Franco Muralha
Não é nenhuma novidade
comparar o cenário político a um teatro, em que cada espécime da troupe
representa um papel para o qual foi designado e atua de acordo com o script. Alguns
que não gostam de palhaços, animais amestrados e malabaristas identificam esse
espetáculo com um circo. Outros preferem a imagem de uma orquestra, com o
maestro dando as ordens, o spala sinalizando o tom, os
instrumentistas no sobe-desce das suas intervenções, o coro traduzindo sons em
palavras.
A sala de concertos prevê todas as condições para evitar protestos e manifestações durante a apresentação, e o respeitável público se limita a caras contrafeitas, grunhidos e movimentos inquietos nas poltronas, quando o espetáculo não convence. Deixa para manifestar no final seu agrado ou desagrado, num plebiscito escrutinado por quota maior ou menor de aplausos.
Mas acho que a atividade política deste nosso Pindorama parece identificar-se mais com uma furiosa. O leitor certamente sabe o que na linguagem informal se conhece como furiosa: aquela simpática bandinha de música, infelizmente em processo de extinção, que já foi a alegria de quase todas as cidades pequenas e grandes. A retreta por ocasião de festas e solenidades era obrigatória. Entre os instrumentistas havia sempre um vizinho, parente ou conhecido, e o espectador procurava observar como ele se saía, para depois tirar uma “casquinha” ou manifestar sua admiração. O som volumoso da furiosa repercutia ao longe, mexia com todos, ninguém lhe era indiferente.
A sala de concertos prevê todas as condições para evitar protestos e manifestações durante a apresentação, e o respeitável público se limita a caras contrafeitas, grunhidos e movimentos inquietos nas poltronas, quando o espetáculo não convence. Deixa para manifestar no final seu agrado ou desagrado, num plebiscito escrutinado por quota maior ou menor de aplausos.
Mas acho que a atividade política deste nosso Pindorama parece identificar-se mais com uma furiosa. O leitor certamente sabe o que na linguagem informal se conhece como furiosa: aquela simpática bandinha de música, infelizmente em processo de extinção, que já foi a alegria de quase todas as cidades pequenas e grandes. A retreta por ocasião de festas e solenidades era obrigatória. Entre os instrumentistas havia sempre um vizinho, parente ou conhecido, e o espectador procurava observar como ele se saía, para depois tirar uma “casquinha” ou manifestar sua admiração. O som volumoso da furiosa repercutia ao longe, mexia com todos, ninguém lhe era indiferente.
Dosadas e distribuídas ao
longo das músicas, as intervenções dos diversos instrumentos iam produzindo em
conjunto os seus efeitos sonoros e psicológicos. Tristes ou alegres,
estridentes ou discretos, agudos ou graves, cada um se manifestando mais
intensamente ou menos, ou então se calando, conforme a impressão que a música
devia provocar. O som cristalino do clarim, cantando vitória ou convocando para
atos heróicos; o vozeirão profundo e conservador do contrabaixo, opondo-se a
aventuras radicais; a vibração difusa do tarol, invasiva e persistente como um
boato; flautas e flautins para imprimir alegria juvenil; a voz peremptória e
autoritária dos pratos, tentando impor disciplina com base no “pare com isso!”.
Trompa, oboé, bombardino, saxofone, cada um contribuindo para a charanga com
sua mensagem própria. E também a pancada monótona e compassada do bumbo,
impondo seu ritmo indiscutível. Tudo ordenado para o gran finale, quando cantam
vitória em uníssono.
Tudo isso pode estar expresso na mesma música, ou então distribuído em doses
maiores ou menores em partituras diferentes. O diretor do espetáculo escolhe o
que é mais adequado às circunstâncias. Ora lança cantilenas de paz e amor, para
disfarçar alguma carranca rubicunda; entoa um hino patriótico, quando em
litígio com jornalistas ou rebeldes de várias categorias; ataca de Capitão Caçulo,
se quer provocar entusiasmo; descola um passo doble – olé! –
quando em vantagem numa disputa; solta o Cisne Branco, se precisa
pacificar a galera; apela a Saudades de Matão, se o público não
gosta do que seus cupinchas estão fazendo; o Peixe Vivopode servir,
quando as críticas vêm dos próprios camaradas.
Em busca dos aplausos do respeitável público, o coreógrafo pode entoar uma
discutível melhora dos índices econômicos. Mas a grande maioria não entende de
PIB, balança comercial, cotação do dólar, taxa de crescimento, e quer apenas
ouvir harmonias bem mais simples: cadê o meu emprego? Onde eu vou vacinar os
meus filhos? E a escola que me prometeram? Em casa ou na rua, quem me protege
contra ladrões e assassinos?
A coreografia dos meses recentes fugiu dessas preocupações mesquinhas, pois não
tinha resultados para mostrar. E como estão sendo os aplausos? Decepcionantes,
ao contrário do que faz crer o malabarismo interpretativo do coreógrafo.
Jornalistas que não se limitam a copiar o script do coreógrafo
classificam a descida da serra da economia nacional como indisfarçável e
retumbante catástrofe.
Interessados em arrancar estrondosos aplausos na próxima exibição, os
organizadores do espetáculo devem estar contabilizando as estatísticas,
lambendo as feridas e procurando ensaiar melhor. Tarefa difícil, talvez
impossível. Como conseguir harmonia onde todos desafinam e chamam os outros de
desafinados? Onde instrumentistas querem executar partituras diferentes? E a
partitura, se é que ela existe, será aquela que o respeitável público deseja?
Não haverá alguns instrumentos atrapalhando o conjunto? Ou serão todos os
instrumentos?
Examinemos o caso do bumbo. Ah, esse pesado marcador de ritmo deveria estar em
todo o repertório, porque... bem, porque tem de marcar o ritmo, que inclui
Reforma Agrária, ambientalismo radical, justiça social, invasões, igualdade,
sustentabilidade – toda a cantilena comunista. Sem falar em greves turbulentas,
índios pintados e vestidos a caráter, quilombolas que nem sabem o que é isso. Vozes
altissonantes foram repentinamente silenciadas, obedientes a um comando, pois
tudo indica que o efeito delas é indesejável. No fundo, essa cantilena
“bumbástica” não agrada ao distinto público. As pessoas ouvem, não gostam e se
calam. Mas aguardam o momento adequado para manifestar seu desacordo: a hora
das eleições.
O diretor do espetáculo sabe disso, e resolve o problema de modo muito simples:
silencia o bumbo na hora das eleições. Por exemplo, o leitor tem ouvido a
música – desculpe: a estridência – do MST nos meses que precedem as eleições?
Sumiu, evaporou-se, deu uma de morto. Por quê? Porque o som estridente e
ameaçador das suas foices, facões e bandeiras vermelhas seria prejudicial em
momento mais adequado a uma lânguida valsinha. Se o Brasil profundo gostasse do
bumbo e da estridência, o coreógrafo não precisaria escondê-lo, o maestro não
teria de apelar para a valsinha.
Apesar de toda a cautela em esconder o bumbo, apesar de bem ensaiada a
valsinha, o resultado das eleições será decepcionante para o diretor do
espetáculo. Aprenderá ele a lição? Não creio. Daqui a pouco, toda a pancadaria
do bumbo recomeçará, contrariando as advertências do contrabaixo. Deixará no
respeitável público a sua lembrança, que de novo pesará negativamente nas
eleições seguintes. E poderá conduzir a um decepcionante gran finale,
ao qual se seguirão palmas ainda mais minguadas, que de fato significam
derrota.
Título,
Imagens e Texto: Franco Muralha, Agência
Boa Imprensa (ABIM), 10-9-2012
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