domingo, 21 de março de 2021

[As danações de Carina] Hoje, uma Maria elevada ao quadrado e, em palpos de aranha. Amanhã, se Deus quiser, todas nós

Carina Bratt

Fico me perguntando, a toda hora, a todo instante, qual foi o crime hediondo que fiz a gentileza de ter dado causa? Esta indagação está mexendo com a minha cabeça. Muito. Vocês, minhas amigas e leitoras, não imaginam o quanto! Sem resposta à altura, intrigada, cismada e incomodada, sigo me questionando: teria eu, cometido (ainda que impensadamente) alguma falta considerada grave? Honestamente, não sei a resposta. Não atino com uma saída emergente.

Acho que ninguém do meu relacionamento saberia me dar qualquer tipo de informação, pelo menos, à guisa de um esclarecimento que me tirasse desta situação desesperadora e intranquila. A dúvida, no meu caso, é como uma pedra enorme amarrada ao redor do meu pescoço, insistindo em me levar para o fundo.

De uns tempos para cá, esta hesitação cresceu e se fez estranha. A vida pacata que eu vivia, foi na onda e saiu dos trilhos. Mais adventícia e esquisita ainda, se fez a desconexão da complexidade mórbida que paira, agora, sobre os fios de meus cabelos. Estou presa, em meus domínios, feita uma condenada, que perpetrou uma atrocidade tremendamente medonha e imperdoável.

Sem poder sair, me flagro sem ter o direito de me relacionar com pessoas, seja com vizinhos, com amigas e amigos... Também não posso me dar ao luxo de me sentar numa das mesinhas de um barzinho que tem aqui perto de onde moro, para beber um refrigerante, comer uma rodada de pão de alho com queijo derretido (que adoro de paixão), ou saborear uns churrasquinhos no espeto.

Estou em minha casa, ‘encasada’. Fiz, do meu quadrado, o meu enquadramento, do meu apartamento, o meu ‘apartamentado’. Transformei o meu espaço restrito e encurtado, na nova mania criada pela situação abrupta e sem precedentes que atravessamos, qual seja, a de passar o tempo, coçando as frieiras dos meus pés, ou limpando os meus ouvidos com um punhado de cotonetes.

No banheiro de meu loft, me vejo ‘loftada’. Literalmente me sinto reclusa, travada, apatetada, abobalhada, pê da vida. Fula a ponto de querer pular na garganta da primeira criatura que me aparecer na frente e lhe meter, na goela, uma faca afiada sem um pingo de piedade e constrangimento. Há uma diferença bastante acentuada entre ficar ao deus dará da ociosidade, ou da pachorra, podendo cruzar o umbral da porta da sala quando bem entender.

De igual forma, há no sobretudo, uma diferença crucial em ficar contando as batidas do coração, sem poder exercer os meus direitos de cidadã, ou seja, de me sentir incapacitada de sair, inabilitada para ir ao supermercado, à padaria, ou ao cinema. Me dá, esta prisão forçada, a triste sensação de estar vivendo num planeta nojento, asqueroso e fétido.

Aliás, já que toquei no assunto, ao sabor de corroborar o que afirmo, diria, sem medo de errar, viver cercada de pessoas inoperantes, repulsivas, asquerosas, verdadeiras parvas e cavalgaduradas, animais medonhos que me impõe o que devo, ou não fazer. O pior de tudo, neste ‘tudo’, é pensar que existe um bando de pilantras, de cachorros sarnentos, de parasitas, que chama a isto que etiqueto de ‘tudo’, de ‘DEMOCRACIA’.

Penso estar vivendo (ou dito de forma mais pejorativa, de contexto a englobar este sem eira nem beira, ‘desbeirado’, num único saco de lavagem), penso ‘estar vivendo’ e, de fato, estou, num ‘COMUNISMO’ disfarçado, maquiado, fantasiado, aparentemente brando e dulcificado, sem maiores consequências. Este balaio, mais cedo do que espero, me fará a eterna prisioneira de uma situação caótica e sem volta, sem a opção de retorno.

Com o passar dos dias, ou talvez de poucos meses, o caos se propagará inevitável e se tornará imutável como esta pandemia infame que nos assola. Logo estarei entaipada, isolada, purgando os dias que me restam, apodrecendo as horas e, com elas, os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, como se estivesse num enorme campo de concentração.

Pensem, amigas. Vamos direto às barrigas das feras. Quem são as feras? Uma delas, o governo. Ele dita ordens expressas. ‘Faça isto, não faça aquilo’. Outras feras, estas em maior número, os flibusteiros de Brasília que nos metem, na consciência, algemas invisíveis. Atrelados a estas enfermidades, os nossos representantes de mentirinha, no congresso, na câmara, no senado, nos controlam os passos. Outras, pouco adiante, ditam, a todo momento o que devemos comprar nos supermercados, o que podemos adquirir nas lojas comerciais.

Resumindo o triste quadro de fundo sem fundo, e agora encastelando, definitivamente, a minha, perdão , as nossas vidinhas pacatas. Logo seremos robotizadas e transformadas em perfeitas atoleimadas. Agiremos como estes vermes que abundam nos lixões periféricos, fugindo dos dentes famintos de alguns predadores de plantão, sem termos o direito de irmos ali na esquina comprar, na farmácia um pacote de absorvente para conter o avanço do nosso fluxo menstrual.

Vivemos, amigas leitoras, num país onde as cidadãs comuns, as pobrezinhas, as sofridas, as Manezinhas, não têm direito a nada. Grudados no mesmo tendão de Aquiles, nós mulheres, não mandamos em nada, não servimos para nada. Somos senhoras pobres e coitadas, semelhadas a zeros à esquerda. Todos os panacas de colarinho branco se lembram que nós existimos na hora de pagarmos nossos impostos. 

De contrapeso, acobertamos em nossas retaguardas, uma súcia, uma quadrilha organizada e infindável de famigerados de carteirinha (na verdade, uma matilha de ladrões e cafajestes, salafrários e punguistas), com as suas bocas e olhos escancarados em nossos bolsos.

Todas nós ainda expandindo e ampliando o sentido comum da generalização acima mencionada todas nós servimos para sustentarmos os cânceres malignos e incuráveis que moram em lindos e confortáveis palácios. Carregamos em nossos frágeis braços, os almofadinhas, as excelências corruptas, que andam em carros blindados e guardam, a sete chaves, os seus traseiros sujos, escudados por um paredão intransponível de seguranças. 

Eu, e não só eu, todas nós, nos tornamos as coitadinhas que seguem para a vala comum da desgraça e do descaso, unicamente por não termos como reagir, como dar um basta, como estancar a hemorragia que nos rouba o azul lindo e mavioso do nosso cotidiano.

Logo chegará o instante apocalíptico em que não teremos mais o que colocarmos em nossas panelas para cozinharmos e matarmos a fome, ou pelo menos tentar vedarmos as dores das barrigas de nossos filhos... De nossos pais e avós. Ficaremos a ver navios, sofreremos e comeremos o pão que o diabo amassou. Em curto espaço de tempo, seremos falsas vidas, como notas de trinta reais. Estaremos rastejando diante dos Poderosos, brigando por migalhas que alguns ricaços jogarão em latas de entulhos de uma esquina qualquer.

Amigas, olhem em derredor. Esqueçam um pouco os seus celulares. Deixem de lado o BBB. Percebam que, sequer, conseguimos adoecer em paz, ou agora, com a Covid-19, morrer com a tranquilidade, ou com a dignidade de um cadáver que se presa.

Nos proibiram de estarmos presentes em capelas de cemitérios, para o último adeus, diante daqueles entes que nos eram caros e queridos e que somente deverão se conformar em chorarem à nossa morte, em nome de um distanciamento que só existe para a plebe marginal, ou para aqueles neófitos que não nasceram com o bumbum virado para a lua.

Entre espertos e ladinos, dissimulados e malandros, sacripantas e meliantes que dão nó em éter, de olhos fechados, concluo (e logo todas vocês chegarão a mesma realidade nua e crua que eu) concluo, para a minha, como para a nossa prisão se fazer, de fato e de direito, dentro da lei, legalizada, além das máscaras que usamos nas fuças, dos inoperantes toques de recolher, da redução dos ‘circulamentos’ entre nossos pares... 

Tam, tam, tam, tam... Bem ainda, em conclusão, das restrições de podermos entrar aqui, ali, ou acolá, precisamos somente receber, de algum juizinho de plantão, com sua cara de maconheiro e noiado, as descomposturas admoestantes e vergonhosas das TORNOZELEIRAS ELETRÔNICAS.

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 21-3-2021

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O inesperado é como um tornado numa fábrica de vidros – Parte Dois – Final 
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Ponto cego 
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Um comentário:

  1. O pior de um pesadelo, é que ele acaba sem nos dar oportunidade de novas escolhas!

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