João Gonçalves
O "processo"
pandêmico, como não se cansam de exprimir as "autoridades", é
"dinâmico". O que exige delas uma "dinâmica" bem mais
robusta que a seguida, e uma espécie de compromisso nacional, cidadão e
solidário, que renuncie sem hesitações ao egoísmo e à superficialidade
irresponsável e mal fundamentada.
Foi lamentavelmente já neste
contexto que o senhor presidente da República se amesendou na sua casa de
Cascais por ter recebido em Belém, uns dias antes da deserção, uns miúdos de
Felgueiras. Nada contra. Mas se era para servir de exemplo, para quê, pouco
mais de 24 horas depois de recolhimento voluntário, aquela improvável aparição
na balaustrada da residência, de mãos nos bolsos, sempre na primeira pessoa,
com detalhes patéticos a seguir transmitidos em direto, num telejornal, quanto
ao trem de vida prosseguido portas adentro?
O "afeto" fechou-se
a sete chaves com medo, mais de quatro anos de distribuição sem parcimónia, a
propósito e a despropósito, com uma convicção que a partir de agora fica mais
que duvidosa? Como se não bastasse, Marcelo ainda arranjou um bocado para falar
com a sua correspondente permanente no "Expresso" a quem, há dois
dias, confessou, e passo a citar, "um gozo fininho por estar a fazer tudo"
sozinho em casa.
Na biografia, Vítor Matos
conta às tantas que, em miúdo, Marcelo corria por vezes ao quarto da avó, em
Lisboa, para lhe abanar a cama a fingir que era um tremor de terra. A diferença
é que, crescidinho, escolheu ficar debaixo dela. Politicamente, este episódio é
desastroso. Costa, mal ou bem, teve de se desenvencilhar e aparecer quase
diariamente como lhe competia. Os seus fracos ajudantes, políticos e
administrativos, também. O Parlamento podia fechar que não se dava por nada.
Mas o chefe de Estado é o
chefe de Estado. E deve ser exemplar quando se trata de nos erguermos todos
contra o medo. Não se pode esconder na despensa ou usar plataformas de
comunicação social pública ou privada para contar as suas desventuras na
cozinha ou na passagem da roupa a ferro.
Como seu eleitor, tenho o
dever e o direito de criticar, sem contemplações, esta frivolidade sem nexo com
que terá de ser confrontado na recandidatura. Em abril de 1993, Vasco Pulido
Valente escreveu sobre Marcelo, na revista "K", o seguinte que se
mantém atual: "Preservou até hoje a sua infância, arranjou sempre maneira
de virar o barco, mesmo, ou sobretudo, quando ele próprio ia lá dentro".
Não se enganou.
Título e Texto: João
Gonçalves, Jurista, Jornal de Notícias, 16-3-2020, 0h02
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