Carina Bratt
O ilustre senhor Carnaval chegou de novo. Veio de longe, dos quintos das profundezas, trazendo, na mala, mais de mil gingados diferentes, entre outros não sei quantos babados escabrosos e garabulhentos para nos pôr a perder, para nos fazer sair dos trilhos e nos vermos embrenhadas num trilhar sem volta, sem retorno, sem uma segunda chance para a sequência lógica da vida plena que até agora nos tem contemplado com todo seu garbo e magnificência.
O senhor Carnaval está batendo em nossas portas agora. Se faz lindo e
chamativo, belo e formoso, cheio, porém, abastecido de más intenções, querendo
se instalar, a todo custo, em nossos melhores momentos de felicidade. Para ele,
não importa a pandemia, que corre à solta, desembestada, tampouco, se vamos,
com a sua presença maléfica e maldita, contrairmos o vírus do deletério, ou
seja o organismo degradante e condutor da morte, no fluxo do pula-pula, como
malucas desvairadas, envolvidas num ajuntamento de folias com riscos de nos
metermos numa nova variante da infâmia chinesa cada vez mais próxima de nossas
casas.
O que vale, o que importa, para o senhor Carnaval, o que conta, é a nossa
soltura, o nosso desprendimento sem medo de sermos completamente felizes. O que
para ele interessa é que nos desvairemos sem amarras e sem pudores, sem
frescuras e sem o formalismo da xenofobia, ou de um conhecimento mais
aprofundado do que ocorre a todo vapor ao nosso redor, sem pensarmos,
principalmente, que, na quarta-feira poderemos estar virados e enfurnados numa
urna de cinzas e partir desta para melhor.
Se colocarmos as mãos na consciência, se olharmos as coisas pelo lado
prático, chegaremos à conclusão nua e crua que vivemos o ano inteiro um
carnaval desgraçadamente único. Somos palhaças legalizadas do cotidiano.
Bufonas de uma sociedade suja e corrompida, corrupta e fracassada. Somos ainda,
cômicas sem graça de um espetáculo sem plateia, sem palmas e sem volta, sem uma
segunda chance de retorno aos benfazejos da existência bonita que o Pai Maior
nos concedeu.
Nos tornamos, a bem do ainda não dito (estou dizendo agora), musas suspirosas e fantasiadas, vítimas funestas e infaustas da nossa própria estupidez. O aparvalhado, o grotesco, o desleal, se alojou em nossas vidas como uma praga daninha. Grudou em nossos corpos desde muito, nos tornando seres imundas e fracas, estragadas, administradas por uma mão cheia de milhões de dedos e tentáculos nocivamente invisíveis e inescrupulosos.
Não temos mais o comando das nossas vontades. Deixamos de decidir sobre
os nossos desejos mais secretos. Passamos a viver ou a vegetar uma vida
segregada por dogmas e enigmas insondáveis. Nos tornamos zumbis. Viramos um
amontoado de ‘seres-corpos-desfalecidos’ (como os cadáveres em ‘Incidente em
Antares’), sem aquela luz viva e eficaz, vinda do mais alto céu, por
benevolência benemérita de Deus.
Na realidade, nossas vidas (ou o que delas restou), descambaram para um
brejo deplorável e horripilante. Como disse, e repito, passamos a ser
comandadas, ou literalmente robotizadas (quem sabe por pragas ainda mais fortes
e eficazes que a Covid-19, desfortunas e azares, portanto, desconhecidas,
vindas da China, ou de qualquer outro país), isto não importa. O que neste
momento prevalece fomentando toda a diferença, é o fato incontestável de que
nos tornamos, por vontade da nossa cegueira pretumada, reféns de uma existência
desmantelada, falcatruada e medíocre.
Nos abrotamos escravas servidoras de um senhor cujo rosto ocultado pelo
poder da sedução controlada, nos aprisionou em suas teias. Este ser estranho
nos pegou de jeito, e nos deixou divorciadas de tudo, notadamente sem o direito
de enxergarmos as cores que moldam as dimensões dos seus desejos e ensejos mais
reconditados, bem ainda, nos tolheu de nos defrontarmos com os contatos de sua
pele, e da vivacidade que lhe brota dos olhos.
Nos aniquilou de uma maneira tão vil, que não conseguimos sentir o
reverbero dos bons fluídos (se é que são bons, nesta altura do campeonato),
vindos do mais inusitado do seu âmago. O senhor Carnaval é, com todas as
letras, num dizer esdrúxulo e escrachado, um senhorzinho vadio, de modos
pecaminosos e obscuros. Uma criatura pedófila, de idade avançada, e tomado por
preceitos contrários aos do Criador. O senhor Carnaval é o manda chuva de um
arcano que visa a sua consumação hedionda dentro da consolidação fatal dos
séculos.
Não sabemos, na realidade, de onde veio. Acreditamos, dos despenhadeiros
do Tinhoso. Apenas nos foi concebido entender para que veio. Está por aí,
portanto, o senhor Carnaval, à caça de uma Maria, ou em busca de um punhado
enorme de senhoritas Marias ‘vai com as outras’. Todas nós, caríssimas amigas e
leitoras, nos tornarmos estas simplórias Marias. Em carne e osso.
O Carnaval, no dizer bíblico, é o divertimento sem reprimenda da carne. A
bagunça do corpo, a patuscada da mente e a estroinice de tudo o que é e está
errado. É mais um bocado, ainda: se transformou na suruba da alma estraçalhada
pelo espúrio em seu maior grau de envolvimento com os seres desprotegidos,
principalmente com aqueles viventes, ou as criaturas humanas desprotegidas
totalmente das sombras bonançosas da sorte.
O carnaval, é ainda, o prazer abastoso de Momo, a festa farta da alegria
desalegre e exaustiva, entre o bem e o fatídico. Representa, num segundo
entendimento, os festejos desenfreados de todos os pecados capitais, neles
incluídos as orgias da decadência e da devassidão de todas aquelas pessoas que
se deixam ser levadas pelas suas zombarias e pelos seus sarcasmos e pândegas.
Resta dizer, por derradeiro, que o senhor Carnaval, é o ilustre senhor
Momo. E quem é o ilustre senhor Momo? Não outro, amigas e leitoras, senão o
Capeta travestido de folião. Fica, pois aqui, a dica, a deixa, o conselho. Fuja
do senhor Carnaval. Fique longe dos ajuntamentos de seus pares. Passe a
quilômetros de onde a farra come solta e se degenera. Fique fora do
politicamente inútil. Se cuidem, todas vocês e vivam FELIZES. ‘A vida é um
avião que passa voando’.
Título e Texto: Carina Bratt, de Salvador, na Bahia, 14-2-2021
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