Carina Bratt
Depois que a nossa vida foi completamente destruída, seja por
desfazimento de um casamento, pela perda do emprego onde ganhávamos
razoavelmente bem, usque pelo falecimento de algum ente querido, ou qualquer
outro item que eu não tenha citado neste pequeno rol, como recomeçar? Muitas e
muitas vezes nos quedamos diante dos escombros com esta indagação entalada na
goela: como recomeçar?
Existe alguma cartilha, ou um truque para se tirar de dentro de uma
cartola (como os ilusionistas, nos palcos da vida circense, um buquê de flores,
ou uma pombinha branca, ou via igual, da manga da blusa, um pacote de dinheiro,
para saldarmos todas as nossas dívidas e começarmos do nada, ou seja, do
zero?). A resposta é NÃO.
Na verdade, não colocaram, ao nosso dispor, para consultas rápidas e
rasteiras, nenhum dispositivo prático —, um modelo livre de trapaças —, um
livreto padrão, correto e sem erros, bonitinho e bem elaborado, bem escrito,
explicando, com todos os passos a passos corretos para serem seguidos, à risca,
e vencermos as dificuldades e intempéries.
Quando nos pegamos acabadas, literalmente no fundo do poço,
estraçalhadas, nada vem em nosso socorro, a não ser os destroços de nós mesmas.
Grudados neles, o estupor de um silêncio pesado e denso, que nos fere, que nos
machuca, que nos leva às raias da neurastenia. Nestas horas, diante do espelho
do nosso destino, contamos somente com a nossa coragem, ou com o que dela
sobrou intacta."The Cheval-Glass", 1876, de Berthe Morisot
Tentamos nos reerguer, nos levantarmos do tombo dos fracassos e
dissabores (sejam eles, quais forem). Enfim, arriscamos, aventuramos, ousamos
sair ilesas da vida abrupta, despedaçada, juntando os caquinhos, um por um,
aqui e ali, depois e acolá, colando de volta, num trabalho de pacienciosidade
(tipo as formiguinhas), até completarmos todo o mosaico dos nossos sonhos
destruídos.
A reconstrução é difícil, penosa, cansativa, por vezes temerária. Às vezes levamos anos e anos para nos aprumarmos, até vermos, de novo, diante de nossa estupefação, os horizontes brilharem à frente de nossos percalços e estorvos, incômodos e entojos, irritações e achaques. Cair é fácil. Basta estarmos em pé. Tropeçar, idem. Um simples descuido, um cochilo, um desvario e pimba, damos com tudo no rés do chão. Difícil é levantarmos, notadamente se não tivermos um alicerce, um suporte à altura de nosso tombo. Geralmente (dependendo do baque, as feridas, as contusões e as lesões produzidas por este declínio), arranjamos feridas profundas, mágoas difíceis de serem cicatrizadas.
Apesar dos pesares que surgirem, ou que nos vierem molestar, não importam
as avarias produzidas. Temos, nestas horas, a obrigação, o dever, a tarefa
imperativa de sermos fortes o bastante, robustas o suficiente para nos
colocarmos em posição de luta e de peleja. Encararmos o porvir e, partirmos com
tudo, para a guerra.
Quando falamos em guerra, devemos esclarecer que a vida, é um eterno
conflito de interesses, onde concebemos matar um inimigo oculto a cada dia. Os
antagonistas encobertos e clandestinos são muitos e os mais diversificados.
Apesar destas pedras no meio do caminho, jamais pensarmos ou imaginarmos em
desistir das refregas, das contendas e das repressões.
Em mente, sempre, a ideia auspiciosa de sacudirmos a poeira das roupas. O
anfêmero nos ensina, a duras penas, que nunca deveremos desistir do combate.
Vencer e vencer se tornou, não só uma saída à nossa volta, mas, sobretudo, uma
trilha aberta no meio do nada, nos impondo mecanismos de defesa para o
enfrentamento diante da vida madrasta.
Neste tom, ainda que aos trancos e barrancos, seja rastejando,
capengando, pulando numa perna só, temos que ter a iniciativa, a dignidade, o
senso prático de nos aprumarmos. Mantermos a cabeça erguida, os sentidos a todo
vapor e partirmos em busca dos objetivos almejados.
Em tempo algum jogarmos a tolha, ou darmos meia volta, fugindo das
agruras e ensombramentos que vierem nos fazer frente, grosso modo, nos peitar.
Ainda que tudo esteja a nosso desfavor, ou que o dia a dia se apresente
esquisito e tenebroso, nada de desânimos. Bola pra frente. Chutar pra gol é a
meta, o propósito, a ambição, acima de qualquer outra coisa.
As vias pelas quais teremos que nos embrenhar, estão diante de nossos
narizes aguardando a nossa coragem, a nossa valentia, a nossa ousadia e, claro,
estas rotas contam com o nosso apetite voraz de engolirmos cada adversidade
revestida de um espectro mal acabado que, porventura venha pintar no pedaço,
intencionando a se meter a besta com a nossa obstinação de vencermos e sermos
novamente felizes. Temos, todas nós, o direito líquido e certo de sermos
felizes.
O avejão que nos rodeia está por aí, à solta. Belo e folgado. É uma
aparição sem voz, sem rosto, sem braços e pernas. Apesar de uma completa
manquitola, fará de tudo para nos impedir de seguirmos adiante, em busca do
nosso sucesso. Todo recomeço não deixa de ser um afronte, um agravo à nossa
sensibilidade feminina.
E nós, como Mulheres com ‘M’ Maiúsculo, o Belo Sexo, o Encanto da melhor
parte da maçã, não poderemos, jamais ser capachos desta ou de qualquer outra
infâmia que se nos apresente com agressividade, imposições, brutalidades ou
descomedimentos imoderados. Nascemos para os reveses, renascemos das cinzas,
viemos de um Universo Divino prontas e aptas para sermos completas e felizes.
Surja, pois, o que surgir, haja o que houver, ainda que chova canivetes,
TEREMOS O MUNDO INTEIRO AOS NOSSOS PÉS.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Divinópolis em Minas
Gerais. 24-1-2021
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