónimo de progressismo as casas de banho unissexo ou a
transformação da casa de banho das mulheres num espaço polivalente a ser
frequentado pelas mulheres e por quem assim se sinta. Ambas as possibilidades
retiram conforto e segurança às mulheres, mas adiante que pode haver pior. Por
exemplo, deve ou não se usar a expressão mutilação genital feminina? Dado o
carácter da intervenção é óbvio que estamos diante de uma mutilação e
dificilmente se concebe algo de mais grave para as mulheres do que essa
prática.
Mas eis que afinal pode não ser bem
assim: a descoberta no Minnesota (que convém não esquecer está localizado nos
EUA) de uma menina de sete anos que fora vítima de mutilação genital levou as
autoridades (dos EUA, repito) a descobrir que uma médica, de seu nome Jumana
Nagarwala, praticava mutilações genitais. O caso tem contornos graves não
apenas pelo que revelou – algumas notícias referem que Jumana Nagarwala poderá
ter começado a fazer mutilações genitais há doze anos – como pela polémica que
gerou: o New York Times usou o termo
corte genital e não mutilação. Porquê? perguntaram alguns leitores.
A resposta de Celia Dugger, editora de Ciência e Saúde daquele jornal, remete para as
diferentes perspectivas que têm perante essa prática os povos que a seguem –
habitualmente em África – e os ocidentais que a condenam. Ao usarmos o termo
mutilação estamos já a condenar. Ao usarmos corte estamos apenas a descrever o
gesto.
O horror a emitir qualquer juízo de
valor faz com que vivamos uma fase de verdadeira purga das palavras; na verdade
faz tanto sentido não usar a expressão mutilação genital para não chocar as
populações provenientes de África quanto não usar o termo homicídio, mas sim
atravessamento com faca para dar conta das mortes provocadas pelas maras
sul-americanas, nomeadamente nos seus rituais de admissão,
Comum às sugestões do presidente da
Áustria, dos ativistas das casas de banho e da escolha das palavras por parte
do New York Times é a ideia de que a tolerância perante os outros implica que
temos de abdicar dos nossos valores e que, como de costume, as mulheres
podem ser as primeiras porque como todo o bom machista sabe as mulheres raramente
fraquejam quando se lhes pede que sejam exemplares.
Quanto à candidatura de Marine Le Pen
pelo menos deve ter servido para se acabar de vez com a mania da “primeira
mulher a”. E já agora a candidatura de Macron serviu para que os jornalistas
descobrissem que as mulheres têm menopausa: “menopausal Barbie” chamou, citando
um humorista, à mulher de Macron, o mesmo New
York Times. Claro que a menopausa existe, mas a mutilação genital também.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 1-5-2017
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