Uma ala expressiva da esquerda tem justificado
cada vez mais a intransigência, até com violência, contra a direita, toda ela
considerada 'fascista'
Rodrigo Constantino
Qual o desfecho possível para uma democracia quando uma parte considera que cerca de um terço da população é genocida, fascista, negacionista, assassina? A pergunta é retórica. Qualquer pessoa sensata vai concluir que é inviável uma democracia com tais características. Se há tanta gente assim dentro de tal sistema, ele vai inevitavelmente ruir, terminar até em guerra civil. Não há democracia possível com tantos inimigos!
Mas é exatamente essa a
narrativa que uma elite vem impondo. E o fenômeno é mundial, com claro
agravamento na era das redes sociais. O tribalismo tem sido a tônica nos
“debates” — e, em vez de aceitar a ideia de que seu adversário político pensa
diferente ou está equivocado, a premissa cada vez mais usual é a de que se
trata de um ser perverso, cruel, maligno. Não há diálogo possível com fascistas
assassinos, há?
É crucial entender a origem do
fenômeno moderno. A tentativa de demonizar o adversário, visto como inimigo
mortal, não é novidade. O processo de desumanização do “outro lado” é uma
tática comum em ideologias totalitárias. O exemplo mais evidente é o que os
nazistas fizeram com os judeus. Se do lado de lá não há humanos que discordam
das nossas bandeiras, mas sim vermes que querem nos destruir, então o
extermínio desses “vermes” passa a ser pregado como algo aceitável.
O sociólogo e filósofo alemão
Herbert Marcuse (1898-1979), com seu conceito de “tolerância repressiva”, deu a
senha para que a esquerda pós-moderna encarasse qualquer um que não fosse
socialista como um reacionário fascista, um perigo iminente, uma ameaça
terrível. E, com base nessa ideia, toda reação a essa ameaça era legítima,
justificada, um ato libertador. Palavras agridem, ideias são bombas, e agredir
fisicamente quem as profere passa a ser legítima defesa.
Eis o resultado prático: grupos se vestem de preto, usam máscara, pegam armas brancas e incendeiam universidades para impedir a palestra de um conservador moderado como o advogado e escritor norte-americano Ben Shapiro. E eles se chamam de Antifa, ou seja, os antifascistas! Aquele que adota postura truculenta, intolerante e autoritária passa a ser o democrata tolerante em sua própria visão distorcida, tudo porque tem certeza de que está reagindo ao enorme risco fascista, que enxerga em cada esquina, em cada um que não defende sua mesma ideologia.
É por isso que Hillary Clinton
se referiu a metade dos eleitores de Trump como “deploráveis”, e a esquerda
“progressista” passou a considerar “discurso de ódio” a simples defesa de
tradições, do casamento entre homem e mulher ou as críticas à ideologia de gênero.
A mentalidade esquerdista hoje, de forma geral, é totalitária, pois não aceita
que seja possível discordar dela com legitimidade, com boa intenção.
No Brasil, toda a direita tem
sido demonizada faz tempo, e com a chegada de Bolsonaro ao poder a coisa piorou
muito. O presidente passou a ser confundido com o próprio vírus chinês, acusado
de cada óbito na pandemia, responsabilizado diretamente por tudo de ruim que
acontece. Esta semana, com a morte do humorista Paulo Gustavo, vimos o ápice
dessa postura. Paulo Coelho, Felipe Neto, Maitê Proença, a turma do MBL e
muitos outros acusaram Bolsonaro pela morte do ator, com rótulos de “genocida”,
“assassino” ou “verme”.
Qualquer um que ouse enxergar
virtudes no presidente ou em seu governo é logo tachado de cúmplice de
genocídio por essa gente. Não há diálogo viável, não há argumentos racionais
que prestem para os “canceladores”. Só há um “pequeno” problema: segundo as
pesquisas, Bolsonaro tem o apoio de cerca de um terço do povo brasileiro. Nas
ruas no sábado passado, vimos um 1º de Maio atípico, com centenas de milhares
de pessoas ocupando várias avenidas importantes pelo país em apoio ao
presidente. Foi um recado bem alto.
Essa gente considera que há um
golpismo no ar, que o establishment atua para impedir o
governo, para boicotar ou derrubar o presidente. Não confia nas urnas
eletrônicas e pede voto auditável. Joga tomates em imagens dos ministros
supremos pois os considera traidores da Constituição e a serviço do corrupto
que os indicou para o STF. Alguns clamam por uma ação militar, tamanhos o
desespero e a sensação de impotência diante de um sistema corrompido.
Você não está errado, segundo a narrativa “progressista”. Você é “do
mal”
Discordar de suas bandeiras ou
de seus métodos é do jogo. Chamá-los de genocidas ou fascistas, porém, é
retirar a legitimidade de um grito atravessado na garganta de milhões de
brasileiros. Voltamos ao ponto inicial: como viabilizar uma democracia que
rejeita quase metade dos eleitores? Como dirimir conflitos, aparar arestas e buscar
consensos ou contemporizações se, em vez de oponentes políticos, enxergamos
monstros assassinos do outro lado? Tentam a todo custo e com muito esforço,
além da cumplicidade de boa parte da imprensa, transformar em pária social
aquele que defende o grosso da atual gestão, que claramente possui inúmeros
méritos mesmo. Você não está errado, segundo essa narrativa; você é “do mal”, e
isso justifica todo o ódio “do bem” que vemos por aí, com gente desejando
abertamente a morte de Bolsonaro e de seus apoiadores.
Isso não tem a menor chance de
terminar bem. Até porque essa enorme parcela da população descobriu que pode
ter um representante no poder, que existem outros milhões que pensam como ela,
que o jogo é sujo para impedir seu direito de existência política. Não é
possível voltar ao estado anterior, com uma mídia dominada de forma quase
hegemônica pela esquerda e um teatro de tesouras entre petistas e tucanos como
se fosse uma disputa entre esquerda e direita. A direita acordou, e um gigante
desperto precisa ser levado em conta. Não dá para colocar um elefante embaixo
do tapete e fingir que ele nem sequer existe.
Comentando os atos violentos
do Black Lives Matter nos Estados Unidos, o sociólogo húngaro-canadense Frank
Furedi escreveu em coluna desta revista: “O surgimento de uma nova filosofia
que justifica esse tipo de protesto e os saques é resultado direto da poderosa
influência exercida pela política identitária no mundo anglo-americano. Nos
Estados Unidos, até pouco tempo atrás, o uso de violência e de ameaças
politicamente motivadas tendia ao confinamento dos campi universitários.
O exercício da cultura de cancelamento sempre continha a implicação de que a
força poderia ser usada contra o alvo cancelado. O que mudou é que, em meses
recentes, formas de comportamento que estavam confinadas às universidades
migraram para o resto da sociedade. No ambiente menos refinado da urbanidade
norte-americana, a cultura do cancelamento adquiriu uma dinâmica muito mais
sombria”.
Ele concluiu em tom
pessimista: “Quando uma mídia supostamente livre se recusa a pensar livremente
e noticiar o que é evidente aos olhos de seus espectadores, você sabe que a
liberdade está muito encrencada. Quando protestos violentos são ignorados e, em
alguns casos, celebrados, o respeito pelo Estado de Direito está fatalmente
comprometido. Agora entendo de verdade quando a garçonete me alertou sobre a
possibilidade de uma guerra civil. Pessoas como ela sabem que seu modo de vida
está sob ameaça quando o comércio para o qual trabalham pode se tornar um alvo
legítimo para um ‘protesto intenso, mas basicamente pacífico’.”
Uma ala expressiva da esquerda
tem justificado cada vez mais a intransigência, até com violência, contra a
direita, toda ela considerada “fascista”. Essa estratégia pode surtir algum
efeito em círculos da elite cosmopolita, que fica com “nojo” de tudo o que
remeta ao conservadorismo, tido como “tacanho”, “obscurantista” ou “assassino”.
Mas vai esgarçando o tecido social até o ponto de ruptura. Toda ação leva a uma
reação. É por isso que não podemos descartar nem mesmo um conflito eventual. A
esquerda não pode achar que vai provocar tanto assim sem nenhuma consequência.
Talvez alguns mais radicais e revolucionários desejem mesmo isso. Cabe aos
outros compreender quanto antes o perigo, e resgatar o respeito por quem pensa
diferente, por quem é de direita, e sim, por quem apoia o governo Bolsonaro.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, nº 59, 7-5-2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não aceitamos/não publicamos comentários anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-