Carlos Lúcio Gontijo
O dom da palavra escrita me
empurrou desde cedo para pessoas de mais idade, que se me apresentavam mais
dispostas (e capazes) de me dar ouvidos. Dessa forma, praticamente não tenho
amigos de infância, mas conhecidos de infância – era um preço a pagar e eu
paguei!
![]() |
Ilustração: daqui |
Parte considerável de meus
amigos do lado esquerdo do peito já não se faz presente no mundo material; são
lembranças vivas em minha memória. Eles estão comigo a cada vez que parto à
procura de algum patrocínio, ainda que mínimo, para alcançar a edição de um
livro, quando a grande maioria das portas se fecha ou me dá as desculpas mais
esfarrapadas, para se eximir de me auxiliar na produção de um projeto cultural
gráfico. As negativas são tão comuns que não me incomodam mais, pois afinal se
tratam apenas de portas que não desejam se abrir, segundo a vontade desprovida
de horizontes daqueles a que abrigam!
Confesso que meus amigos de
cabelos encanecidos me fazem muita falta, até mesmo na hora de tomar uma
cervejinha gelada, cujo tira-gosto principal é o bate-papo construtivo, real e
às vezes até metafórico, quando a conversa mergulha no invisível ou na
imaterialidade, que anda longe da disputa pelos produtos expostos sob as
vitrines iluminadas do capitalismo, onde é preciso ter para se apropriar do
sentimento de existir.
Todo fim de ano, ponho-me a
lembrar dos tempos felizes que passei ao lado de meus velhos amigos. Vem-me à
mente a figura de Elias Maboub, que era meu substituto de absoluta confiança na
época em que supervisionava turno de Revisão dos jornais “Diário da
Tarde/Estado de Minas”. Grande conhecedor de gramática, mas acima de tudo uma
das pessoas mais honestas que conheci em minha vida, nasceu na cidade de Damur,
no Líbano, veio para o Brasil aos dois anos e não havia (nem há) neste mundo
alguém mais brasileiro que ele.
Que saudades, guardo no
coração do amigo José Cândido Ferreira, que foi ao meu encontro por causa de
meus artigos no “Diário da Tarde”! Ele era meu leitor assíduo e certa feita,
num fim de tarde, subiu as escadas até a redação do jornal com a finalidade de
me conhecer pessoalmente. José Cândido tinha naquela ocasião 88 anos e, em
seguida, lançou um livro com dedicatória para mim, premiando-me inclusive com
citação de frase extraída de um de meus artigos. “Eu, candeeiro de boi” (nome
por mim sugerido) é livro que de vez em quando folheio, numa espécie de
homenagem ao inesquecível José Cândido Ferreira, que faleceu aos 100 anos.
Outro amigo inarredável de
minha memória é Mário Clark Bacellar, arquiteto e também jornalista da extinta
e conceituada revista “Manchete”, que lhe deu a oportunidade de conhecer 65
países. Na sala de minha casa, conservo uma mesa que ele me deu de presente,
além de um quadro na parede. Mário Bacellar era admirador declarado e constante
incentivador de meu trabalho literário. Foi através dele que conheci Graça
Paiva em Contagem, que conseguiu reunir um grupo de empresárias contagenses
para patrocinar a edição do livro “Pelas Partes Femininas”.
E tem ainda o jornalista Pedro
Rabelo Mesquita, que enquanto teve saúde esteve presente em todos os lançamentos
de meus livros em Belo Horizonte, chegando mesmo a conseguir patrocinador para
coquetel em concorrida noite de autógrafo, com a presença de mais de 300
pessoas, na Associação Mineira de Imprensa (AMI), da qual ele foi membro de
diretoria por muitos anos. Hoje, com grave perda de memória, o querido amigo
Pedrinho se encontra internado em clínica na cidade de Divinópolis, sob a mais
completa solidão de amigos.
No mais, que me desculpem meus
casuais leitores pela exposição de lembranças pessoais, mas talvez assim eu
esteja passando-lhes, de alguma maneira, a noção de que devemos honrar os
amigos, festejá-los para além e acima das comemorações natalinas e de fim de
ano, pois a verdadeira amizade é coisa de toda dia, devendo ser protegida e aquecida
na humildade e no calor da aura da manjedoura de nossa alma, como se fossem
estrelas-guia em nossas vidas.
Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, Poeta, escritor e
jornalista, 24-11-2012
Os Amigos são amigos mesmo ausentes, pois, a amizade é presente do coração e, assim sendo, não há como recusar.
ResponderExcluirLindo texto!
O maior índice de traições está no rol dos amores e das amizades. Não admito amigos sinistros (versão italiana de destros).
ResponderExcluirWell...eles são mais do que você imagina!
Excluir