Tese 3: Martinho Lutero acabaria com o
clero jornalístico
Gabriel Mithá Ribeiro
Perante um clero romano desviado da sua função religiosa de ligar, pela fé
cristã, o destino humano a Deus, um clero pouco preocupado em cumprir o seu
dever de intermediário por via do sagrado entre a vida terrena finita e a
eterna vida celestial, um clero materialmente interesseiro, venal, imoral,
corrupto, entregue a vícios e prazeres mundanos quanto mais alta a sua
hierarquia – o alemão Martinho Lutero, em 1517, deu início ao movimento que
levaria à sua supressão como garantia do cumprimento da função que deveria
competir, por princípio, a esse mesmo clero, a dignidade da fé cristã.
Foi a semente de uma profunda reinvenção do cristianismo pelos próprios
fiéis, um culto protestante por isso mesmo sem clero, que o tempo tornaria
extraordinariamente fértil. A nova igreja radicalizava a entrega ao próprio
crente terreno o dever da sua ligação direta ao seu Deus do céu, o que levou à
tradução da Bíblia do latim para a língua nacional. A nova fé cristã tornou-se
bem mais sinónima da consciência e da autorresponsabilidade individuais de cada
sujeito na condução do seu destino, pressuposto da maturidade individual e
coletiva.
A rotura com a então fonte-mãe dos vícios da religião cristã, o clero, de
tão radical teve impactos efetivos nos espíritos dos mais comuns dos fiéis por
se revelar obviamente lógica, linear, clarividente na relação que estabelecia
entre a causa e a sua consequência, o discurso e a prática correspondente, a
doença e a cura necessária. Goste-se ou não, esse é o eterno princípio da moral
enquanto fenómeno religioso ou social. O pensamento social, a cabeça coletiva, funciona e funcionará
sempre por representações simplificadas que, quando possuem um fundo moral
justo, com o tempo desembocam no Bem, na Justiça, na Prosperidade e, quando não
o possuem, com o tempo desembocam no Mal, na Frustração, no Falhanço, na
Pobreza. Portanto, os sucessos e fracassos coletivos são sempre, acima de tudo,
sucessos e fracassos morais acima de tudo da responsabilidade dos próprios, o
que se designa por autorresponsabilidade.
Quer dizer que o tempo dos séculos acabaria por dar razão, por legitimar, a Reforma Protestante. Esta reinventou o significado e função da fé cristã nas sociedades onde se afirmou, e com grande proveito cívico, político, económico, cultural, de favorecimento da alfabetização, de reinvenção civilizacional cujo impacto se prolonga até hoje.
Em simultâneo, tão grande cisão no cristianismo entre protestantes e
católicos impôs aos últimos, também desde o século XVI, a colocação da mão na
sua própria consciência. Fizeram a sua contrição e contrarreforma que, embora
seguindo caminhos distintos, também levaram o catolicismo romano à regeneração,
a singrar, a propagar-se pelo mundo.
Quando viajamos no tempo, é como se o clero
jornalístico atual se arrastasse nos vergonhosos vícios pré-luteranos,
tanto mais escandalosos quanto mais elevada a hierarquia nas redações. Em
tempos de dessacralização da vida coletiva, o novo clero não intermedeia a relação entre o céu e a terra. Limita-se a
fazer de intermediário que corrompe a não menos fundamental relação entre o Poder e o Povo, entre a Democracia e os Cidadãos.
Tal como procedeu Martinho Lutero na sua época, as nossas sociedades
beneficiariam do impulso moral e civilizacional de que necessitam se aquela
relação passasse a dispensar a intermediação do clero jornalístico, o tumor maligno comprimido entre dois dos
órgãos vitais do corpo social, Poder e
Povo. É tempo de existirem caminhos diretos na relação de cada cidadão, de
cada consciência individual com quem o governa e demais forças políticas, sem
uma imprensa omnipresente.
Os jornalistas transformaram-se nos inimigos por excelência do princípio do
contrato social, uma vez que este tem
de ser estabelecido, e quotidianamente mantido, quer através da relação entre o
indivíduo e o coletivo, quer através da relação entre o poder e o povo, em qualquer dos casos interações que têm de estar
libertas de entraves, bloqueios, intermediários, filtros, parasitas,
distorções. Foi esse o sentido que, na origem, Jean-Jacques Rousseau e John
Locke atribuíram ao contrato social
no século XVIII. Negar isso é o mesmo que negar, também dessa época, o
princípio de Montesquieu da separação de poderes (legislativo, executivo e
judicial) como garantia da liberdade.
Assustado com a crescente vontade intuitiva de regresso à pureza do contrato social bastante sintomática na
força das redes sociais, o novo clero
jornalístico grita populismo!,
tal como no tempo de Martinho Lutero o velho clero romano gritou heresia! Apesar da passagem dos séculos,
o que não muda é a exigência da fogueira para os acusados.
André Ventura e o CHEGA sabem que debaixo do sol não há nada novo. Mas é
por isso que têm certezas absolutas, porque a história também sempre o
comprovou, que a vontade humana consegue curar tumores malignos, esconjurar
parasitismos, vícios, imoralidades, corrupções, irresponsabilidades em nome de
valores mais altos que dignificam a nossa frágil condição humana, as nossas
sociedades, as suas instituições.
O espírito natalício serve para nos alimentar de boas esperanças,
retemperar-nos as forças para dobrarmos o Cabo das Tormentas a partir de 24 de
janeiro de 2021. Desejo ao nosso candidato presidencial, André Ventura, aos
demais candidatos, a todos Vós e respetivas Famílias um Feliz Natal!
Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, Vice-Presidente do CHEGA!, 24-12-2020
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