domingo, 23 de maio de 2021

[As danações de Carina] Meus possíveis pontos de uma fuga irreal

Carina Bratt

‘Eu chovo, eu vicejo, eu me planto e, um dia, eu vou brotar por entre as pedras frias, mais puro, transformado em verde.’
Carlos Felipe Moisés, autor do livro ‘Noite nula’.

No silêncio dos meus medos, tento não me apavorar com os fantasmas que me assustam. São seres estranhos, oriundos de um planeta distante, perdidos em algum lugar do espaço existente no imenso dos meus pensamentos, teimando em se apoderarem do meu descanso, do meu sossego, da minha calmaria e embrandecimento, me fazendo lembrar de um passado tenebroso e mefistofélico que não sei, por qual motivo, teima em não me abandonar. 

Adulta, dona de mim, mente indefectível e positiva, os pés no chão, consciente da minha vida adulta, centrada, focada nas amplidões e vastezas que persigo, de maneira ferrenha e obstinada, apesar disto, não consigo me despregar destes incômodos, tampouco me ver livre e extirpada, desimpedida e desmembrada dos presságios de mau agouro que perseveram e teimam em não me deixarem seguir adiante com os caminhos traçados. 

Sonho em galgar, em transpor as gentilezas e as branduras que se descortinam à minha frente. Corro desembestada, absorta, pertinaz, porém, meus anseios e vontades, desejos e aspirações se evaporam por desvãos nascidos do nada. Num simples piscar de olhos, me vejo, de repente, amarrada, segura, presa, algemada, num emaranhado de labirintos que me empurram para um tempo que não faz outra coisa senão obscurecer meus objetivos mais robustos e prementes. 

Envolta no breu que se forma revestido em derredor de mim, vislumbro novas aperturas e desinquietações, desolações e flagelos se formando e se avigorando. Como se não bastasse, me deparo com embaraços e tristezas que assassinam meus dias, e matam as minhas alegrias e satisfações, júbilos e prazeres. Então, de novo, me sobressalto, me apavoro e, neste grau de inconsciência vigorosamente esmaecida, me perco ao sabor de um suplício agoniante dentro de um tempo mórbido e insalubre que não deveria estar aqui. 

Por conta, algo que não sei o que é, me coloca, a contragosto, de alma vazia e devoluta. Literalmente desabitada e sem nada. Igualmente, faz com que me debulhe em lágrimas amargas. Nestas horas, me entrego à uma choradeira lastimosa, à um pranto sentido que fecunda meu ‘eu’ interior, me fazendo enxergar um distante desprovido de regozijos e regalos. De roldão, me força a sentir a aspereza das garras de uma solidão incontestável se fazendo cada vez mais pujante e presente, abundante e corpulenta. 

Na mudez do meu quarto, no 'descalor' da minha cama, no ‘sem razão’ do meu mundo, angustiada dentro da desesperança que me acolhe e, numa descortesia insana, mormente enleada até o pescoço pelas palavras de falsos deuses centrifugando meus momentos gloriosos e fazendo, da minha ternura, um constrangimento cada vez mais esquizofrênico, ao acaso, ainda, da anarquia e do bafafá, me alimento de transes viscerais e me engravido de uma gestação inesperada e repentina. 

Nos solavancos da vida, nos espasmos de uma existência medíocre, tento fugir, às carreiras, me desviar por esquinas desequilibradas de presságios inimigos. Nesta insensatez cada vez mais perturbadora, capturo vultos de faces desconexas. Em desespero quase abissal, me embrenho, atarantada, por idas de mãos irreversíveis e sem esperanças de regresso. Não há retorno. Me enrodilho, pesarosa, em errantes amanhãs, esperançosa, sempre, de me ver salva de serpentes medonhas devorando porvindouros que ainda nem sequer cheguei a imaginar na minha louca mortificação. 

Em meio a tudo isto, os meus pavores e tremeliques por detrás das coisas, as visagens e assombrações que me assustam, são espécimes ignotos e forasteiros, bastardos desviados de uma galáxia insulana. Por assim, no mutismo das minhas estupefações, tento não me apavorar com os fantasmas que me estarrecem. São, repito, seres atípicos e maliciosos, aborígenes de um orbe distante, decaídos de algum lugar do espaço existente no mesmo ‘sem coisa alguma’ dos meus pensamentos. 

No silêncio, adulta, crescida e dona de mim, cobiço em ascender a magnificências que se descerram... circundadas no desalumiado que se forma em derredor de mim, bem ainda, no mutismo de meu quarto, no gostoso quentinho da minha cama e, no ‘sem razão’ do meu quadrado de extensões restritas. No mesmo saco de gatos miando, pelejo sem esmorecimentos, nos trambolhões e balouços da vida, nos cataclismos de um vício profano. Tramo e engendro, ardorosa, a minha tresloucada... a minha desnorteada fuga, onde só os momentos agradáveis, hão de permanecer ilesos e impolutos dentro de mim. Eu sou, apesar dos pesares, um mar de águas calmas e serenas. O resto, meras memórias de estilhaços dispersos. 

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 23-5-2021 

Anteriores: 
Conversa de pé de orelha 
Sempre assim, com a esperança obstinada 
Nada é difícil quando temos a vontade de vencer 
A Oração 
Vida submersa 
Meus pêsames 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-