A mídia passou da oposição a Bolsonaro ao ódio gramatical, como descrito no dicionário, e do ódio a um estado de permanente excitação nervosa
Foto: Shutterstock; Edição de arte: Oeste
J. R. Guzzo
Tudo bem: a “CPI da Covid”,
como se autonomeou a aglomeração de aproveitadores formada no bas-fond do
Senado Federal com a finalidade oficial de “apurar” o que houve de errado na
administração da epidemia no Brasil, vai resultar, para qualquer efeito
prático, no equivalente a três vezes zero. Como poderia ser diferente? Fez
parte da mais legítima natureza dessa gangue política, composta de muito do que
existe de pior na política nacional, agir, antes mesmo da sua primeira reunião,
exatamente ao contrário do que pretendem ser tais “comissões” — pelo menos
segundo o que está dito na lei. Para não tornar a conversa mais demorada do que
é preciso: pode haver uma comissão, formada por parlamentares, mas não há,
nunca houve nem vai haver inquérito nenhum.
Desde o primeiro minuto do que
eles chamam de “trabalhos”, a “CPI da Covid” não fez inquérito sobre nada. Não
foi investigada nenhuma suspeita séria. Os inquisidores não foram capazes de
demonstrar, ao longo dos interrogatórios feitos até agora, aquele mínimo de
qualidade técnica que se exige da mais modesta delegacia de polícia do interior
na condução de um inquérito. Não houve a procura, o processamento e o exame de
fatos. Não houve, por parte dos senadores empenhados na acusação, o mais remoto
sucesso, ou esforço, em comprovar alguma coisa, nem mal e mal, de tudo o que
estão dizendo — até agora, a sua atividade vem se resumindo a exibir aos gritos
uma suspeita e, depois, ficar repetindo os gritos que deram. Não houve, em
suma, o menor talento em nada do que se fez. Sobrou apenas uma pasta de latidos
sem coerência, sem direção e sem objeto determinado — uma operação amadora,
incompetente e mal-intencionada.
Faz ruído entre os políticos e
o mundinho que gira em seu redor, mas não leva a nada. Não se vai descobrir,
não com o mínimo de provas que é necessário, absolutamente coisa alguma. Nenhum
crime vai ser revelado — nem os crimes imaginários, pela simples razão de que
não existem, nem os crimes reais, pela razão ainda melhor de que os senadores
armaram essa farsa justamente para impedir que fosse apurada qualquer parcela
da roubalheira maciça praticada em função da covid pelas “autoridades locais”.
Nada vai mudar. Ninguém vai ser responsabilizado. Ninguém vai perder o emprego.
Punição de verdade, então, nem pensar — como se vai punir o autor de um crime
se não conseguem mostrar o crime? No mundo dos fatos reais, enfim, a CPI está
morta — mortinha da silva. Nem dentro do Congresso Nacional, do Congresso como
ele é, a coisa existe mais.
O que chama atenção, nisso
tudo, é uma espécie de comorbidade que parece ter se desenvolvido entre os
diversos vírus em circulação dentro da CPI e o comportamento da maior parte da
mídia em relação a esse assunto. Falando francamente: parece que o cérebro da
imprensa realmente cozinhou, como resultado direto da sua oposição cada vez
mais incondicional ao presidente da República e a tudo o que tenha relação com
o seu governo. Na ânsia de combater o que os jornalistas parecem considerar a
pior calamidade dos 500 anos de história do Brasil, a mídia começa a fazer
qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo — inclusive aliar-se com alguém da
categoria do senador Renan Calheiros, o “Atleta” da lista de políticos
comprados que a empreiteira Odebrecht guardava nos computadores do seu
“Departamento de Operações Estruturadas”, ou de corrupção, em português
corrente. Renan, hoje, se reinventou como arquiduque da oposição nacional e faz
a função de inquisidor-chefe da CPI. Na mesma balada, a imprensa se entrega a
outro inimigo declarado do governo — o presidente da comissão —, um senador
investigado pela Polícia Federal por corrupção grossa na área da saúde do
Amazonas, por sinal um dos Estados que têm mais denúncias por corrupção
envolvendo covid e “autoridades locais”.
Não é mais política, nem é raciocínio. É um tipo de ideia fixa
Os dois são hoje contra o
governo — é tudo o que se precisa, no Brasil de 2021, para o sujeito virar
herói da mídia. Não houve, desde o começo da história, a mínima menção — não se
diga crítica, mas apenas uma menção de caráter informativo, só isso — aos
processos de corrupção que se amontoam sobre o senador Renan há dez anos,
tantos que nem os seus advogados saberiam dizer ao certo quantos são. Nem um
pio, também, sobre o homem do Amazonas. Ele e Renan não são contra Bolsonaro?
Então: os jornalistas ligam o piloto automático que determina hoje tudo o que
escrevem ou falam, e eis aí os dois transformados em estadistas das primeiras
páginas e do horário nobre, investigadores destemidos que fazem CPI, ameaçam um
ex-ministro de prisão, como se fossem o guarda da esquina, e insultam
abertamente um outro que é general do Exército brasileiro. A imprensa reproduz
isso tudo como se Renan Calheiros e o outro fossem os políticos mais sérios do
mundo.
Registra-se como episódio
normal, também, que Renan quer contratar uma “agência de checagem” (ou de
verificação de notícias tidas como “falsas”) para “checar” os depoimentos das
pessoas que são interrogadas na “CPI” e para ajudar o Congresso Nacional na
tarefa de descobrir fatos vitais sobre a passagem da covid pelo Brasil. Como
assim? “Agência de checagem”? O Congresso Nacional vai gastar mais de R$ 10
bilhões em 2021; tem todo tipo de serviço, recurso e pessoal para atender a
qualquer exigência de trabalho. Por que raios precisaria de uma “agência de
checagem”, coisa que não tem CNPJ próprio, nem endereço, nem composição, nem
personalidade jurídica definidos? Imagina-se que a Polícia Federal, as 27
polícias estaduais e mais o resto da máquina oficial tenham condições de
levantar qualquer informação dentro ou fora do Brasil — ou só as “agências de
checagem”, grupos de militantes que denunciam como “falsas” meramente as
notícias das quais não gostam, conseguem descobrir a verdade? (Não se sabe,
obviamente, quanto poderia custar, em reais, esse tal contrato; as “agências de
checagem” não vão checar.)
Na verdade, há um fato que
está muito claro em tudo isso. A mídia passou da oposição a Jair Bolsonaro ao
ódio gramatical, como descrito no dicionário, e do ódio a um estado de
permanente excitação nervosa. Quando aparece uma “CPI” como essa, um número
surpreendente de jornalistas coloca para fora, à vista de todos, o que parece
ser uma coleção obscura de anseios — o de agente de polícia, em primeiro lugar.
Aparentemente, os circuitos mentais da maioria das pessoas que trabalham na
imprensa, mesmo as que não tratam de política, não estão funcionando mais de
maneira normal. Assim que os nomes “Jair” e “Bolsonaro” são transmitidos aos
seus cérebros, o raciocínio lógico trava no ato — e, aí, pessoas que são
perfeitamente capazes de pensar com coerência, trocar ideias de maneira
construtiva e entender que há mais de um ponto de vista sobre as coisas, entram
numa espécie de bloqueio psicológico e, subitamente, só são capazes de pensar
“naquilo”. Não é mais política, nem é raciocínio. É um tipo de ideia fixa. Os
analistas teriam um bocado de coisas a dizer sobre isso.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
revista Oeste, nº 61, 21-5-2021
DANDO VOZ A DESCONHECIDOS NÃO LIDOS.
ResponderExcluirIdeia fixa
- junho 25, 2015 Por Vera Felicidade
Obsessão, obstinação são os vários nomes para a redução do mundo aos próprios interesses e princípios, assim como a dogmas e pensamentos religiosos. É uma atitude resultante de insegurança e medo, que se caracteriza por necessidade de ter onde se apoiar, por precisar resolver as coisas o mais rápido possível.
Geralmente esta atitude rígida é fruto da não aceitação do presente. A rigidez faz com que não se perceba nada além do desejado, e quando o indivíduo se transforma no próprio desejo, ele aspira à uma concentração sem desperdício de pensamento, de ação, de motivação.
As ideias fixas resultam também da incapacidade de apreender e aceitar a multiplicidade de variáveis ameaçadoras dos próprios interesses, e neste sentido, a ideia fixa é transformada em talismã, alavanca aceleradora das realidades pretendidas e ideadas. Sendo sempre um prévio, um a priori ao que acontece, a ideia fixa inibe participação, cria relacionamentos pontualizados, relacionamentos resumidos dos valores mantidos pela fixidez funcional. Não saber improvisar, ficar frustrado por tudo que não cabe nos planos ideados, é característica desta atitude.
A continuidade da manutenção de ideias fixas faz com que o indivíduo seja tomado, substituído pelas suas obsessões. Podem surgir perversões nas quais “tudo é prazer”, “tudo é orgasmo” ou surgem indiferenciações, criando pedófilos, necrófilos, por exemplo. Da mesma forma, “salvar a Pátria”, “ajudar os pobres”, enaltece, dá lucros, cria militâncias políticas violentas e destruidoras de qualquer coisa diferente das próprias pretensões, das próprias ideias. Frequentemente a ideia fixa é quase sinônimo de deslocamento, escape de tensões, descoberta de algo que sirva de receptáculo para empenhos, habilidades e dedicação.
A unilaterização de vivências através da ideia fixa cria um fosso entre o indivíduo e o seu mundo, o indivíduo e o outro, desde que apegos impedem disponibilidade e criam atritos com a constante impermanência dos processos. Ter ideia fixa é começar a construir solidão, mesmo que aparentemente protetora de medos, dificuldades e frustrações.