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Carlos A. Sardenberg |
Ricos envergonhados são assim:
quanto mais dinheiro ganham, mais adotam posições políticas contra o
capitalismo em geral e o sistema financeiro em particular. O patrono da
categoria é George Soros, que, aliás, continua lucrando com seus fundos
especulativos, mas há representantes espalhados por toda parte. O número
cresceu exponencialmente depois da erupção da crise global.
É como se fosse uma defesa
antecipada. Reparem: a era de prosperidade do final do século passado e início
deste trouxe um aumento da desigualdade. Centenas de milhões de pessoas
deixaram a pobreza, formaram-se novas classes médias nos países emergentes, mas
os ricos se deram melhor no mundo todo. Ganharam mais, aumentaram sua
participação no bolo na fase de expansão e, se perderam muito no auge da crise,
conseguiram melhor recuperação.
Logo, se os ricos foram os
principais beneficiários disso tudo, então necessariamente são os culpados ou
pelo menos os principais suspeitos, certo? Errado, respondem seus
representantes. O problema está no sistema capitalista, explicam,
apresentando-se como apenas uma peça da engrenagem. Vai daí, engrossam o coro
anticapitalista e clamam por reformas.
Exagero? Pois então leiam
sobre os debates no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o tradicional encontro
de líderes globais, públicos e privados, para ajustar os rumos da economia de
mercado. O modelo faliu, procuram-se alternativas – foi o mote principal.
Terminou sem respostas. Ocorre
que a alternativa ao capitalismo, o
socialismo, morreu antes. Em rigor, há
apenas um regime socialista sobrevivente, o de Cuba, estagnado, pobre, com
imensa dificuldade de crescimento. Por isso, está em reformas, mas em qual
direção mesmo? Pois é, redução do Estado, incluindo demissão de funcionários
públicos, e ampliação de áreas abertas à iniciativa privada estrangeira. A
brasileira Odebrecht, por exemplo, vai produzir açúcar e etanol na ilha, com a
bênção da presidente Dilma.
A presidente não foi a Davos.
Foi a Porto Alegre, para o Fórum Social, a versão socialista, e lá lançou mais
um ataque ao neoliberalismo, que não é bem um sinônimo de capitalismo, mas é
quase.
De onde o leitor pode imaginar
o tamanho da confusão. As reformas em Cuba são, nesse sentido, neoliberais.
Menos Estado, mais mercado. Além disso, vamos dar uma olhada no noticiário
local recente.
Está em curso o leilão de
privatização de três grandes aeroportos brasileiros. OK, o governo e seus
aliados de esquerda juram que não se trata de privatização, mas de concessão,
porque nada será vendido. (Os demais aliados não dizem nada e muitos deles
esperam obter alguma vantagem nesses grandes negócios).
Mas o mundo todo chama de privatização
quando o governo pega um bem público e o concede, mediante pagamento, a
empresas privadas por 30 anos, prorrogáveis. De novo, portanto, o que temos?
Menos Estado, mais mercado. Aliás, membros do governo disseram isso mesmo sobre
o leilão: teremos mais capital, nacional e estrangeiro, mais competição, mais
tecnologia de fora. E menos Infraero, espera-se.
Também nesta semana, a área
econômica do governo Dilma comemorou o superávit primário de 2011 e a redução
do endividamento público como porcentagem do PIB. Alardearam: viram como este
governo faz ajuste fiscal?
Ora, superávit primário,
redução da dívida, ajustes, tudo isso é herança neoliberal. Mas a presidente
Dilma disse em Porto Alegre que toda a América Latina, antineoliberal, vai
muito bem, ao passo que os desenvolvidos, neoliberais, vão mal. E que a Europa
vai cair no desemprego e na ditadura se insistir no ajuste “conservador” de
redução das dívidas públicas.
Mas quais países europeus
passam melhor por esse turbilhão? Alemanha e Holanda, por exemplo, justamente
aqueles que cumpriram mais à risca a cartilha de ajuste conservador. Também
foram os europeus que mais avançaram em reformas com o objetivo de destravar
suas economias e abrir o mercado. Na Alemanha, houve até uma redução real de
salários para tornar os produtos locais mais competitivos.
E a América Latina? Os países
que vão bem são justamente aqueles que avançaram as reformas neoliberais dos
anos 90. Podem reparar, todos têm as mesmas bases econômicas: responsabilidade
fiscal, superávit primário, regime de metas de inflação, câmbio mais ou menos
flutuante, privatizações, muita exportação para a China, acúmulo de reservas e,
sim, programas tipo Bolsa Família. (Aliás, transferir dinheiro diretamente para
os mais pobres foi uma ideia nascida no campo liberal.)
Finalmente, qual o país rico
que está saindo mais depressa da crise? Os Estados Unidos, onde, aliás, há o
maior número de ricos envergonhados. Ah! O sistema!
Texto: Carlos Alberto
Sardenberg, publicado no blogue do Instituto Millenium, 03-02-2012
Edição: JP
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