Rui Ramos
Segundo os nossos oligarcas,
irresponsabilidade é falar dos problemas. Não é insistir em cenários
desacreditados, exigir aumentos de despesa, e propor referendos contra as
regras europeias
Não vou discutir o que
Wolfgang Schauble disse ou não disse, e a que a oligarquia nacional reagiu com
uma comovente unanimidade. Schauble é, no mundo, o contraponto do Papa
Francisco. Com Francisco, toda a gente quer um selfie; com Schauble, ninguém
deseja ficar na foto. Mas importa pouco o que Schauble disse. O que importa é
que o ouviram, e ouviram-no, não apenas porque era Schauble, mas porque
Schauble falou sobre Portugal, uma das economias mais endividadas, mais
estagnadas e mais dependentes da ajuda europeia. A oligarquia, porém, só
conseguiu descortinar a “irresponsabilidade” de Schauble.
Ao actual regime português
nunca faltaram conceitos originais. Para os nossos oligarcas, parece que o
crédito e a confiança se adquirem escondendo a verdade e negando os factos. A
sua teoria da irresponsabilidade deriva daí. Irresponsabilidade é identificar
problemas, falar de dificuldades, admitir riscos. Irresponsabilidade não é,
como fez o governo, ter insistido durante demasiado tempo em cenários em que
nunca ninguém acreditou, dentro e fora de Portugal. Irresponsabilidade não é,
como fez o PCP, montar manifestações e atiçar greves contra um governo que o
PCP sustenta no parlamento, apenas para oferecer aos seus sindicatos as 35
horas que, mais uma vez, dividiram os trabalhadores e vão oprimir o orçamento.
Irresponsabilidade não é, como fez o BE, aproveitar o fim de semana do Brexit
para tentar criar dúvidas sobre uma eventual ruptura de Portugal com a UE
através de referendo. Irresponsabilidade não é nada disto, mas apenas admitir
que um país onde o governo e os partidos que o apoiam se comportam desta
maneira pode precisar de um programa de ajuda.
A culpa é de Schauble, claro.
E, já agora, também de Angola, do Brasil, do Brexit e dos bancos italianos. A
culpa, em suma, é de todos — menos daqueles que nos ministérios e no parlamento
têm responsabilidades na governação. O “contexto externo” é outro, dizem-nos
agora. Mas a modificação desse contexto estava prevista desde o ano passado,
quando a China arrefeceu e o Brasil e Angola escorregaram. Neste momento, o
contexto externo já serve ao governo para desculpar antecipadamente futuros
fracassos. Mas porque é que não o usa para justificar mais prudência e mais
transparência na governação?
A verdadeira mudança, porém,
não foi a do contexto externo. Lembram-se da grande tese com que as oposições
castigaram o governo de Passos Coelho entre 2011 e 2015? Sim, era essa: o que o
país precisava era de crescimento económico, mais do que de consolidação
orçamental. Que esperar, portanto, de um governo como o de António Costa,
amparado pelas antigas oposições? Como é óbvio, que a medida do seu sucesso e
da sua razão fosse o crescimento económico. E que estamos a ver? A meta do
crescimento está aparentemente em revisão para baixa (1,8%?, 1,2%?), e é à meta
do défice — 2,2% do PIB — que o governo e a maioria parlamentar se agarram. É
disso que falam, é isso que ainda prometem, é com isso que esperam redimir-se,
e é esse fim que justifica todos os meios e todas as maquilhagens — incluindo, segundo
consta, o atraso de pagamentos. Mas não era a obsessão do défice a marca de
água do neo-liberalismo?
Estamos perante duas
hipóteses. Uma é a de que António Costa ande a ler Hayek. A outra é a de que a
chamada “austeridade” nunca teve a ver com ideologias, mas dependeu de uma
situação de crédito que não deixava ao país, fosse qual fosse o governo, outra
alternativa, senão fazer o necessário para manter o financiamento do Estado e
da economia. Mas se admitirmos a última hipótese, teremos então a medida da
gigantesca irresponsabilidade daqueles que, na oligarquia política, negaram
sempre essa evidência.
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