terça-feira, 11 de setembro de 2012

A condenação sumária


Luís Naves
Ao longo de três dias, foi quase unânime a condenação das novas medidas de austeridade. O julgamento foi sumário e a sentença é definitiva, sem direito a recurso. Tivemos oportunidade de ouvir o réu, mas este não se explicou.
Parece evidente que a comunicação das decisões foi um verdadeiro desastre e percebo aqueles que estão desiludidos. Percebo a indignação do PCP ou do Bloco, que sempre estiveram contra o memorando. Percebo a indignação dos sindicatos, que tendem a defender os interesses dos trabalhadores sindicalizados (os mais prejudicados nesta história). Percebo a indignação daqueles que vão pagar a factura e que não contribuíram para os erros políticos que nos trouxeram a este lugar agreste (serei um destes), mas confesso que não entendo algumas indignações: a do PS, por exemplo, ou a dos inevitáveis Jardim e D. Januário. Acima de tudo, não compreendo a indignação dos representantes dos patrões, que mais parece estarem a gozar com a nossa cara.
Os socialistas vão provavelmente aproveitar a ocasião para sacudir a água do capote. A culpa desta crise não é um exclusivo do PS, mas este partido tem enorme responsabilidade no que está a suceder. Ao tentar tirar o cavalinho da chuva, pretende iludir os portugueses. É como se houvesse um caminho fora da via estreita que nos impõe a "troika".
Estamos a ser a cobaia do FMI, que foi buscar ao seu catálogo de ideias geniais esta desvalorização salarial. No entanto, e apesar de saber que a soberania nacional está limitada, não entendo a comunicação ao País de Pedro Passos Coelho. A introdução da medida sobre o aumento da taxa para a segurança social é justificada com a necessidade de travar o desemprego, mas não houve uma única indicação sobre o efeito estimado da medida. Afinal, quantos empregos se podem salvar desta forma? Cem mil? 150 mil? Como muito bem explicou Marcelo Rebelo de Sousa, na sua crónica da TVI, ficámos sem saber o que levou a esta decisão ou qual será o ajustamento efectivo este ano. Estará o governo a tentar acelerar o processo, para sair mais cedo do aperto, após o BCE ter tomado a decisão de comprar dívida dos resgatados? Não sabemos.
A medida aproxima-se da decisão do Tribunal Constitucional, mas falta aqui muito dinheiro. Se o aumento da receita do Estado é de apenas 500 milhões e o ajustamento previsível em 2013 de pelo menos 3 ou 4 mil milhões, de onde vem o resto? Cortes nas PPPs e rendas excessivas, taxa de juro mais baixas, escalões de IRS, impostos especiais sobre lucros e transacções financeiras, cortes adicionais na despesa dos ministérios? Para quê o nevoeiro sobre tudo isto?
A impopularidade desta decisão era inevitável, mas torna-se claro que muitos portugueses não compreendem as consequências do País não cumprir os rigores que lhe são impostos. A alternativa é a saída do euro e o Governo tem a obrigação de o dizer com clareza, explicando quais seriam as consequências de tal catástrofe. O escândalo ruinoso das PPPs, com os seus contratos criminosamente blindados, é outra vertente que incompreensivelmente continua por explicar.
Nos últimos três dias, passou sem desafio a ideia de que estas medidas são só recessivas e vão causar o colapso no consumo. Este argumento justifica a incrível oposição das confederações patronais. Se o cidadão tiver menos dinheiro para gastar, tentará reduzir o seu consumo, mas também é verdade que se o cidadão tiver medo de ser despedido também gastará menos. Assim, uma medida capaz de travar o desemprego não será apenas recessiva, pois os desempregados fazem a gestão ainda mais drástica do que podem gastar.
Ao proceder a uma desvalorização salarial de 10%, o governo melhorou a competitividade das empresas, que não são só exportadoras ou só dirigidas ao mercado interno. A medida terá um provável impacto no investimento, o que por sua vez tem repercussões no crescimento e emprego. Mas que raio de patrões são estes, que recebem de mão beijada 2,3 mil milhões de euros dos seus trabalhadores e só olham para a queda provável do consumo, sem olharem para a necessidade de defenderem o emprego e de investir o dinheiro extra que ganharam?
As pessoas que tiverem emprego vão perder um mês de salário, é igual para abastados e pobres, mas todos continuam a comprar roupa e mercearia e outros produtos. Não compram sapatos de 60 euros, tentam comprar de 40. Em resumo, adaptam-se e o mesmo devem fazer os empresários, que podem baixar os seus preços. Mas, claro, estamos a falar dos mesmos empresários que ainda não conseguiram adaptar-se a uma mão-de-obra muito mais qualificada. Continuamos a ouvir histórias de pessoas que, quando procuram emprego, ouvem a frase "tem habilitações a mais", como se isso não fosse uma vantagem. Estamos a falar de muitos empresários que já estão com a corda na garganta e começam a atrasar os pagamentos da segurança social.
Enfim, a reacção indignada dos portugueses reflecte uma incompreensão mais fundamental. Julgo que as pessoas não tinham noção de como tudo isto ia ser tão difícil. E a culpa não é apenas da má comunicação do governo, mas da forma como comentadores e partidos têm iludido a opinião pública, vendendo a falsa expectativa de que é possível ficar tudo mais ou menos na mesma.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, no blogue “Forte Apache”, 10-9-2012

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