Alguém tem de representar os que defendem
que somos iguais independentemente da nossa ideologia, que o PR tem de ter um
programa e não uma táctica e que há vida, difícil, para lá da propaganda.
Helena Matos
PS. Dá-se preferência a quem
não se ponha em calções ao primeiro sinal de que pode estar a descer nas
sondagens.
O novo normal garante que
Marcelo é o único sinal dissonante face a uma esquerda que já nem precisa de
disfarçar a sua arrogância. O próprio Marcelo participa ativamente desta
narrativa: “sempre quero ver se eu não me candidatar e ficar tudo nas mãos da esquerda, sim, sempre quero ver…” ouviu-lhe proferir Maria João
Avillez .
Digamos que o novo normal tem
todo o taticismo da velha política só que já ninguém se lembra disso: desde que
em Fevereiro de 2014 apareceu de surpresa num congresso do PSD, lançando o seu
nome para as presidenciais, Marcelo afirma-se precisamente não por congregar
mas sim por secar todo o campo político à sua volta, para em seguida se
apresentar como a única alternativa possível. O “sempre quero ver se eu
não me candidatar” não é um desabafo de Marcelo perante as oposições,
é sim um programa de vitória sobre os seus. É esse o programa de Marcelo: foi
assim que em 2016 ganhou a Passos Coelho (Sampaio da Nóvoa era uma segunda
figura nos combates que Marcelo então travou). É assim que em 2021 quer ganhar
àqueles que não se conformaram com a marcelização da direita.
O novo normal tal como
acontecia com a velha normalidade garante que os eleitores de direita devem não
só aceitar esta estratégia de Marcelo como cumprir o papel que ele lhes
reservou nela. Como? Votando nele.
Marcelo deixou passar as 35
horas na função pública, pactuou com o ataque à PGR, calou-se sobre as
cativações…, mas isso na tal lista de gestos que terá elaborado para provar a
sua fidelidade aos seus princípios junto do eleitorado que o elegeu em 2016
deve equivaler a dois posfácios. Não só aceitou como promoveu a versão da
geringonça sobre os governos de Passos Coelho, mas o que é isso ao pé dos
prefácios que redigiu para umas obras que a direita alegadamente lê?
Ser eleitor de direita será
nesta versão o que existe de mais aproximado de colecionador de textos obscuros
e do extinto serviço militar obrigatório: tal como o recruta não escolhia o
quartel em que assentava praça também o eleitor de direita está obrigado a no
dia das eleições apresentar-se nas urnas de voto e cumprir o seu dever.
Acontece que no novo normal
tal como no velho os votos não estão garantidos: há que lutar por eles, coisa
para que manifestamente Marcelo tem pouca paciência. Marcelo gosta da aclamação
não do debate.
Mas acontece também que
Portugal precisa urgentemente que abandonemos a retórica dos milagres, das
soluções mágicas dos milhões que a Europa vai mandar (quantos impostos vão ser
criados?), das falácias sobre a não austeridade. Do quotidiano transformado em
absurdo: as crianças não podem ir à escola, mas podem ir à praia. A DGS proíbe
concentrações de pessoas, mas o PCP faz comícios.
Por mais que isso incomode
Marcelo, as próximas presidenciais são uma oportunidade que não se pode perder
para que aconteça uma ruptura neste ilusionismo feito poder. Ou para que pelo
menos essa ruptura comece. Afinal o novo normal começou por evidenciar a
mediocridade gerada pela velha politização dos quadros técnicos da administração
pública – a DGS está longe de ser um caso isolado – e acabou a escancarar as
fragilidades do governo: além do primeiro-ministro, dos ministros da Economia,
Finanças e Negócios Estrangeiros sobram dezenas de ministros e secretários de
quem nem se sabe o nome muito menos o que pensam. O convite feito no novo
normal a Costa e Silva para projetar o programa de recuperação econômica do
país apenas confirma o que já se sabia: o governo era muito fraco nos tempos da
normalidade e muito fraco continua a ser no tempo do novo normal. Como é seu
hábito António Costa rodeou-se de figuras apagadas (ou que se deixam apagar) o
que obviamente teve péssimas consequências na gestão da pandemia.
O novo normal expôs uma
oposição que à esquerda fez do crescimento do aparelho de estado o seu euromilhões
e que à direita, no PSD, vive uma espécie de regresso ao passado, àqueles
tempos em que criticar um governo era sinônimo de atacar o país.
E depois, claro temos
devidamente exponenciado o síndroma André Ventura, essa patologia que se traduz
por acreditar que tudo aquilo que André Ventura diz é mau só porque é dito por
André Ventura. Este paradoxo levou a que ao mesmo tempo que aceitamos viver sob
agendas absurdas e disparatadas impostas pela esquerda radical (agendas essas
que por exemplo nos colocaram a discutir a eutanásia nas semanas que eram
preciosas para tratar da segurança dos lares por causa da Covid-19), toleramos
que sejam excluídos da discussão os problemas reais de milhares de pessoas,
como é o caso da insegurança, simplesmente porque esse assunto é caro a André
Ventura. Ora o que deve distinguir os políticos não são os assuntos que abordam,
mas sim as soluções que propõem.
Deste síndroma André Ventura
também faz parte a convicção que André Ventura tem um apoio de tal forma
crescente que qualquer candidato que surja à direita será derrotado por
Ventura, à excepção de Marcelo, claro. Percebo que a tese agrade a ambos, a
Marcelo e a Ventura, mas isto não é um dilema é uma ratoeira. Ou se quebra esta
dicotomia apresentando uma outra candidatura ou os próximos anos serão marcados
pelo taticismo egocêntrico de Marcelo e o crescimento do ascendente político do
líder do Chega que na verdade já nem precisa de abrir a boca para ser declarado
vencedor dos debates que não travou.
À beira da segunda candidatura
de Marcelo a direita está a pagar o preço do medo de fazer de política.
À beira da sua segunda candidatura
Marcelo descobriu que as coisas podem ser mais difíceis do que previra. Afinal
não é certo que os socialistas se mobilizem para votar nele e à direita sabe
que perdeu votos, só não sabe quantos. Acredita que apresentar-se entre os
radicalismos de André Ventura e Ana Gomes é o q.b. para que os renitentes se
disponham a ir votar Marcelo “apesar de”. Terá razão, mas o problema de quem na
política vive a fazer contas é que nunca conta com as contas dos outros.
Marcelo não é o único fazer contas. E se às parcelas Marcelo, Ana Gomes, André
Ventura juntarmos uma candidatura proveniente do centro direita, o resultado
pode ser a melhor forma (e também a única que resta) de trazer a realidade para
a nova normalidade.
PS. A propósito do Bairro da
Jamaica e do papel das autarquias comunistas na proliferação das barracas e
bairros clandestinos releia-se esta entrevista de Víctor Reis, ex-presidente do
Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana: “Desde sempre que os municípios dirigidos pelo PCP mostraram grande resistência a assumir o papel de quem tem que ser senhorio. Mesmo quando havia necessidade de fazer realojamentos de bairros de barracas, estas autarquias assumiam a postura de que era um problema do governo central. E foi assim que chegámos ao problema a que chegámos no concelho da Amadora, em Almada e como estamos no Seixal.“
Título e
Texto: Helena Matos, Observador,
31-5-2020, 7h59
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O Subtítulo da postagem se adequa ao Brasil de momento, ou seria,
ResponderExcluira qualquer país, em qualquer momento?
Mesmo sendo óbvio e genérico mantem-se verdadeiro!
"Alguém tem de representar os que defendem que somos iguais independentemente da nossa ideologia, que o PR tem de ter um programa e não uma táctica e que há vida, difícil, para lá da propaganda."
Em Portugal, em relação a uma suposta esquerda, cá em uma também suposta direita, o que dá no mesmo pelos métodos de defender a tal democracia.
Democracia esta que todos reivindicam, mas não chegam a um acordo sobre o que seja!
Em tempo!
ResponderExcluirVale além do presidente (PR), vale para grande maioria de cidadãos!