J.R. Guzzo
Golpes de estado, em todo o
mundo subdesenvolvido (já que não existe golpe em país de primeira linha) é
dado por militares, porque só eles têm a força real das armas; a polícia sempre
acaba ajudando, mas quem decide mesmo são as forças armadas, que dispõem de
tanque de guerra, metralhadora com munição de verdade e paraquedista. O Brasil
de hoje, ao que parece, continua firme e forte na sua vida de país
subdesenvolvido, mas está tentando apresentar uma novidade na política mundial:
o golpe de estado sem militares.
Ainda não está suficientemente
claro se essa empreitada irá realmente adiante. Mas é isso que o Supremo
Tribunal Federal (STF) está tentando – ou, se não está, faz algo tão parecido
com um golpe, mas não parecido, que já não dá bem para se perceber a diferença.
Golpes de estado, em todo o
mundo subdesenvolvido (já que não existe golpe em país de primeira linha) é
dado por militares, porque só eles têm a força real das armas; a polícia sempre
acaba ajudando, mas quem decide mesmo são as forças armadas, que dispõem de
tanque de guerra, metralhadora com munição de verdade e paraquedista. O Brasil
de hoje, ao que parece, continua firme e forte na sua vida de país
subdesenvolvido, mas está tentando apresentar uma novidade na política mundial:
o golpe de estado sem militares.
Ainda não está suficientemente
claro se essa empreitada irá realmente adiante. Mas é isso que o Supremo
Tribunal Federal (STF) está tentando – ou, se não está, faz algo tão parecido
com um golpe, mas não parecido, que já não dá bem para se perceber a diferença.
Este golpe está sendo
executado de uma maneira ainda não testada antes: como cabe ao órgão máximo do
Poder Judiciário definir no fim das contas o que é legal e o que é ilegal,
parte dos 11 ministros da Corte Superior (não se sabe ainda quantos; os fatos
vão dizer, no devido tempo), decidiu que a Constituição e o restantes das leis
brasileiras podem ser violadas para se anular decisões do governo.
É o que aconteceu duas vezes
nos últimos quinze dias: atos perfeitamente legais do presidente da República e
do Ministério das Relações Exteriores foram vetados pelo STF. Mas não é ilegal
fazer isso? O tribunal acha que não: legal ou ilegal é unicamente aquilo que um
ministro, qualquer um, diz que é. Se disser, amanhã, que 2 + 2 são 22, é isso
que passa a valer e todo mundo tem de obedecer.
Pronto: eis aí o mapa da mina
para derrubar o atual governo sem ter de passar pelos inconvenientes de um
processo de impeachment, coisa muito difícil de se obter na vida real ou, pior
ainda, esperar as eleições de 2022 para colocar um outro presidente no lugar
daquele que está lá hoje, por ter sido eleito em 2018.
Há um monte de gente querendo
isso: a esquerda que só tem 20% dos votos no Congresso, as classes
intelectuais-civilizadas e sociológicas, a maioria da mídia e, de um modo
geral, todos os que nunca aceitaram a vitória de Jair Bolsonaro nas últimas
eleições presidenciais. Democracia, realmente, tem esse problemão: elege os que
recebem mais votos, e os eleitores têm o direito de votar no primeiro que lhes
der na telha: Collor, Lula, Dilma, Bolsonaro. Dois deles, aliás, foram postos
para fora, um índice de 50% de aproveitamento.
O STF, em suas duas últimas
decisões importantes, declarou guerra aberta ao Executivo: proibiu o presidente
da República de exercer o seu direito constitucional de nomear o diretor da
Polícia Federal e o Itamaraty de expulsar do Brasil 34 diplomatas venezuelanos
que desfrutam de postos em sua embaixada. Não tem pé nem cabeça. Não há o mais
remoto fiapo de motivo legal para impedir o nome que Bolsonaro decidiu para a
PF; pode-se gostar ou não dele, mas ele preenche 100% das condições exigidas
pela lei para ocupar o cargo.
No caso dos venezuelanos, o
STF inventou algo que não existe em lugar nenhum do mundo. Qualquer dos cerca
de 200 países presentes na ONU tem o direito indiscutível de recusar a presença
em seu território de diplomatas que não aceite; não precisa dar motivo nenhum
para fazer isso.
Nos dois casos, o STF agiu
como despachante de partidos políticos: atendeu a um pedido do PDT, quanto ao
novo diretor da PF, e a outro do PT, quanto aos diplomatas. É uma maneira de
fazer os que perderam as eleições tomarem decisões de governo: se basta pedir
que o STF dá, para que perder tempo com toda essa chateação de lei, democracia,
“instituições” etc.? Não precisa.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, 4-5-2020, 20h15
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