domingo, 27 de dezembro de 2020

[As danações de Carina] Meus natais de ontem perderam o brilho

Carina Bratt

O vinte e cinco de dezembro, ou o dia de Natal, me traz recordações adormecidas. Velhas lembranças que deveriam ficar escondidinhas dentro de um lugar secreto. Todos temos um lugarzinho secreto, onde ninguém, por mais que esteja ligado em nós, ou ao nosso cotidiano consegue ter livre acesso.

Quando mergulhamos nele, por algum motivo, muitas vezes inexplicável, algo mais forte e profundo, que não se materializa, só machuca, aviva momentos bons e maus. Nos faz sentir um desespero aterrador, atroz, como se tivéssemos tomado um tiro pelas costas. Quando não, junta ao hoje instantes que não nos deixam ver claramente do que se trata. Ao menos para que possamos trazer, à luz da claridade, e tentarmos nos libertar.

Como uma força sobrenatural, estas lembranças vêm do nada e devastam o nosso ‘interior’ nos deixando só e desprotegidas, frágeis e abobalhadas, perdidas, à deriva, como uma criança chorosa que ficou desamparada pelos pais em meio de uma multidão de pessoas de rostos frios e irreconhecíveis.

Tentamos nestas horas, separar as coisas boas das más, como a luz do interruptor que mantém a lâmpada acesa. As vezes o botão está do nosso lado, mas não o vemos, ou se o vemos, não conseguimos apertá-lo.

É como tapar o sol escaldante com a peneira. O sol, neste caso, se agiganta e se espalha refletindo a sua presença em mil quadradinhos. No final do gesto de querer tamponá-lo, sempre acabamos por refleti-lo em toda a sua magnificência, o que repetindo, tudo aquilo de mau presságio ou agouro que gostaríamos de deixar adormecido.

Com a beleza ímpar do sol, revemos ‘nosso ontem’ e, com ele, todos os nossos dissabores, todos os nossos medos e receios, temores e dúvidas. Voltamos a repassar os passos incertos caminhados, em vão, na nossa longa estrada da vida.

Por causa destes contratempos, o meu Natal, hoje, me lembra, ponto pacífico, o nascimento do Salvador Jesus, quanto a isto, não há o que se discutir. Igualmente, em paralelo, permite que fantasmas antigos saiam de seus esconderijos mais ínfimos e venham me assombrar.

E, de fato, estes fantasmas me apavoram, me aterrorizam, me assustam. Trazem do fundo do baú esquecido no porão, saudades vazias, dores impossíveis de serem suportadas. Não contente, fazem com que momentos com meu pai, se façam presentes, ao tempo em que a agonia da ausência dos seus carinhos e afagos, risos e brincadeiras se tornem mais pesados e densos.

Papai, como já disse em outras crônicas dentro das minhas ‘Danações’, representava meu esteio, meu teto, meu sorriso mais bonito e cativante, como também a minha bússola indicando um norte seguro na tela iluminada do futuro, um futuro que, apesar dos pesares, crescia e perdão, ainda cresce, a cada dia mais incomensurável.

O meu Natal, a partir da viagem de papai para espaços mais amplos e rincões perfeitos, me deixou nostalgias e anseios sem tamanho. O Natal, desde quando era uma menininha de colo, me lembrava e logicamente até hoje, me lembra, a chegada triunfal do nascimento de Jesus Cristo Salvador.

Me lembra no mesmo sopro do destino, as minhas brincadeiras de infância. Me mostra, por outro ângulo, a mesa farta com frutas e bebidas posta no terraço com toda a família reunida. O Natal me materializa, ainda, a figura paciente de mamãe, com a sua candura, com a sua meiguice, com o seu gesto acolhedor abraçada a papai.

Ambos, para lá e pra cá, se dividindo com os demais consanguíneos, tornando tudo, em nossa casa, um momento ou num momento sempiterno e indelével, em que em meu coração, se fez, se faz, e se fará, se transformando a cada ano, se revigorando, e se agigantando sempre, sempre, perpetuando um eterno imorredouro, resistente, indelével e perenal, inextinguível e IMACULADAMENTE INQUEBRANTÁVEL.

Feliz Natal a todos os meus leitores e, em especial, ao meu amigo e Editor, senhor Jim Pereira.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo, 27-12-2020

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