Manuel Rezende
Um dos meus comediantes
preferidos é o canadiano Norm Macdonald. Uma das coisas que o Norm diz é que
não se pode fazer comédia com as coisas que desprezamos, porque se o fizermos
as coisas vão sair forçadas. Citando a linguagem da moda, vai ser “cringe”. É
por isso que a grande maioria das rábulas sobre Donald Trump não tem piada
nenhuma.
O mesmo se passa, eu diria,
com o jornalismo. Entrevistar uma pessoa, seja um candidato a qualquer coisa,
seja um membro de alguma organização, que odiamos profundamente e que
repudiamos com horror é o caminho certo para falhar nessa entrevista e passar
uma péssima imagem do jornalismo.
Se o jornalista não tem
capacidade para ser adulto e colocar-se acima dos ódios mesquinhos na hora de
entrevistar alguém, mais vale não fazer nada.
Já muito se escreveu sobre as duas entrevistas que se fizeram ao candidato presidencial André Ventura. Todos nós vimos Miguel Sousa Tavares a dirigir-se ao candidato por “Você”, em vez de “Sr. Deputado”, todos nós vimos João Adelino Faria a interromper consecutivamente o mesmo candidato e a lançar todo o tipo de acusações possíveis, desde racismo a radicalismo. Em ambas entrevistas o tempo de antena de Ventura foi cortado e em ambas entrevistas Ventura, que tem um treino bestial em conversa curta e domina como um mestre os pequenos espaços de tempo que a televisão proporciona, respondeu com sucesso com frases treinadas e palavras de ordem.
Ventura é treinado na arena da
discussão desportiva e aprendeu toda esta treta no duelo com outros treteiros
que sobrevivem na árida paisagem do comentário desportivo. Não se deixa
amedrontar por acusações acaloradas nem por tons acusatórios – aliás, toda esta
animosidade alimenta o seu estilo e permite-lhe ripostar, ainda que sem
elegância, todos esses toscos comentários. Ventura tem as respostas treinadas
para as acusações de racismo e extremismo e aproveita o tom dos seus acusadores
para obter para si o papel de vítima.
Os jornalistas que entrevistaram Ventura, assim como todo o coro de incansáveis detratores de Ventura no espaço público, conhecem mal Ventura, conhecem mal o Chega e conhecem ainda pior os portugueses comuns. Se a conversa de Ventura é repugnante para a maioria dos portugueses, repugna ainda mais o tom com que o atacam, um tom de snobismo, de precária superioridade moral e de desprezo pelas opiniões de um candidato que, para o bem e para o mal, é a voz de um eleitorado que acredita que, pela primeira vez, vai votar num candidato que fala pelas suas preocupações e pelos seus desejos.
A fragilidade de Ventura não é
o fantasma dos fascismos, os braços no ar, as infiltrações de uma
extrema-direita. Os fascismos, assim como as restantes ideologias, estão
mortos. Os braços no ar são faróis para atrair as câmeras, os vídeos e as
primeiras páginas, esses sim os verdadeiros veículos de discussão e propaganda
políticos. Toda a publicidade, até a má publicidade, interessa a Ventura. A
ameaça da extrema-direita, desorganizada e manipulada em Portugal pelas forças
de segurança, é absolutamente inconsequente.
A fragilidade do Ventura é a
incapacidade das suas propostas. Todas as propostas do Chega pecam por serem
inconstitucionais, inócuas, indefinidas ou de difícil realização.
Isolar a comunidade cigana é
uma impossibilidade. Castrar os pedófilos implica criar legislação penalista
para a qual o Chega não possui nem o intelecto, nem quadros jurídicos, nem
mesmo a vontade de propor ou aplicar.
Ventura não conseguiu explicar
ao jornalista da RTP como impedir que imigrantes ilegais recebam tratamentos de
saúde “enquanto houver portugueses sem cuidados médicos”. O que é que os
médicos vão fazer? Ligar para todos os hospitais e centros de saúde a verificar
se existem portugueses a necessitar de uma cirurgia, antes de prestar auxílio a
um imigrante ilegal?
O Chega não tem propostas nem tem ideias que possam ser cumpridas. Não tem cérebro para tanto músculo. É essa a sua fragilidade.
Título e Texto: Edmundo Gonçalves, o Diabo, 2295, 24-12-2020Digitação: JP
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