Pedro Malan
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Foto: Roberto Jayme/Valor/Folha Imagem
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"Em economia, as coisas
demoram mais tempo para acontecer do que você pensa (que demorariam) e, então,
elas acontecem mais rápido do que você pensava que elas poderiam
acontecer." A frase de Dornbusch foi relembrada em artigo recente de Larry
Summers sobre a crise europeia. De fato, em mercados financeiros, as percepções
quanto a risco e solvência de países, empresas e, principalmente, bancos podem
ser tão importantes quanto as realidades de suas respectivas situações.
Se um país, por exemplo, está
ou não insolvente, depende não apenas do nível e da estrutura de suas dívidas,
de avaliações sobre sua capacidade de honrá-las, como também das suas políticas
domésticas e de percepções sobre o contexto político mais amplo, nacional,
regional e global, em que estão inseridos o país em questão e os bancos que o
financiam.
Exatas duas semanas atrás
participei de um painel de debates, em Washington, acerca de reestruturações de
dívidas públicas, tema que me é caro há 20 anos. O interesse e a preocupação da
audiência eram com a situação europeia em geral e, em particular, com a Grécia
de hoje. Coube-me falar sobre se as reestruturações do início dos anos 1990
teriam, ou não, alguma relevância para o atual contexto greco-europeu.
Ocupei meu tempo com três
questões:
Primeiro, por que foram
necessários sete anos (de 1982 a 1989) para que os governos dos países
desenvolvidos chegassem ao anúncio do Plano Brady?
Segundo, por que o plano foi
bem-sucedido?
Terceiro, haveria algo no
espírito e na visão de médio e longo prazos que levou ao conceito do plano que
pudesse ser útil para entender o sério problema de dívida soberana e resolução
de problemas de balanços de bancos na Europa de hoje?
Por que longos sete anos de
acrimoniosos debates e extraordinário custo econômico e social para muitos
países endividados? Primeiro, porque esses países sofreram três grandes golpes
praticamente simultâneos no início dos anos 1980: os efeitos da dramática elevação
das taxas de juros norte-americanas, decidida pelo Federal Reserve (Fed) sob
Paul Volcker, os efeitos do segundo choque do petróleo e os da grave recessão
sincronizada nos países ricos em 82. Segundo, porque crises dessa magnitude
demandam algum tempo para que, por meio do debate, de novos e melhores dados,
de novas e melhores interpretações, do reconhecimento de que fatos não deixam
de existir porque são negados, se explorem mais a fundo as convergências
possíveis.
Mas em boa parte também porque
grandes bancos de países desenvolvidos simplesmente não estavam preparados para
reconhecer, nos seus balanços, deságios expressivos dos valores de seus
empréstimos a países endividados, dadas as implicações para seu capital. Ao
longo de sete anos os reguladores e supervisores bancários tiveram de mostrar
flexibilidade e monitorar de perto as provisões e reservas dos grandes bancos.
O Plano Brady, anunciado em março de 1989, representou o reconhecimento
oficial, afinal, de que um dólar no balanço dos bancos não valia exatamente cem
centavos, que as obrigações de vários países endividados não poderiam ser
honrados nas bases originalmente contratadas e que havia uma solução, via
substituição negociada da dívida antiga – reduzida - por novos instrumentos da
dívida.
Por que o Plano foi
bem-sucedido? Por três razões, a meu ver: primeiro, porque não era uma camisa
de força geral nem para devedores nem para credores, mas reconhecia, na
partida, que cada caso era um caso e que as negociações seriam complexas porque
envolveriam redução ou do estoque da dívida ou de seu serviço: segundo, porque
os credores privados sabiam do apoio de governos dos países desenvolvidos às
renegociações e que os EUA, pelo menos, estavam dispostos, sob certas
condições, a fazer emissões especiais de títulos de 30 anos para garantir o
pagamento do principal ao fim do período; terceiro, porque os credores
perceberam logo que não teriam a escolha de ficar de fora da negociação e de
seu resultado se ao final este lhes parecesse inadequado. Que o plano foi
bem-sucedido pode ser visto pelo fato de que cerca de 18 países, 11 na América
Latina, cada qual à sua maneira, reestruturaram suas dívidas externas.
Sobre a terceira questão - se
haveria algo útil da experiência passada para a Europa -, só posso dizer que
havia, sim, no processo que levou ao Plano Brady, uma visão de que os
principais fatores de risco para um país estão ligados a dificuldades de
lideranças políticas, tanto de devedores quanto de credores, em reconhecer
realidades fiscais de curto, de médio e de longo prazos - aí envolvidas
necessidades fiscais de eventuais resoluções de crises bancárias. Nessas áreas,
não faz muito sentido pretender dar lições a outros sobre como melhor proceder.
É melhor dar o exemplo. Ou, pelo menos, reconhecer coisas positivas nos outros.
Em discurso de dez dias atrás,
o presidente do Fed, Ben Bernanke, mencionou o que os EUA poderiam aprender com
bem-sucedidos países emergentes em termos de crescimento de longo prazo. E vale
ler a lista de Bernanke pensando no Brasil: "... a importância de
políticas fiscais disciplinadas, os benefícios da abertura comercial, a
necessidade de encorajar a formação privada de capital enquanto se realizam
necessários investimentos públicos, o foco no retorno do investimento em
educação e na promoção do avanço tecnológico e a importância de um contexto
regulatório que encoraja o empreendedorismo".
Deixo ao leitor avaliar se
estamos em condições de dar lições a outros países, mais ricos em todas essas
áreas. E se talvez não fosse melhor que estivéssemos muito mais voltados para
nossas próprias encruzilhadas, que não são as mesmas com que se defrontam os
países ricos. Mas não menos importantes por causa disso. Muito pelo contrário.
Título e Texto: Paulo Malan, é Economista,
foi Ministro da Fazenda no governo FHC, O
Estado de S. Paulo, 09-10-2011
Colaboração: Rafael Picate
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