terça-feira, 25 de maio de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Aparências

Aparecido Raimundo de Souza 

Para Cleide Domingues Franco, a eterna ‘Bianca’, onde estiver... 

‘Ela está logo ali, só não vê quem não quer fazer parte da sua história’.
Belchior 

EU SABIA QUE PARA possuir os desejos incontrolados do seu corpo escultural, bastava ultrapassar aquela porta. Você estava do outro lado, me esperando, me desejando... você queria ser tocada, se remoía toda por dentro, num fogo ardente que não lhe deixava descansar em paz. Aqui fora, no corredor, você não poderia vir. Nem descer ao saguão do hotel, ainda que para comer alguma coisa no restaurante. As pessoas que me rodeavam (embora fossem amigas), se lhe vissem comigo, não por nada, ou que fosse proibido, simplesmente porque depois, as más línguas falariam o que não deveria vir à tona. 

Estavam em jogo o seu nome de artista, a sua reputação de menina se dezessete anos se abrindo flor maviosa, bem ainda a sua imagem de cantora da juventude. Embora fosse como as outras de sua idade, você não agia livremente, nem andava por ai como uma qualquer. Um só que a visse, logo lhe reconheceria, e isto lhe causaria um transtorno inevitável. Por isto, você se escondia atrás desta porta. Afinal, se fazia preciso embuçar, paliar as aparências. Você cantava em seus shows dizendo ser livre e afirmava que 'os tempos mudaram' mas, na verdade, os tempos continuavam como antigamente e você não se via, ou não se sentia assim, tão livre e sem amarras, como dizia a letra da música inserida no seu CD. 

A sua cabecinha em formação, tinha plena consciência que um elo demasiadamente grande separava seus dois mundos. Quando você estava no palco dos programas de auditório, que bombavam, na época, a sua imagem vultuosa pertencia ao público que assistia televisão. Nestas horas, você se transformava na rainha da juventude, a cognominada 'Guitarra de Ouro do Brasil'. Entretanto, quando se pegava envolta nas sombras, distanciada das câmeras, dos fotógrafos, dos holofotes e dos palcos, eu captava, em seu semblante, aquela coisinha fofa, mimosa e desprotegida. Eu via, na verdade, como seu pai Wolnei também enxergava, uma adolescente simplória e assustada, que conheci em Ituiutaba, nas Minas Gerais. A ‘pequena cantante’ que brilhava nas festinhas de aniversários e, igualmente, nas emissoras de rádio nas tardes de domingo. 

Agora, neste momento, você se protege por detrás desta porta da suíte onde subiu para descansar. Acabamos de chegar da ‘Discoteca do Chacrinha’ (*). Você está me esperando. Para que matemos a saudade, basta eu transpor o umbral e pronto: terei diante de mim, a personagem que todos os homens na minha idade gostariam de ter ao alcance dos olhos e, sobretudo, das mãos. Quantos não fariam qualquer loucura para, em um minuto apenas, trocar algumas palavras, desfrutar da sua atenção, pedir um beijo, uma foto, ou um autografo? Os que me cercavam no convívio do dia a dia, faziam gracejos e se mostravam categóricos em afirmar que eu blefava. Que por detrás desta porta de hotel luxuoso, não existia nada. Apenas um quarto com uma cama vazia e um monte de bolsas e malas que seu pai carecia de uma porção de pessoas disponíveis para carregar. 

Meu Deus, eles não sabiam, tampouco imaginavam, mas se por um momento, por um momento apenas, pudessem lhe pousar os olhos, eu não me passaria por um sujeito mentiroso, tipo maluco beleza, nem faria papel medíocre, pagando mico e amando intensamente uma pessoa que só vivia no centro da imaginação dos outros. Contudo, a sua imagem precisava ser preservada, a sua moral diante dos fãs, não podia ser melindrada, ou abalada. Ambos sabíamos bem que, se caso tal impasse chegasse a acontecer, tudo poderia correr por água abaixo. Ademais, as aparências... as aparências não nos davam o campo livre, nem os caminhos abertos, como gostaríamos... Neste tom cinzento do cotidiano, mesmo fazendo papel de bobo da corte, eu estava deveras contente e feliz. Na verdade, realizado. No fundo, os bocós eram eles. Tolos os que não acreditavam em mim. Malucos e papalvos de carteirinha, os que não podiam ter a esperança de sua presença ao alcance das loucuras mais tresloucadas e dos toques agitados dos seus dedos fora das cordas da guitarra vermelha. 

Agora, eu posso realizar meu sonho. Transpor, neste momento, à porta fechada que me separa de sua figura fantástica. Na minha afoiteza, antevejo a sua silhueta se revirando na cama. Seus seios fartos palpitando desordenadamente, suas angústias incontidas buscando as minhas carícias envolventes no vazio dos lençóis macios. Sinto, igualmente, você todinha querendo partir para a entrega total. Flagro a sua ansiedade almejando ser realmente livre, solta à sua maneira de menina adulta, provando à você que os tempos, de fato, mudaram realmente e que ele agora, 'o tempo', está ao alcance dos seus sonhos e você pode ser completamente feliz ao meu lado, apesar da nossa enorme diferença de idade. Até prova em contrário, eu sou o seu homem, o seu amor e amante. E você, a minha mulher... Sem mais delongas, meto, o tremor da mão no frio do trinco, viro o cartão-chave de acesso que a Bernadete, a sua secretária me entregou às escondidas, no hall do hotel. 

Na penumbra aconchegante que reina pelo quarto, me deparo com você sentada na cama enorme, os braços estendidos, os lábios entreabertos, o 'inteiro' dos seus desejos se retorcendo sob o fino pano do nylon fininho e transparente do seu Sinfu Fahion de lingerie sexy de renda branco, a calcinha de igual cor pequenininha, tão minúscula que mal consegue esconder as loucura dos meus ávidos anseios... Unidos numa paixão descontrolada, desenfreada e louca, me entrego sem pudores. No mesmo fulgor, você pula em meus braços e se aninha numa doce paixão. Gostosa loucura, de um eterno querer. E assim, aos poucos, rolamos, rolamos, rolamos... o importante, é que aqui, nesta suíte de hotel, eu lhe tenho, eu lhe toco e lhe possuo. Explodimos, no minuto seguinte, numa paixão estonteante. Eu ‘te amo’, minha querida e inimitável B I A N C A. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 25-5-2021

EM TEMPO: (*) Bianca começou a sua carreira artística se apresentando, pela primeira vez, na ‘Discoteca do Chacrinha’. Este programa, muito em voga, fazia enorme sucesso, na época, como hoje, ‘A Hora do Faro’, o ‘Domingão do Faustão’ e ‘Eliana’, entre outros. Bianca desapareceu do cenário musical como num passe de mágica e, desde então, seus antigos fãs e seguidores tentam acha-la por onde anda, nos apelos constantes encontrados nas redes sociais. 
Colunas anteriores: 
Chute no saco 
Direto ao ponto 
CPI DA COVID-19, até agora, bem longe do fumus boni iuris. Aliás, alguém, por acaso, viu fumacinha por ai??!! 
Subsolo infinito 
A preciosidade ocultada 

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