Não podemos tolerar mais líderes que nos
entretêm com combates planetários quando nem sequer conseguem garantir que
temos testes e máscaras para enfrentar uma pandemia
Helena Matos
A fantochada cruel em que se
tornou a governação e a administração pública se tornou dolorosamente evidente
a cada minuto. Talvez esta espécie de insuportabilidade tenha começado com o
Presidente enfiado em casa a fazer de conta que era o Zé Maria do Big
Brother. Ou quiçá tenha sido a surreal conferência de imprensa do Conselho
Nacional de Saúde Pública que só acrescentou insegurança. Ou a notícia de que a
Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares fechara os seus serviços, isto no
mesmo dia em que as escolas não tinham ordem para encerrar…
Seja pelo que for voltava
aquele estranho trago, aquele nó, aquele não querer acreditar que experimentei
em 2017 perante a desorganização, a irresponsabilidade e a leviandade no
combate aos incêndios.
À medida que passávamos do coronavírus enquanto oportunidade de negócios para a nossa agricultura para a fase do coronavírus como “luta pela nossa própria sobrevivência“, sem esquecer o
intermédio “tudo está a ser feito em Portugal para lidar com eventual surto de coronavírus“, mais evidente se me tornava que não podemos continuar a
pactuar com estes líderes que nos entretêm com combates planetários quando nem
sequer conseguem garantir que temos testes e máscaras para enfrentar uma
pandemia.
Não é possível prosseguirmos
nesta alienação da realidade em que os nossos governantes levam o tempo a
anunciar avanços civilizacionais e depois ao primeiro embate com a realidade
falham estrondosamente no que é básico. E falham mesmo em tudo. Por exemplo,
como é possível que aos milhares de funcionários do ministério da Educação não
tivesse sido pedido que concebessem plataformas e um plano para aulas à
distância? Como explicar que aquela constelação de entidades, autoridades de
que fazem parte uma Comissão Nacional de Saúde Pública, um Conselho Nacional de Saúde mais a Comissão de Catástrofe e Emergência Interna (isto
apenas no âmbito do SNS) não tenham conseguido estabelecer uma linha coerente
de atuação? Não faço a menor ideia se é melhor reagir bloqueando tudo como China,
apostando na tecnologia como na Coreia do Sul ou arriscando na criação da
imunidade de grupo como no Reino Unido, mas o que me parece que não pode
acontecer é esta atitude errática em que primeiro se deram como fiáveis as
informações da China, depois não valia pena controlar passageiros e agora vamos
para a quarentena obrigatória.
Chegou o momento de exigirmos
aos governos que governem! Sim, que se deixem de tretas e governem! Governem
para os problemas reais das pessoas reais. Saiam desse mundo de fantasia que se
move a índices de popularidade, selfies e notícias fofinhas. Deixem de
papaguear as últimas novidades da agenda (a propósito agora que estamos a
viver no mundo da Gretazinha sem viagens nem circulação, já podemos dizer que
tudo aquilo é um arrazoado sem nexo algum?).
Temos de questionar que
progresso é este que criou licenciamentos tão complexos e legislações tão
perfeitas que acabamos cheios de direitos, cumprindo protocolos inovadores e
acordos transcendentais, mas sem as fábricas que nos garantem os medicamentos,
as máscaras, os ventiladores…
Não podemos continuar calados
perante a desindustrialização do país, presos numa agenda que nada acrescenta e
nos distrai do essencial: constatamos agora que as casas de banhos escolares
não têm desinfetante nem sabão, contudo levamos o ano escolar passado a
discutir a criação de casas de banho nas escolas para as crianças transgênero.
Temos de exigir o fim deste ativismo
acéfalo que ainda há pouco mais de um mês dava como indesejáveis os
turistas e dizia inevitável a aprovação de mais planos e legislação para o
combate ao alojamento local que, diziam, nos roubava as cidades. Agora vamos
ter de pagar outros planos e mais legislação para conseguir atrair mais
turistas. E quiçá uns apoios para o alojamento local.
O caos a cada imprevisto é o outro
lado do progressismo-sorridente destes governos que trocaram o ato de governar
pelo de entreter, mudar mentalidades, criar um mundo novo. Exigir ao governo
que enfrente a realidade é o que de mais importante podemos fazer.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
15-3-2020, 7h24
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