Luís Naves
Ao longo de três dias, foi
quase unânime a condenação das novas medidas de austeridade. O julgamento foi
sumário e a sentença é definitiva, sem direito a recurso. Tivemos oportunidade
de ouvir o réu, mas este não se explicou.
Parece evidente que a
comunicação das decisões foi um verdadeiro desastre e percebo aqueles que estão
desiludidos. Percebo a indignação do PCP ou do Bloco, que sempre estiveram
contra o memorando. Percebo a indignação dos sindicatos, que tendem a defender
os interesses dos trabalhadores sindicalizados (os mais prejudicados nesta
história). Percebo a indignação daqueles que vão pagar a factura e que não
contribuíram para os erros políticos que nos trouxeram a este lugar agreste
(serei um destes), mas confesso que não entendo algumas indignações: a do PS,
por exemplo, ou a dos inevitáveis Jardim e D. Januário. Acima de tudo, não
compreendo a indignação dos representantes dos patrões, que mais parece estarem
a gozar com a nossa cara.
Os socialistas vão
provavelmente aproveitar a ocasião para sacudir a água do capote. A culpa desta
crise não é um exclusivo do PS, mas este partido tem enorme responsabilidade no
que está a suceder. Ao tentar tirar o cavalinho da chuva, pretende iludir os
portugueses. É como se houvesse um caminho fora da via estreita que nos impõe a
"troika".
Estamos a ser a cobaia do FMI,
que foi buscar ao seu catálogo de ideias geniais esta desvalorização salarial.
No entanto, e apesar de saber que a soberania nacional está limitada, não
entendo a comunicação ao País de Pedro Passos Coelho. A introdução da medida
sobre o aumento da taxa para a segurança social é justificada com a necessidade
de travar o desemprego, mas não houve uma única indicação sobre o efeito
estimado da medida. Afinal, quantos empregos se podem salvar desta forma? Cem
mil? 150 mil? Como muito bem explicou Marcelo Rebelo de Sousa, na sua crónica
da TVI, ficámos sem saber o que levou a esta decisão ou qual será o ajustamento
efectivo este ano. Estará o governo a tentar acelerar o processo, para sair
mais cedo do aperto, após o BCE ter tomado a decisão de comprar dívida dos
resgatados? Não sabemos.
A medida aproxima-se da
decisão do Tribunal Constitucional, mas falta aqui muito dinheiro. Se o aumento
da receita do Estado é de apenas 500 milhões e o ajustamento previsível em 2013
de pelo menos 3 ou 4 mil milhões, de onde vem o resto? Cortes nas PPPs e rendas
excessivas, taxa de juro mais baixas, escalões de IRS, impostos especiais sobre
lucros e transacções financeiras, cortes adicionais na despesa dos ministérios?
Para quê o nevoeiro sobre tudo isto?
A impopularidade desta decisão
era inevitável, mas torna-se claro que muitos portugueses não compreendem as
consequências do País não cumprir os rigores que lhe são impostos. A
alternativa é a saída do euro e o Governo tem a obrigação de o dizer com
clareza, explicando quais seriam as consequências de tal catástrofe. O
escândalo ruinoso das PPPs, com os seus contratos criminosamente blindados, é
outra vertente que incompreensivelmente continua por explicar.
Nos últimos três dias, passou
sem desafio a ideia de que estas medidas são só recessivas e vão causar o
colapso no consumo. Este argumento justifica a incrível oposição das
confederações patronais. Se o cidadão tiver menos dinheiro para gastar, tentará
reduzir o seu consumo, mas também é verdade que se o cidadão tiver medo de ser
despedido também gastará menos. Assim, uma medida capaz de travar o desemprego
não será apenas recessiva, pois os desempregados fazem a gestão ainda mais
drástica do que podem gastar.
Ao proceder a uma
desvalorização salarial de 10%, o governo melhorou a competitividade das
empresas, que não são só exportadoras ou só dirigidas ao mercado interno. A
medida terá um provável impacto no investimento, o que por sua vez tem
repercussões no crescimento e emprego. Mas que raio de patrões são estes, que
recebem de mão beijada 2,3 mil milhões de euros dos seus trabalhadores e só
olham para a queda provável do consumo, sem olharem para a necessidade de defenderem
o emprego e de investir o dinheiro extra que ganharam?
As pessoas que tiverem emprego
vão perder um mês de salário, é igual para abastados e pobres, mas todos
continuam a comprar roupa e mercearia e outros produtos. Não compram sapatos de
60 euros, tentam comprar de 40. Em resumo, adaptam-se e o mesmo devem fazer os
empresários, que podem baixar os seus preços. Mas, claro, estamos a falar dos
mesmos empresários que ainda não conseguiram adaptar-se a uma mão-de-obra muito
mais qualificada. Continuamos a ouvir histórias de pessoas que, quando procuram
emprego, ouvem a frase "tem habilitações a mais", como se isso não
fosse uma vantagem. Estamos a falar de muitos empresários que já estão com a
corda na garganta e começam a atrasar os pagamentos da segurança social.
Enfim, a reacção indignada dos
portugueses reflecte uma incompreensão mais fundamental. Julgo que as pessoas
não tinham noção de como tudo isto ia ser tão difícil. E a culpa não é apenas
da má comunicação do governo, mas da forma como comentadores e partidos têm
iludido a opinião pública, vendendo a falsa expectativa de que é possível ficar
tudo mais ou menos na mesma.
Título, Imagem e Texto: Luís
Naves, no blogue “Forte Apache”, 10-9-2012
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