As teorias da conspiração são o último
refúgio dos nossos ignorantes
Alberto Gonçalves
Quinze anos depois, não
tenciono informar ninguém sobre onde estava eu no 11 de Setembro, nem analisar
o significado do 11 de Setembro, ou classificar a resposta militar ao 11 de
Setembro, ou debater as origens do 11 de Setembro, ou ponderar a influência do
11 de Setembro na vida em 2016. Limito-me a lembrar que o DN de hoje inclui,
por módico preço adicional, o DVD de Voo 93, filme que recria, na medida do
possível, os últimos momentos do avião da United Airlines que, após sequestro e
reacção dos passageiros, acabou despenhado num campo da Pensilvânia.
Há dias, o DN antecipou online
o lançamento. Um leitor criticou de imediato a "publicidade" do
"imperialismo" e do "heroísmo parolo" (se fossem
sofisticados, os burgessos dos americanos permitiram que os matassem sem
levantar problemas). Outros leitores desenvolveram a tese e esclareceram as
massas acerca do avião "sem asas" que embateu no Pentágono, da
"circunstância" de a maioria dos judeus que trabalhavam no World
Trade Center terem faltado nesse dia, dos telemóveis que "não
funcionam" nos aviões e, em suma, da "grande mentira que foi o 11 de
Setembro".
É escusado notar que este tipo
de delírios não é exclusivo de alguns leitores do DN, ou sequer do público
português. Pelo mundo fora, uma extraordinária quantidade de gente acreditou,
acredita e continuará a acreditar que o 11 de Setembro constituiu um horrendo
embuste da administração Bush para justificar a invasão do Afeganistão e do
Iraque. "Fundamentadas" em milhares de sites mantidos por malucos ou
vigaristas, há por aí milhões de pessoas aparentemente normais que rejeitam
toda a evidência e qualquer réstia de bom senso para acolher
"argumentos" estapafúrdios e indignos da cabecinha de uma criança. Na
essência, essas criaturas não diferem das que, no século 12, suponham a Terra
plana, ou das que, no século XVII, a achavam imóvel. Mas as diferenças no acesso
à informação, e a incapacidade em seleccioná-la, assemelham-nas mais aos
pândegos, muitos deles jovens urbanos, que negam o evolucionismo das espécies -
e não cabe aqui discutir se tão primitiva resistência aos factos é, em sim
mesma, um desmentido de Darwin.
Salvo pelos seus partidários,
é sabido que as teorias da conspiração são o último refúgio dos nossos
ignorantes. O pior é serem também a primeira arma dos nossos inimigos. Existe
relativa graça no indivíduo sinceramente convencido de que a equipa da Apollo
11 não chegou à Lua, e imensa graça em imaginar que o indivíduo vive realmente
na Terra. A brincadeira adquire maior gravidade sempre que, na sua estupidez,
as teorias da conspiração servem projectos criminosos. O comunismo e o nazismo,
para citar duas calamidades maiores, não teriam sido o que foram sem a
"legitimação" manipuladora providenciada por gigantescas patranhas. E
o terrorismo não seria o que é.
As lendas alusivas ao 11 de
Setembro constituem o logro voluntário em que caem os ocidentais que não
aceitam, ou fingem não aceitar, a culpa do islão. Atentados posteriores
atraíram lendas semelhantes, excepto na dimensão. Certas chacinas em França,
por exemplo, espevitaram os "conspiracionistas" assumidos: não é
estranho que os assassinos do Bataclan tivessem deixado para trás as
identificações? Já os "conspiracionistas" dissimulados adoptam a via
das dificuldades de "integração" e os "distúrbios psiquiátricos".
A este respeito, duas verdades são inegáveis: o mundo está cheio de doidos, e,
à conta de masoquismo e crendices, o futuro do Ocidente promete ainda menos em
2016 do que prometia há 15 anos.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 12-9-2016
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-