Em Portugal é raríssimo um movimento social
minoritário nascer, sobreviver e prosseguir debaixo de uma tempestade crítica
impiedosa como tem acontecido com o Chega. A chegofobia está para durar
Gabriel Mithá Ribeiro
O que têm em comum ciganos, negros, islâmicos e Chega? São minorias.
Uma étnica, outra racial, outra religiosa e
a última política. Existem diversas minorias nas sociedades
ocidentais, todavia as quatro referidas são relevantes não necessariamente por
serem minorias, acima de tudo por serem minorias arrastadas para a órbita das
disputas políticas.
É o poder político que gera barreiras entre as minorias, não são elas
por si mesmas. De um lado, situa-se a minoria Chega, o movimento cívico e
político antissistema e, do outro lado, as minorias cigana, negra e islâmica
cuja discriminação positiva serve de escudo de legitimação do
atual regime.
Importa clarificar os pressupostos da moral social subjacentes,
uma vez que é esta que determina o sucesso ou o fracasso de indivíduos, grupos,
comunidades ou sociedades. A moral social joga-se entre o
primado da autorresponsabilidade (de matriz judaico-cristã e filosófica
milenares) e o primado da vitimização (de matriz
revolucionária francesa, de 1789, e sobretudo soviética, de 1917). Eles são
incompatíveis entre si e geradores de modelos de sociedade substantivamente
distintos.
O ideário do Chega é antissistema por reintroduzir a universalidade
social do primado moral da autorresponsabilidade recusando-se
distinguir maioria e minorias, perspectiva que não deixa de valorizar a solidariedade
social, mas apenas de forma subsidiária. Esse posicionamento colide com a orientação
moral do regime vigente que segue a lógica inversa ao atribuir primazia à solidariedade
social e apenas subsidiariamente admitir a universalidade social
da autorresponsabilidade, daí instigar sentimentos de culpabilização na
maioria branca, heterossexual e de matriz cristã e sentimentos de vitimização nas
minorias.
Independentemente dos detalhes de linguagem ou da espuma dos dias, a disputa cívica, social e política por um ideal de moral social é hoje tão legítima quanto fundamental no amadurecimento das democracias ocidentais. Daí que a omissão ou fuga a esse confronto são próprias dos inimigos da democracia, da sua vitalidade e capacidade de autorrenovação.
Se ciganos, negros, islâmicos e Chega são minorias, aquilo que essas
minorias foram, são e serão depende da vontade dos próprios, mas acima de tudo
do contexto social em que se inserem. No âmago deste está a crítica
social livre.
A última é a transformação em senso comum das mais variadas formas de
pensamento crítico geradas pela tradição civilizacional do Ocidente ao longo de
mais de dois milénios (religiosas, filosóficas, políticas, sociais,
humorísticas, institucionais). É justamente a crítica social livre que
determina a capacidade das sociedades do mundo ocidental em gerarem fenómenos
de coesão, integração, promoção, pacificação e renovação social.
Nas décadas recentes, essa tradição entrou num ciclo de regressão. A
crítica social manteve-se livre quando tem como alvos uns (os pertencentes à
maioria identitária) e passou a interditada quando os alvos são outros (os
pertencentes às minorias identitárias). Tal perversão da crítica social coloca
a minoria Chega num extremo e, no extremo oposto, as minorias cigana, negra e
islâmica.
Crítica social impiedosa ao Chega: a sociedade cumpre o seu dever
Em Portugal, é raríssimo um movimento social minoritário nascer,
sobreviver e prosseguir debaixo de uma tempestade crítica impiedosa, inevitavelmente
carregada de estereótipos negativos, como tem acontecido com o Chega desde
2019, o ano da sua fundação. A chegofobia está para durar.
Independentemente do que o Chega possa ser enquanto força social e
política minoritária, e independentemente da justiça ou da injustiça das
críticas de que é alvo, se todos os dias os indivíduos que se filiam a essa
identidade se sentirem rotulados como racistas, xenófobos, nazis, extrema-direita, antidemocráticos, populistas, sem
orientação filosófica ou ideológica, o seu programa político é uma
aldrabice, entre outras acusações sentidas pelos próprios como
grosseiramente ofensivas e humilhantes, o sociólogo Albert Hirschman explicou,
em 1970, o que acontece.
Ou os indivíduos abandonam a identidade Chega de tão socialmente
desconsiderada e incorrigível que é (o sociólogo designa a atitude por exit),
o que tem sido a exceção. Ou, pelo contrário, melhoram-na continuadamente
criticando-se e corrigindo-se a si mesmos ainda que não se reconheçam nas
críticas, mas o ser humano pode sempre melhorar, e desse modo reforçam a coesão
interna da instituição e, como consequência, a sua capacidade de afirmação
social e cívica (voice e loyalty), a regra a cada dia
que passa.
Não vale a pena fugir ao destino. A crítica social tem um valor
civilizacional insubstituível em sistemas livres e esse é o maior trunfo da
minoria Chega. É a crítica social absolutamente livre que está
a instigar a transformação do Chega de minoria periférica em minoria
significativa, tudo indica capaz de impor um novo consenso moral à
sociedade portuguesa. A persistência do fenômeno poderá proporcionar ao Chega a
possibilidade de se transformar em força política maioritária.
A mesma sociedade que garante tão grande vantagem à minoria Chega
procede de modo inverso com as minorias cigana, negra e islâmica com resultados
também inversos. À primeira minoria proporciona-se o confronto com o princípio
da realidade e o resultado é a sua afirmação social crescente, às
demais minorias anda a oferecer-lhes há décadas a discriminação
positiva através da interdição da crítica social que
as atinja, presente envenenado cujo resultado tem sido e continuará a ser a
perpetuação da marginalização social das últimas.
A mão invisível da sociedade livre, justa e próspera
Em sociedades livres e justas, aquelas em que o poder tutelar do Estado
respeita a autonomia da Sociedade e esta é capaz de se regular por si mesma, a
legitimidade da crítica aos outros sustenta-se nas práticas quotidianas de quem
critica, uma vez que a crítica tem retorno. O indivíduo critica quem é
mal-educado quando ele mesmo é educado. Critica quem não se responsabiliza pela
respectiva família e descendência porque ele mesmo não abandona os seus. Critica
quem não estuda porque ele mesmo estuda. Critica quem não trabalha porque ele
mesmo trabalha. Critica quem não paga impostos porque ele mesmo cumpre a
obrigação. Critica quem rouba e quem é corrupto porque ele mesmo não se envolve
em tais práticas. Critica quem é violento porque ele mesmo é pacífico. Por aí adiante.
Aliado à universalidade social do primado moral da
autorresponsabilidade, o fenómeno descrito constitui a mão invisível que
permite que as sociedades se autorregulem sem tutelas autoritárias (do Estado
ou das instituições religiosas, tradicionais, ideológicas, políticas,
familiares, entre outras) e, ao mesmo tempo, anulem as tentações
discriminatórias, corrosivas ou destrutivas da crítica social. Isso porque a
última não se limita a um único sentido, não é propriedade das minorias, nem da
maioria, nem dos jovens, nem dos idosos, nem das demais identidades sociais.
Trata-se do mercado livre da crítica social que se define, por
natureza, por ser aberto a todos, a garantia da liberdade gerar justiça social
e prosperidade económica equitativamente distribuída.
Quanto mais a crítica livre é socialmente transversal, sobretudo quanto
mais se manifesta no interior de todos os grupos e comunidades, em particular
nos segmentos socioeconomicamente desfavorecidos, quanto mais o pobre
critica o pobre, tanto mais generalizadas serão as possibilidades de
integração e promoção social dos mais desfavorecidos e das classes médias. Nas
décadas recentes, o Ocidente afastou-se dessa tradição civilizacional e o custo
tem sido o avolumar de tensões e conflitos no interior das suas sociedades,
assim como tornaram-se mais salientes as dificuldades de regulação da vida das
instituições (das famílias ao Estado). A fragilização da coesão social é
contrária à estabilidade política, assim como à produção, circulação e
repartição da riqueza.
Ciganos, negros e islâmicos: a sociedade que despreza quem mais
necessita
A pretexto de terem sido vítimas da história ou de
serem vítimas da sociedade, a compaixão perversa do Ocidente,
quando esse sentimento se desfilia do primado moral da autorresponsabilidade,
blindou ciganos, negros e islâmicos à crítica social. Não criticar essas
minorias é o mesmo que condená-las à inferioridade moral e existencial. Os
resultados das décadas recentes não enganam: marginalização social que se
perpetua; autoguetização suburbana crescentemente problemática; níveis de
frustração, delinquência ou pobreza cada vez mais difíceis de reverter; tensões
entre minorias e maioria permanentemente latentes.
Se a comunidade branca ocidental é criticada pelas minorias ou se a
comunidade branca ocidental passa a vida a criticar-se entre si – por que
razões as minorias cigana, negra, islâmica, mestiça, imigrante, entre outras,
não podem ser criticadas pela maioria branca e, mais do que isso, por que
razões os que pertencem a cada minoria não se podem criticar entre si? Por que
razões as minorias não se podem criticar umas às outras? Por que razões um
cigano ou um negro não pode criticar outro cigano ou outro negro, ou
criticarem-se entre eles? Por que razões um islâmico não pode criticar a sua
própria comunidade islâmica ou o mundo árabe? Por que razões o conjunto das
minorias só é instigado a criticar a maioria branca quando o que é disfuncional
reside sempre no interior de cada identidade coletiva, no seu quotidiano?
Certos indivíduos pertencentes às minorias podem fazer da vida das suas
próprias famílias num inferno; podem desrespeitar os seus pais ou professores;
podem não cumprir os deveres de estudar ou trabalhar; podem todos os dias
ameaçar a segurança dos seus vizinhos no bairro onde vivem; podem impedir que a
polícia restabeleça a ordem nos seus bairros e comunidades; podem não
manifestar as mais elementares preocupações cívicas – ainda assim a pressão das
sociedades ocidentais inibe que sejam criticados, mesmo que as maiores vítimas
sejam persistentemente as suas famílias, os seus grupos de pertença, as suas
próprias comunidades.
É tempo de construirmos uma sociedade livre, justa, próspera e capaz de
distribuir a riqueza. Há um liberalismo que faz falta, o liberalismo
social.
NOTA: o artigo foi baseado
em publicações anteriores.
Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, Observador, Vice-Presidente do CHEGA!, 20-12-2020
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“Se ciganos, negros, islâmicos e Chega são minorias, aquilo que essas minorias foram, são e serão depende da vontade dos próprios, mas acima de tudo do contexto social em que se inserem.”
ResponderExcluirEste conceito é tão falho e ridículo que se torna risível!
Para que se torne, no mínimo, racional, devemos esquecer que a geração de minorias que aí está, não teve as mesmas oportunidades e privilégios da maioria previlegiada.
Para isto passa-se uma “borracha” e esta será eliminada, para dar lugar a uma política que prepare as próximas gerações de minorias, e estas concorram em iguais condições.
Só assim esta teoria teria um mínimo de lógica a médio prazo.
Enquanto isso pratica-se genocido das minorias?
Eu tenho uma teoria, acho que cada um tem a sua.
ResponderExcluirA TERRA é uma nave viajando no espaço. Provavelmente em alguns anos talvez menos de milhar, Sucumbiremos a nós mesmos. Meu limite se limita a 25 bilhões de habitantes.
Por isso cientistas buscam outro planeta habitável semelhante. Quando nosso sol engolir MERCÚRIO, aqui será inabitável. A maior prova que o consumo promove a economia advém da pobreza é o celular, enquanto poucos como eu não o usa, não há periferia sem eles.
Vi uma reportagem numa favela que a dona tinha um estoque de 15 sacos de 5kg de arroz certamente comprado com o auxílio emergencial. Nenhum país do mundo tem condições de sustentar seu próprio povo. Sempre haverá os miseráveis, se nós os sustentarmos faltará para nós. Eles poluem seus rios, lagos e oceanos que talvez com isso seus próprios alimentos. Eu dizia que se houvesse duas ilhas uma produzindo grãos e outra produzindo gado, uma nunca deveria ensinar a outra a produzir sua habilidade, isso tornaria o comércio entre ambas impossível, a não ser que uma se tornasse hiper-populada.
Se parássemos hoje de comerciar com a CHINA, certamente haveria um conflito mundial.
A comida cresce aritmeticamente, os humanos geometricamente.
Reclamam do extermínio das espécies de animais, se o crescimento humano aumenta diminui as chances dos animais, em compensação o número de insetos maléficos aumenta consideravelmente, enquanto os insetos benéficos desaparecem. Há anos não vejo cigarras, borboletas, grilos, gafanhotos, sapos, rãs e colibris.
Malthus previu isso, Lavoisier previu também.
O continente africano vai ser o último a receber as vacinas, se receber antes faltará ao resto do mundo.
Se você controlar a natalidade faltará o consumo no futuro.
Os psicopatas se afogam onde o misticismo nada.
Não sou pessimista, nossa nave está quase lotada e não há salvavidas para todos.
fui...