domingo, 12 de janeiro de 2020

[As danações de Carina] O que sabemos sobre sexo pervertido e outras anomalias? – Parte quatro

Carina Bratt

Dando sequência, como disse, no texto de domingo passado, hoje falarei sobre “MASOQUISMO”.  Assim como o sadismo é basicamente um ato de agressão, o masoquismo é um ato de submissão. O nome não é recente. Vem de um escritor austríaco chamado Leopold von Sacher-Masoch, nascido em 1838. Filho de um chefe de polícia, se tornou um estudante excepcionalmente brilhante, além de médico famoso, chegando, inclusive, a oficial condecorado com várias medalhas na Guerra Franco-Austríaca.


Deixou em sua longa carreira, uma série de livros notáveis, com destaques para “A herança de Caim”, a “Vênus das peles” e “Masoquismo” (Masochism), entre outros. Nesse “Masoquismo”, juntamente com Gilles Deleuze, Sacher retratou vivamente o prazer do sofrimento e dor nas mãos de uma bela e esfuziante mulher. Há vários incidentes que marcaram profundamente a vida desse simpático cidadão, embaraços que parecem ter influenciado em seu comportamento vida afora.

Vou falar de apenas três. Primeiro. Dizem seus historiadores, que, quando criança, era fascinado pelas histórias dos mártires dos Andes e seus terríveis apoquentamentos e chateações. Segundo. Na puberdade, teve um sonho que continuou a assombrá-lo pelo resto de seus dias. Nele, se fazia e se via escravo e vítima de uma fêmea nos moldes da Sabrina Sato, todavia, uma criatura duramente cruel. Esse sonho provavelmente tenha ligação direta em sua formação, culminando com o resultado de alguma experiência que tivera quando criança.

De fato, teve. E nele está embutido o Terceiro. Escondido em um armário (não sei se ele chegou a sair desse móvel e desmunhecou de vez), um guarda-tudo que ficava no quarto da tia. Sem querer, ele a viu fazer amor com um estranho (o amante) e ser descoberta pelo marido, que ao sabor dos chifres que recebera, a espancou brutalmente, lhe impondo inclusive, uma série de castigos sexuais para corpo feminino nenhum botar defeito. Depois de algum tempo, quando a tia (ao procurar pelo sobrinho e não o achando em parte alguma), chegou à conclusão de que o jovem invasor (Leopold) escondido e à espreita, se resguardara em algum lugar secreto.

Teve a certeza trazida à baila, claro, quando depois de muita busca, concluiu que o pequeno só poderia estar oculto num lugar, e, de lá, a tudo assistira, de camarote. Furiosa, pê da vida, sem controle, se encheu de razão e deu linha ao próprio sentimento de culpa e vergonha, batendo feio no pobre e indefeso infeliz. Sem dúvida, esses embaraços inesperáveis e aleatoriamente eventuais devem ter sido, de alguma forma, responsáveis diretos pela conduta pela qual o escritor passou a ser mundialmente conhecido.

Oito anos antes da sua morte, em 1895, aos 9 de março, no albor dos 59 anos de idade, a França lhe concedeu a Legião de Honra, em reconhecimento pela realização literária de seus 24 livros publicados em idioma francês. “O masoquismo teve um lugar significativo no desenvolvimento da cultura humana, no coração mesmo da religião ocidental. Para a glória de Deus, homens e mulheres infligiam-se ferimentos que não deixavam sarar, que agravavam mesmo com a aplicação de uma boa quantidade de sal” – escreveu Alison M. Moore, em seu livro “Sexual Myths of Modernit”, no Brasil traduzido sob o título “Mitos sexuais da Modernidade”.

E lemos ainda um pouco adiante, mesmo trabalho, que “Casais dormiam em camas de espinhos e passavam longos períodos de sede, para depois beberem água contaminada, geralmente misturada com urina e merda de cães e gatos, em honra de Deus. As pessoas tentavam se superar umas às outras na busca de métodos cada vez mais horríveis de autotortura. Cristina de St. Troud, uma meio louca inteira, se amarrou numa roda de suplícios, fez-se torturar e foi pendurada numa forca ao lado de um cadáver”.

Parece que o defunto não gostou da ideia.  Meio gay, e a se ver emparelhado com a bela Cristina, tipo assim, corpo escultural da Sabrina Sato, saiu de perto dela em desabalada carreira. Isso ficou “sato” para todo mundo, ou seja, não só para o falecido, como também para Troud. O psiquiatra falecido, Arthur Ramos, escreveu em um de seus livros que “Bandos de penitentes se flagelavam em procissões públicas pelos pecados do mundo”.

E analisa, logo a frente, observando: “Muito desses homens e mulheres foram louvados por sua santidade e alguns chegaram a ser canonizados. O exemplo deles é indiscutivelmente inspirador – e inegavelmente masoquista”. Nessa catação de cavacos, aqui e acolá minhas amigas talvez não se recordem do livro e do filme “A História de O”, de Anne Cécile Desclos. Podemos ler nele ou assistir ao filme, onde tanto lá, quanto cá, descobriremos um enorme interesse e curiosidade do público de hoje pelas experiências masoquistas.

Em resumo, caras leitoras, no caso específico do masoquismo, há uma variedade de teorias para explicar as causas desse comportamento, porém, não se chega a um acordo lógico. É visto essa imbecilidade dos menos desavisados, como uma manifestação do sentido de desvalor do indivíduo, como um princípio de humilhação, de fraqueza, de vexame e até de afronta. Mesmo horizonte, é tido como uma tentativa do ser humano de se absolver da culpa de sentir tendências sádicas.

É visto, ainda, como um desejo de morte amenizado. Alguma vez vocês ouviram falar em desejo de morte amenizado? Seria, por acaso, o oposto do sadismo e, portanto, como amor e ódio, dor e prazer, muito parecido com ele, inclusive na sua intangibilidade? Intangibilidade, caríssimas, é tudo aquilo que não é palpável, ou que não pode ser mexido ou modificado.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 12-1-2020

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