Carina Bratt
FOI O PRIMEIRO caso
(pelo menos que eu me lembre, desde que me entendo por gente), que tive notícia
e conhecimento de uma separação inusitada. O fim do romance de um casal de
formigas. Falo, claro, da formiguinha Sofia e do seu ex-amado, o formigo
Elizeu, os dois classificados como pertencentes à casta das Isopteras. Num
primeiro momento, pensei que somente entre os seres humanos, com destaque para
os pares famosos, estas bobeiras acontecessem.

Fiquei, portanto,
espantadíssima em saber que um belo casal de formigos partiram para as barbas
da justiça, em decorrência dos fracassos e dissabores advindos de suas futricas
conjugais. Como podem ver, minhas amigas e leitoras, me enganei redondamente.
Estava relendo as desavenças entre Manu Gavassi e Igor Carvalho, Anitta e Gui
Araújo, Luan Santana e Jade Magalhães, Whindersson Nunes e Luísa Sonza, quando,
de repente, ao ir regar as plantinhas que mantenho no alpendre do meu apê, dei
de cara com a notícia da Sofia mais o Elizeu. E como eu soube do fato? Prometo
explicar. Antes, deixa discorrer um pouco mais sobre a Sofia e o Elizeu.
Um casal, até onde eu sabia,
exemplar e, que aparentemente, vivia feliz. Eram bem quistos e vistos com olhos
esperançosos no formigueiro, pela colônia, e me espantei, deveras, quando tomei
pé da balbúrdia, que culminou com uma tremenda querela seguida de agressões e
sopapos, ferroadas e beliscões, pernadas e pontapés, alvoroçando todo o ninho,
como se, do acaso, um tamanduá tivesse surgido do nada e feito a festa entre as
pobrezinhas.
Depois de viverem juntos, em
casa nova, construída nos esqueletos de peças de madeiras jogadas às traças,
num terreno abandonado aqui ao lado do meu prédio, o amor dos dois escafedeu.
Elizeu é um ‘soldado’, não no sentido de usar farda ou armas, porém, pelos
serviços que desenvolve junto a seus pares. A sua esposa, igualmente exímia
operária, nada deixa a desejar. Além dos afazeres de uma boa companheira, a
jovem passa os dias correndo atrás de substâncias doces, carnes e ovos,
dividindo, logicamente os ‘manjares’ encontrados, com as demais de sua
consanguinidade.
Entre as formigas existe uma
carinhosa cooperação mútua, onde todos se ajudam com a finalidade do bem comum
de toda a população. Bastante diferenciada dos seres tidos como ‘humanos’, que
se digladiam entre si, cada um querendo derrubar o outro para levar a melhor.
Depois que tomei conhecimento do fato, tentei conversar, via celular, com a
Sofia, mas a chefe dela, uma tal de formiga Alice, abaixo da rainha, atendeu ao
telefone e me disse, de forma taxativa, que a ‘operária Sofia não queria
conversar a respeito’.
Não sou de achar ninguém
chato, mas confesso, esta formiga
abestalhada, me tirou do sério. Com o tempo, a gente aprende que, até
entre as pequenas e inofensivas formiguinhas (no bom sentido) existem algumas
presunçosas, se achando as rainhas do pedaço, para não falar em donas da cocada
preta ou branca (afinal, cocada é um doce delicioso) sem mencionar o fato de
que corro o sério risco de ser picada por um bando de dilminhas metidas à
petistas e, cá entre nós, detesto ‘formigoncias’ que perdem a vergonha em nome
de um partidinho qualquer. Sempre termino fula...
Acredito deva ser este o caso
da mal-amada Alice, uma boboca geniosa, de pouco papo e literalmente ‘puxadora
de saco’. Como não sou de desistir facilmente, fiquei de tocaia espiando a
cidade, da minha sacada, e matutando como contactar a Sofia, até que um formigo
de porte elegante, tipo o Eduardo Costa (quando ainda não havia se metido com
operações supérfluas e nem colocado um despropósito de botox no focinho),
pintou por ali, procurando alguma coisa para levar para a sua galera. Conversa
vai, papo vem, o miudinho se fez meu amigo. Seu nome, Mateus.
Ao descobrir que ele pertencia à colônia de Sofia, uma ideia me ocorreu. Ofereci ao jovenzinho um naco de goiabada e ele, em consideração, abriu o jogo e desfilou os podres:
— Sabe, dona Carina, o seu formigo Elizeu ‘saiu do armário...’.
Arregalei os olhos, estupefatada:
— Do armário? Por acaso no mundo de vocês existem formigas que apreciam o gosto pelo mesmo sexo?
— Nem queira saber, dona Carina. O formigo Elizeu saiu do armário com tudo o que tinha direito e trocou a charmosa Sofia (com todo respeito) pelo esquisitão do Pepeu.
Deu uma parada, comeu mais um pedaço da oferta e prosseguiu:
— Ambos foram flagrados quando carregavam umas folhas para as dispensas de nossa comunidade. Não sei se a senhorita tem conhecimento, nós, as formigas ‘Carpinteiras’ estocamos, como todas as demais de outras raças, suprimentos para um longo tempo. A história começou quando o formigo Elizeu passou a ouvir as músicas de Pabllo Vittar e a curtir seus vídeos no YouTube.
Mais uma breve pausa e seguiu em frente:
— Até aí, tudo bem. Eu gosto de Marília Mendonça... Certa noite (a gente anda muito à noite) dona Sofia e algumas amigas pegaram os dois, o Elizeu e o Pepeu, de calças curtas, o Elizeu, que vergonha, com a boca na botija! A partir daí, a coisa degringolou...
— Que barbaridade. Estou passada!
— Toda a comunidade ‘formigal’ achou este ato uma aberração sem tamanho...
— Não seria para menos — observei meio sem graça. Uma pena! Resumindo, amigo Mateus, nem nas formigas podemos confiar. O mundo está mesmo perdido. Mudando de pau pra cavaco, me esclareça um ponto obscuro: você mencionou aí a denominação de ‘Formigas Carpinteiras’. Por que vocês são chamadas desta maneira? Acaso seus pares lidam com carpintaria?
— Nada a ver, minha linda. Longe disto! Temos este nome pelo fato de alimentarmos a mania de construirmos nossas casas, ou nossos ninhos em ambientes de madeira.
Mandou para a barriguinha o derradeiro pedaço da goiabada:
— Não dispensamos, logicamente os troncos das árvores e os desvãos de móveis, portas e janelas em ambientes domésticos e poucos usados. Faz um ano, eu acho, nós todas nos mudamos para o terreno jogado às traças, aqui contíguo ao seu edifício, um recinto cheio de madeiras propícias às construções de nossos ninhos...
— Já vi vocês por ali. E entendi a sua explicação....
— Só completando, se me permite: temos as Formigas Fantasma, as Louca, as Argentina, as de Fogo e as Formigas Faraó etc. Sem exceção, nós pertencemos à Ordem Hymenoptera. Aliás, nossas famílias comuns vêm da linhagem de uma tal de Formicidae.
A conversa animada com o meu amigo, o formigo Mateus, para mim, se constituiu de suma importância. Aprendi, em troca de uma gentileza (por conta de um pedacinho de goiabada), algumas curiosidades sobre estas pequenas inconvenientes que fazem parte de nosso dia a dia. No comum das horas, podemos nos deparar com carreiras e mais carreiras de formigas sobre a pia da cozinha, ou na mesa das refeições. As praguinhas surgem num estalo e fazem aquela festança em pedaços de bolos, em migalhas de pão, em restinhos de açúcar, em pratos com alimentos sobrados, em latas de lixo etc. etc. e tal.
Em qualquer circunstância, amigas leitoras, estes minúsculos insetos são tidos como impertinentes, todavia, bem-organizados. Não disse nada ao meu amiguinho Mateus: aqui em casa, eu me livrei delas. Dedetizei tudo, canto por canto com um sistema que os especialistas chamam de Triplo ataque”. Os ‘genocidas’, palavra tão em moda, ultimamente, ou os ‘formigofeminicidas’ usam um veneno à base de um gel especial, com iscagem e pulverização. Nada disse ao Mateus. Ele poderia se assustar e perder o equilíbrio e acabar caindo do peitoril do meu avarandado. Meu Deus, nem quero pensar! Meu apê é em andar alto. Eu não conseguiria dormir em paz.
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 16-5-2021
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