Em entrevista, prefeito diz o que todo
mundo sabe: a Olimpíada deve ser segura em razão das forças federais que
atuarão na cidade durante os jogos
Reinaldo Azevedo
Que coisa, né? Se o prefeito
do Rio, Eduardo Paes, tivesse concedido uma entrevista
à CNN e dito que a segurança pública do Rio é exemplar, estaria, a esta
altura, sendo chamado de louco, marqueteiro e irresponsável. Mas ele disse
justamente o contrário, como a todos é óbvio: é horrível! Parece que se prestou
pouca atenção ao aspecto mais importante de sua fala: ele saudou o fato de que,
durante os jogos ao menos, a área estará entregue ao governo federal: Forças
Armadas, Força Nacional de Segurança e reforço da Polícia Federal.
Paes é, para todos os efeitos,
o anfitrião do maior evento do mundo. Não há nada que se compare. Já são tantas
as inseguranças no país — e no Rio em particular — que me parece que é um dever
do prefeito fazer tanto a crítica como emitir um sinal de tranquilidade. E, não
por acaso, ele o fez numa emissora de alcance internacional.
Sim, há a lamentar, e ele
próprio o fez, que, antes e depois da Olimpíada, tudo se dará no padrão de
sempre.
Goste-se ou não do estilo de
Paes, conheço pouca gente que não o considere um bom prefeito do Rio. A exceção
é o socialismo deslumbrado da linha Freixo. Ou seja: animador de festa da
esquerda do Leblon. A gestão, em escala municipal, é operosa, sim. “Ah, mas ele
está no PMDB há nove anos e só descobriu agora que a segurança pública e a
saúde não funcionam?” Não vejo mal nenhum que lideranças políticas, em algum
momento, façam autocrítica.
Mas isso é com ele. Sempre que
petistas lambem por aí suas feridas, isso é visto como um sinal de humildade e
realismo. Também haveria a saída Dilma: “Não há nada de errado com o Rio, e as
críticas todas são coisa da oposição que gosta do quanto pior, melhor”.
Parece evidente que há um
contraste entre a qualidade da gestão municipal e a qualidade da gestão
estadual, esta, sim, em pandarecos. As razões são as mais diversas: da
recessão, que atinge todos os Estados, passando pela queda da receita do
petróleo e, como é óbvio, a incompetência. Pior: os sinais vinham sendo dados
há muito tempo, nas mais diversas áreas. Mas onde estava a crítica? Mais a
imprensa do que Paes tinha o dever de fazê-la. E não a fez.
Imprensa
Sei que vou entrar num terreno
espinhoso, mas essa é a minha cara. Em parte, a imprensa fluminense — ou mais
propriamente carioca — tem sua parcela de culpa, não é mesmo? Especialmente no
que respeita à segurança pública. E sei muito bem do que falo porque apanhei
bastante em razão desse tema.
Durante uns bons anos, fui
crítico isolado — e “isolado” quer dizer, nesse caso, “único” — da política de
segurança do Rio. O arquivo está aí. Sempre entendi que as UPPs — Unidades de
Polícia Pacificadora — já traziam um pecado de origem. Quando se fala em
“pacificação”, é preciso dizer quem está em guerra. A paz entre as forças de
segurança e a bandidagem é e será sempre a paz dos bandidos.
A cultura das elites
intelectuais cariocas, incluindo a imprensa, é de tal sorte complacente com
suas misérias e assombros que cismou até de chamar “favela” de “comunidade”,
como se o vocábulo edulcorado e politicamente correto mudasse a realidade
daquelas pessoas.
Assim, para chegar à
“comunidade”, a Secretaria de Segurança Pública fazia o que eu chamava de
trabalho “Espanta Bandido”. E, pouco depois, lá se viam autoridades,
jornalistas e artistas exaltando o fato de que a polícia havia feito seu
trabalho sem dar um tiro. Pois é… Parecia que o bandido também havia se
convertido à boa causa.
Oh, como esquecer que, na
campanha eleitoral de 2010, quando disputou com o tucano José Serra, que havia
sido governador de São Paulo, Dilma prometeu implementar o modelo de segurança
do Rio Brasil afora? Matava-se, então, no Estado o triplo do que se matava em
terras paulistas. E daí?
A imprensa paulista, ou mais
propriamente paulistana, odeia São Paulo. Talvez seja preferível. É preferível
a crítica permanente à suposta segregação do que a exaltação, igualmente
permanente, à suposta integração.
Este sou eu falando, não
Eduardo Paes: o modelo de segurança pública do Rio seria um fiasco ainda que o
Estado estivesse nadando em dinheiro.
Se quiserem culpar Paes porque
ele é do PMDB, como Sérgio Cabral e Pezão, ok. Mas essa é uma tarefa que cabe
ao governo do Estado.
Quanto à entrevista, no caso
em particular, prefiro um prefeito que fale a verdade a um que minta.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
5-7-2016
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