sexta-feira, 2 de maio de 2014

A estória da carochinha sobre a queda dos EUA

Andrés Oppenheimer
Quando li o documento sobre a “crise do capitalismo” publicado na semana passada pelo partido governante na Venezuela, não pude evitar de me perguntar se seus autores vivem neste planeta, ou se têm estado a ler as notícias nos últimos anos. O documento é tão disparatado que se deve inquirir se o problema da Venezuela é político ou psiquiátrico.


Não há dúvidas de que o capitalismo é um sistema perfectível (*) e que se ajusta de forma constante para adquirir a capacidade de beneficiar um número cada vez maior de pessoas, principalmente as mais desprotegidas, desde que os governos não interfiram diretamente no processo. Mas, crer que o capitalismo e sua face mais visível, os Estados Unidos da América, está sofrendo uma queda inexorável — tal como dizem acreditar os socialistas bolivarianos da Venezuela e um surpreendente número de venezuelanos, argentinos, bolivianos e outros latino-americanos — é o que se pode chamar de uma negação flagrante da realidade. Na verdade, o que está a ocorrer é exatamente o contrário.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que abriu o III Congresso do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) – que produziu o documento intitulado “Documento Ideológico e Pragmático: a crise do capitalismo e seus aspectos mais relevantes” – ignora ou opta por ignorar vários fatos que pressagiam uma significativa ascensão econômica dos Estados Unidos da América nos próximos anos.

O fato mais imediato é a revolução energética em curso na maior potência do mundo. Graças a novas conquistas tecnológicas chamadas genericamente de “fracking”, ou “fraturização”, ou ainda de perfuração ou prospecção horizontal, a produção energética dos EUA segue vertiginosamente ladeira acima. O país, que até 2008 era um importador líquido de mais de 20% do petróleo que consumia, deverá muito provavelmente superar a Arábia Saudita e a Rússia para se converter no maior produtor de combustíveis fósseis do planeta no final da década em curso, segundo relatos e estudos minuciosos de avaliação da Agência Internacional de Energia.

“O recente aumento da produção estadunidense de petróleo e gás natural tem sido nada menos do que assombroso”, escreve Edward L. Morse, diretor de investigação de matérias-primas do Citigroup, na revista Foreign Affairs’. “Durante os últimos três anos, os EUA têm se tornado o produtor de hidrocarbonetos fósseis que mais rápido cresce em todo o mundo e nada indica que essa tendência será alterada num futuro próximo”. “Tal tendência significará um impulso extraordinário para a economia estadunidense que, em breve, deixará de importar para exportar energia”, escreve Morse.


“Calcula-se que os EUA deixarão de apresentar um déficit comercial petroleiro de $354 bilhões verificado em 2011, para passar a ter um superávit de algo em torno de $20 bilhões em petróleo e gás em 2020. E, com isso, o cartel de países produtores de petróleo, a OPEP, vai se tornar cada vez mais irrelevante”, completa o analista.

A revolução caudada pelo “fracking” do xisto é um fenômeno particular estadunidense, que outros países como a China, a Rússia, a União Europeia, o Brasil, a Nigéria e a Venezuela dificilmente conseguirão replicar, dizem os economistas especialistas nessa área.

A razão primordial dessa expectativa repousa na essência do próprio capitalismo privado, ou seja, no fato de que os EUA é um dos poucos países em que os proprietários da terra são também donos do que existe em seu subsolo — incluindo petróleo, gás, jazidas minerais, água, etc. —, pelo que têm um ecossistema único em que milhares de proprietários de terras competem para produzir mais energia, e oferecê-la da forma mais barata possível aos consumidores.

Em outras partes do mundo, onde governos são donos do subsolo e, pois, do petróleo, do gás e das jazidas minerais, os proprietários da terra e seus representantes políticos tendem a se opor ao “fracking”, porque a eles cabem enfrentar muitos problemas e muito poucos benefícios oriundos dessa nova tecnologia extrativa. França, Alemanha e outros países europeus, por exemplo, já suspenderam as operações de “fracking” em função das “preocupações ambientais” dos proprietários de terras.

Mas a revolução energética nos EUA é apenas uma das razões dos que bradam uma “crise do capitalismo” e que parecem sonhar acordados. A revolução da inovação — que já nos deu o Google e a Apple, e que logo trará o consumo maciço de impressoras 3-D, veículos autoconduzidos e viagens espaciais orbitais feitas por empresas privadas — continua a florescer no Silicon Valley.

No ano passado, os EUA foram outra vez, de forma indiscutível, o país que registrou, por uma margem muito ampla, o maior número de patentes em todo o mundo, as quais somaram 148.000 novas propriedades intelectuais ao passo que o Japão trouxe 54.200, a Alemanha 16.700, a China e Hong Kong juntos algo em torno de 7.000, e a Venezuela 15, conforme os dados do Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos, o famoso Reg. US Pat. Office.

Minha opinião: Uma passada de olhos, isenta e desapaixonada, na realidade mundial mostra que, embora Washington tenha que se cuidar para não permitir que sua revolução energética provoque danos sérios no ambiente, as coisas de um modo geral prometem ir muito bem para a maior potência do mundo nos próximos anos.

Enquanto isso, no entanto, a Venezuela tem um dos maiores índices de inflação do planeta — que deve beirar os 75% anuais este ano —, sofre de uma tremenda e crescente escassez de alimentos e de produtos de primeira necessidade (inclusive medicamentos), e deverá ter, neste 2014, o menor crescimento econômico da América latina, conforme a unanimidade de todas as instituições financeiras internacionais.

Brasil e Argentina, as maiores economias dessa região, deverão prosseguir atoladas nos seus prosaicos e ridículos regimes socialistóides, populistas e demagógicos, com crescimentos pífios e inflação também crescente, enfrentam ‘guerras civis surdas’ que já são responsáveis pela morte de centenas de milhares de pessoas a cada ano nesses países e pela maior fuga de capitais para lugares mais seguros do mundo. Exceto nos países membros da NAFTA e da Aliança do Pacífico, deverá prosseguir o empobrecimento geral de seus povos.

Fidel Castro e Gabriel Garcia Marques (recém-falecido)
Muitos de nós estamos carecas de saber tudo isso, mas é surpreendente ver quantos dirigentes políticos latino-americanos continuam enganando suas gentes com estórias da carochinha sobre “a inexorável decadência” do capitalismo estadunidense, que só eles enxergam. O que na realidade ocorre é que são seus próprios países que estão em queda livre, não apenas na economia, mas também na capacidade política de conservarem seu grau de liberdade individual, suas instituições democráticas e seus valores culturais e civilizacionais.
Texto: Andrés Oppenheimer
Título e Tradução livre de Francisco Vianna (com nota do tradutor), 02-05-2014 

* NOTA DO TRADUTOR – O capitalismo além de perfectível, ou seja, suscetível de ser aperfeiçoado – como visivelmente ocorreu desde a “revolução industrial” na Europa do século XIX até hoje – não é fruto da lucubração ou invenção de um filósofo ou corrente filosófica em qualquer época da história da civilização. O capitalismo é simplesmente o resultado da evolução natural de toda a atividade econômica das pessoas e dos povos através da História.

Não existe economia fora do capitalismo, a não ser o escambo primitivo do sistema de trocas intertribais existentes ainda em certas minorias humanas que não saíram ainda da idade da pedra lascada. O que o século XX nos ensina em primeiro lugar é a preciosa lição – nem sempre aprendida por espíritos empedernidos que não a conseguem compreender em função de viverem inebriados por ilusões filosóficas utópicas – de que o capitalismo deve ser prevalentemente exercido pela iniciativa privada e, excepcionalmente, pelo estado, mesmo assim em locais e em ocasiões onde a iniciativa privada seja ainda ausente ou insuficiente.

Mesmo nesses casos, o estado deve se retirar dos negócios assim que a pujança privada se mostrar suficiente. O maior erro do socialismo, de qualquer naipe ou espécie, é acreditar que o estado deva ser empresário. Daí surge a maior de todas as distorções humanas, que é o capitalismo de estado, o pior, mais selvagem e mais ineficiente de todos os ‘modelos’ econômicos e que, pior, quase sempre necessita de regimes políticos autoritários e despóticos para que seja implantado para, no fim, garantir apenas um resultado razoável para a pequeníssima burguesia estatal do Partido Único e mal conseguir distribuir ao resto da população uma pobreza e até uma miséria igualitária garantida pela repressão ao empreendedorismo e à capacidade das pessoas de produzir capital para aumentar o emprego e a geração de riqueza.
FV

Um comentário:

  1. Comentário que me enviou o nosso Otacílio (da Austrália)

    Caro Dr. Francisco Vianna,

    Excelente análise incluindo seu comentário. Quando eu ouço esses botocudos esquerdopatas afirmarem que o capitalismo está em crise e vai desaparecer, eu rio muito. A pior cegueira é a daqueles que não querem enxergar. Veja os casos do Lula e da Dilma. O primeiro acredita – acredita mesmo! – que foi o melhor governante do mundo – e não só do Brasil – em todos os tempos. A segunda não se cansa de dizer que o Brasil está crescendo e ai não existem mais problemas, só alegria. Baseiam-se para isto em números falsos que não se cansam de esgrimir. Esta é a forma mais canhestra de enganar o povo.

    Enquanto isto, os Estados Unidos trabalham e enriquecem cada vez mais. Aliás, quem conhece um pouco de história, sabe que essa grande nação é a mais capacitada do planeta para enfrentar qualquer crise, e isto vem desde a 1ª grande guerra mundial. O mais interessante é que a cada crise que se abate sobre os Estados Unidos, eles saem mais fortalecidos e, por consequência, mais confiantes.

    Anote ai o que eu vou escrever a seguir: a Rússia está pondo as manguinhas de fora novamente com esta crise na Ucrânia. Sabe o que vai acontecer? Mais uma vez os Estados Unidos vão usar todo o seu poder econômico para colocá-los de joelhos novamente como fizeram na década de 80 do século passado até a derrocada da ex-União Soviética. E se a Rússia cometer a loucura de provocar uma guerra, vai se arrepender amargamente. Até porque desta vez não terão a ajuda dos Estados Unidos e Inglaterra, como aconteceu na 2ª guerra mundial.

    Abraços,

    Otacílio

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