Cesar Maia
1. O instituto das delações premiadas fundado nos Estados Unidos
foi aplicado à política na Itália da Operação Mãos Limpas e agora aprimorado no
Brasil com a Operação Lava Jato. Assim como na Itália, aqui no Brasil a etapa
inicial dos processos de delações premiadas parte de uma complexa operação de
“inteligência policial”.
2. A “inteligência policial” é o contrário da investigação
policial. Na investigação policial há um dado ou um fato conhecido, um corpo,
um assalto, materiais... A partir destes e em função dos sinais deixados, a
polícia inicia e aprofunda a investigação em direção aos responsáveis, aos
culpados.
3. Já a “inteligência policial” parte de um “dado negado”, ou seja,
apenas de uma hipótese. Para confirmá-la o instrumento principal que usa é a
“infiltração”, ou seja, policiais, agentes, que se integram ao processo e
repassam informações. Esse é o principal instrumento da espionagem. Muitas
operações de desmonte de uma quadrilha de crime organizado levam meses e meses
até que se realize num certo momento uma operação simultânea com a prisão de
todo o grupo.
4. A “infiltração”, ao fornecer os elementos para a ação policial
entrega além dos responsáveis, as provas, locais, fotos, documentos...
praticamente fechando as vísceras do inquérito com vistas à narrativa dos fatos
e às razões jurídicas, entregando a decisão à justiça. Nesse sentido, os
recursos às instâncias superiores e as protelações serão inócuos.
5. No caso da “inteligência policial” aplicada a corrupção
empresarial, administrativa e política, - Operações Mãos Limpas e Lava Jato -
essa fase inicial é complexa, embora hoje facilitada pela tecnologia –
gravações, sinais, marcas, fotos... Mas a ela não se aplica a “infiltração”.
Dessa forma a Delação Premiada funciona como uma espécie de “Pós-Infiltração,
daí sua importância.
6. Identificados os responsáveis e seus agentes e contatos,
inicia-se uma fase menos complexa, já que a tendência dos depoentes é falar
tudo para reduzir o tempo de sua condenação futura. Os promotores e juízes
terão a difícil tarefa de conduzir os depoimentos de forma a que as palavras
venham alicerçadas por fatos. Daí a importância da detenção para evitar a
destruição das provas e a realização – simultânea ou posterior - das ações de
busca e apreensão.
7. Mas, com tudo isso, a terceira etapa é ainda mais complexa, pois
parte dos depoimentos são de difícil documentação ou comprovação: apoiei a
campanha de um político, esperando boa vontade dele no futuro nesse ou naquele
caso, etc. É apenas um exemplo: como atestar a “boa vontade” de uma autoridade
ou político com o interesse da empresa, exposto nas delações premiadas de
empresários ou executivos?
8. Na primeira instância – policiais federais, promotores e juízes -
estão muito mais envolvidos com os fatos e personagens do que estarão as
instâncias superiores. Os recursos certamente virão. E além do envolvimento
direto, indireto, maior ou menor, há o fator tempo. Quanto mais distante do
momento da prisão, delação e primeira condenação coberta e destacada pela
imprensa, as decisões se tornam mais frias e impessoais, e exigirão elementos
objetivos de comprovação. E, no final, na terceira e última instância, ainda
mais.
9. O conteúdo de uma delação premiada e seus detalhes a serem
encaminhados pelos recursos dos condenados à segunda e terceira instâncias,
requer – como na infiltração policial clássica - todos os elementos que inibam
os argumentos protelatórios e recursais.
10. Se nos casos de crimes bárbaros cobertos pela imprensa com
grande destaque, o fator tempo conspira contra os fatos, muito muito mais
quando são vários os fatores subjetivos incorporados ao inquérito a partir das
delações premiadas em crimes de corrupção administrativa, empresarial e
política.
11. No caso de políticos com foro especial, as delações terão que
ser aceitas pelo Ministro do STF e após a análise de cada delação autorizar a
investigação. Espera-se que o Ministro do STF responsável pela investigação
conte com toda uma equipe de juízes e promotores para assessorá-lo. E que os
inquéritos e delações venham amplamente lastreados em provas objetivas,
impedindo que as ações protelatórias joguem o fator tempo contra a condenação.
A pauta do STF é sempre extremamente congestionada.
Título e Texto: Cesar Maia, 13-12-2016
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