Alberto Gonçalves
Digam o que disserem, o momento dramático
da destituição da dona Dilma aconteceu quando um senador do PT falou na
"presidenta inocenta".
As palavras não me saíram da
cabeça. Em primeiro lugar, porque nenhuma delas existe em português decenta,
perdão, decente. Em segundo lugar, porque a bem da clareza deve colocar-se a
hipótese de a senhora ter de facto sido vítima de uma conspiração manhosa.
Convém que uma pessoa se pergunte: e se os defensores da dona Dilma têm razão?
E depois convém que uma pessoa se responda: não, não têm. Como se atinge a
conclusão? Por diversas vias.
Desde logo, a via legal. Não
adianta festejar a portentosa democracia brasileira sempre que esta derruba um
presidente de direita ou elege um presidente de esquerda para de seguida
lamentar o "défice democrático" sempre que, no mesmo respeito
formalista, o regime enxota uma amiga dos "trabalhadores". Se dois
terços dos representantes do povo - e, a acreditar nas sondagens, dois terços
do povo - acham a dona Dilma uma corrupta de dimensão internacional, é
altamente provável que o seja. Caso contrário, improvável é o Brasil, hoje e
ontem.
Se, ainda assim, restarem
dúvidas, repare-se na atitude. Confrontado com o impeachment, Collor de Mello
(recordista sul--americano em "ll") renunciou. A dona Dilma esperneou
até ao fim, deixando um rastro de ódio, divisões, ameaças e, entre típicos
atropelos à língua, um argumento desesperado e espantoso, o de que caiu por
causa do "machismo" e da "misoginia". Nenhum inocente desce
tanto. E alguns culpados também não.
Se, ainda assim, restarem
dúvidas, note--se a qualidade dos manifestantes "pró" e
"contra" a destituição. Para os telejornais daqui, uns - na verdade a
larga maioria - não passam de elites reaccionárias, ressentidas e avessas à
"justiça social". Os outros organizam "manifestações
pacíficas", que curiosamente consistem em arrasar a propriedade pública e
privada que estiver à mão. Aprendizes de guerrilha e delinquentes comuns não
costumam andar no lado certo da história.
Se, ainda assim, restarem
dúvidas, atente-se na posição dos designados "artistas" e
"intelectuais". O critério é simples: por motivos talvez ligados à
criatividade, as classes citadas tomam inevitavelmente o partido dos direitos
humanos, dos oprimidos e, em suma, do soba "progressista" que calhar.
É escusado lembrar que, no episódio em apreço, quase todos os espécimes estão
com Dilma. Entre eles, um abnegado evangélico do "castrismo" chamado
Chico Buarque e, dos estrangeiros, vultos do gabarito de Oliver Stone e o
rapper Boaventura Sousa Santos. Chega? Julgo que sobra. Se, ainda assim,
restarem dúvidas, verifique-se o tipo de países que simpatizam com a dona
Dilma. As democracias (inclusive, pasme-se, a peculiar democracia portuguesa)
já anunciaram a continuação das relações diplomáticas com o Brasil do sr.
Temer. Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Equador vão pelo caminho oposto. Quem
achar que estes são exemplos da dignidade e do bem-estar, faça favor.
Se, ainda assim, restarem
dúvidas, aprecie-se o choque dos nossos PCP, BE e um pedacinho do PS, mais
deprimidos com a perda da dona Dilma do que com a de um cãozinho fiel. Não é só
o currículo dos bandos que classifica automaticamente as suas afinidades. Os
que por cá se juntaram para derrubar um governo (por ser de
"direita") garantem que derrubar um governo (por ser corrupto) é
"golpe". Até uma criatura com apenas dois neurónios ouve pelo menos
um deles resmungar que, fora do primoroso universo marxista e, sim, golpista, a
"tese" não faz sentido.
Se, ainda assim, restarem
dúvidas, não restam dúvidas: você é um devoto da "presidenta
inocenta", paixão originada na cegueira ideológica ou na miopia literal.
Escreva num cartaz "Fora Temer", o ex-"companheiro de todas as
horas" da dona Dilma, e exiba-o na rua aos gritos. Cuidado com o trânsito
e com a excitação. Não se esqueça que a esperança no comunismo é a última a
morrer: as respectivas vítimas morrem antes.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 5-9-2016
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