Durante três anos vivemos num
clima de naufrágio iminente ou de pré-insurreição garantida. Vinha aí a espiral
recessiva, o segundo resgate e o grande colapso da sociedade. Este devia ser o
momento ideal para recuperarmos alguma serenidade, mas nas últimas semanas
temos assistido ao regresso do clima de histeria, com insultos à honra das mães
dos governantes e o teatral rasgar de vestes. O espaço do debate público, que
nunca foi famoso em Portugal, descolou definitivamente da realidade. O poder
vive numa bolha e os anti-poderes sonham com um Portugal transformado numa
república popular ou num mercado perfeito onde as desigualdades não produzem
conflitos. Para os comendadores do comentário, o resgate que agora termina foi
um detalhe sem importância. Nunca houve ameaça de bancarrota e não estivemos
três anos sob intervenção externa e com soberania limitada. A narrativa oficial
dos críticos nunca refere o Tribunal Constitucional, a crise da TSU de 2012,
quando as reformas comçaram a patinar, ou os aplausos gerais na crise do verão
de 2013, quando essas reformas abrandaram de forma irreversível.
A reacção da direita ao
anúncio das recentes medidas de aumento do IVA e da TSU é um caso exemplar do
exagero retórico que tem caracterizado as últimas semanas. A decisão visa
contornar um acórdão do Tribunal Constitucional, mas isso não é referido nas
críticas e não li nenhuma explicação para a parte estranha do caso: o que levou
o Governo a dizer que não ia aumentar impostos dias antes de decidir aumentar
impostos?
O grau da indignação à direita (veja-se por exemplo este post de Gabriel Silva, em Blasfémias, ou este de Ricardo G. Francisco, em Insurgente, para só mencionar dois blogues influentes) obriga a pensar um pouco sobre o futuro: o que quer o centro-direita para o País e onde é que estes descontentes vão votar? Mas o problema coloca-se também à esquerda, como mostra este comentário de Pedro Bidarra, que mereceu a observação certeira de Ana Matos Pires, em Jugular.
As pessoas que não se revêem nos partidos tradicionais querem votar em outros partidos, mas estes são invisíveis para os órgãos de comunicação, havendo comentadores que acham isso normal. Acrescentaria o seguinte: a discussão europeia nestas eleições é confrangedora ou inexistente, sendo também discutível que os media colaborem na cartelização do sistema político, impedindo pelo silêncio que apareçam novas propostas viáveis. Se ninguém fala em mim, sou invisível; mas sou invisível, pois ninguém fala em mim.
À direita o
problema da invisibilidade não existe, nem faltaria dinheiro, mas também não há
alternativa ao bloco PSD-CDS, cujos líderes estão no poder. Os políticos de
direita descontentes com o Governo não terão onde votar, por isso deviam criar
um novo partido, mas não o fizeram, o que nos leva a suspeitar das suas
críticas. Pelo menos não tiveram a coragem de apresentar uma nova proposta
partidária e nem sequer se podem queixar da invisibilidade, pois foram levados
ao colo todo este tempo por uma comunicação social que os ouve com reverência e
lhes chama senadores e personalidades de destaque.
Tiveram amplo tempo de antena,
falharam em todas as profecias da desgraça e agora estão zangados por causa do
aumento de impostos, desvalorizando o fim do resgate. Esta direita pouco lúcida
e muito indignada mostrou uma embirração constante com as políticas dos
últimos três anos, demonizou o Governo sem nunca admitir a verdadeira situação
do país. Foi quase o ódio eterno que Aníbal jurou contra Roma, mas com alto
preço para a direita, que tem poucas hipóteses de se manter no poder em 2015, e
para o País, que provavelmente irá ceder às ilusões mais nocivas da esquerda.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
04-05-2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-