sábado, 19 de dezembro de 2020

A lição de Monteiro Lobato para os conservadores

Precisamos atentar para as armadilhas do pessimismo, do otimismo e do racionalismo dogmático

Bruno Garschagen

O drama monumental do pessimista é, contraditoriamente, ser um idealista que sobrepõe sua visão apocalíptica de mundo à realidade que o cerca. Se seu idealismo não é satisfeito à risca, tudo desmorona, uma terra devastada se revela plena de infortúnios, a maldade humana se expressa em toda a plenitude. A vida é apenas sofrimento, lamento, desilusão e morte.

O drama monumental do otimista é sobrepor sua visão romanceada de mundo à realidade que o cerca. Se seu otimismo, que também é uma espécie de idealismo, não se realiza reiteradas vezes ao longo de uma vida, ele corre o risco de se transformar num fracassado ressentido ou num pessimista.

Todos temos, em maior ou menor grau, nossas pílulas de pessimismo, que, às vezes, são um instrumento natural de proteção contra as ilusões do otimismo. O equilíbrio entre otimismo e pessimismo, entre ideal e realidade, é o que nos permite viver sem cair no idealismo infantil, no realismo fatalista ou num racionalismo dogmático. E assim podemos conduzir nossa vida priorizando aquilo que realmente importa e tomando as decisões mais adequadas, de acordo com as circunstâncias.

Quando tratamos de política, pessimismo, otimismo, racionalismo dogmático nunca são boas disposições nem bons conselheiros para aderir a uma corrente política ou preferir algum político. Porque basta que um ou outro não seja aquilo que desejamos em sua totalidade para que os piores sentimentos emerjam e motivem condutas insensatas.

Estamos testemunhando um momento histórico no mundo ocidental. A compreensão de suas consequências positivas ou negativas levará tempo, mas é possível coletar algumas delas e usá-las como parâmetros para termos uma noção do que está acontecendo. E, talvez até mais importante, compreender a natureza das mudanças para melhor lidar com elas. Neste artigo, vou me ater à dimensão política dos acontecimentos.

Meu ponto é um tanto óbvio e tem a ver para onde e como olhamos o que está ocorrendo. Durante décadas, muitas mudanças profundas foram sendo gestadas, mas havia uma sensação equivocada de normalidade e estabilidade, como se a vida seguisse seu curso normal e tedioso. Nosso alheamento em relação à política funcionava como uma espécie de entorpecente. Mesmo que muito estivesse acontecendo, seríamos incapazes de identificar o que era e seus resultados.

O máximo a que nossa preocupação alcançava era a corrupção, a incompetência, a ineficiência dos políticos e das instituições estatais. A ação cultural e política da esquerda, entretanto, passava completamente despercebida para a maioria esmagadora de nossa população. E, até pela forma satanicamente inteligente como foi empreendida, conquistava a adesão de muitos, que passaram a pensar e a agir com base em pressupostos ideológicos sem que tivessem noção do que estava a se passar.

Higienizar a obra de autores é apagar uma parte da História

O que antes era oculto foi desmascarado, o que estava escondido está cada dia mais escancarado. Diante da descoberta da realidade, vimos um panorama desafortunado, incômodo, e até mesmo desesperador. O que não podemos é nos dar ao luxo de entrar em estado de negação e ignorar a realidade. Quando existe uma doença, é preferível identificá-la e tratá-la antes que o pior aconteça.

Ao longo deste ano, apresentei aqui em meus artigos vários exemplos de enfermidades no âmbito cultural, social, político, econômico em diversos países. Mas o panorama que descrevi foi uma pequena amostra de um cenário muito mais amplo que vai se revelando gradualmente em vários temas e níveis de profundidade e de absurdo.

Recentemente no Brasil, Cleo Monteiro Lobato, bisneta de Monteiro Lobato, apareceu na imprensa para divulgar seu projeto de reedição da obra do bisavô “de forma atualizada”. O que isso significa? Censurar, “cancelar”, trechos dos livros de um dos maiores autores brasileiros.

Para que o livro Narizinho Arrebitado pudesse entrar no competitivo mercado editorial norte-americano (comandado por esquerdistas), ela e sua editora mutilaram o texto nas frases que consideraram “inadequadas”, de “cunho preconceituoso” e modificaram “a representação de alguns personagens”, como a Tia Nastácia, que “foi modificada cirurgicamente”. Ou seja, o livro que será lançado nos Estados Unidos e no Brasil não é o livro escrito por Lobato. Deveriam utilizar um pseudônimo em vez de macular o nome de nosso grande escritor.

Formada em História pela USP e imigrante nos Estados Unidos, Cleo lançou, em artigo publicado no site da revista Veja, os lugares-comuns ideológicos de costume. Expressões como “país colonizado”, “colonizadores” (portugueses), “racismo estrutural”, “preconceito estrutural” não são utilizadas a esmo nem de forma ingênua. A posição dela é muito clara: “As obras infantis de Lobato contêm expressões, frases e descrições que não podem passar, mas que servem para abrir a discussão sobre o preconceito, entre outros temas”.

“Cancelar” frases e expressões do texto original de Lobato é um atentado contra o autor, contra sua obra, contra o período histórico em que ele viveu quando seus livros foram escritos, contra nós, seus leitores. Bastava um texto introdutório para contextualizar autor e história para o leitor adulto ou criança — e assim permitir que os pais assumam a responsabilidade de educar seus filhos. Higienizar a obra de autores também é apagar uma parte da História e impedir que os homens do presente conheçam e aprendam com os erros do passado.

Apesar desse exemplo recente e de outros vários, há no mundo ocidental uma percepção social muito diferente daquela de poucos anos atrás. A esquerda não fala mais sozinha em muitos ambientes. Suas ações são monitoradas e a reação não tarda a acontecer, principalmente nas redes sociais. Porém, a assimetria é flagrante quando falamos de escola, universidade, cultura, imprensa, política, serviço estatal, promotoria, Judiciário.

Por essa razão, a situação no Ocidente ainda é muito hostil para quem não é de esquerda, que tem muita influência e poder em várias áreas com alta capacidade de promover mudanças profundamente negativas na sociedade, algumas certamente irreversíveis. A situação, no entanto, está, aos poucos, sendo mudada.

Alimentar uma visão apocalíptica do mundo e nada fazer, ficar passivo, lamurioso e ressentido, não ajuda a encontrar soluções para os problemas concretos. Esse tipo de mentalidade conduz à inação e, portanto, mantém tudo de negativo do jeito que está. Isso é imobilismo, não conservadorismo.

Há um enorme, árduo e demorado trabalho a ser desenvolvido. Para fazê-lo, devemos assumir, individualmente, a responsabilidade que nos cabe de acordo com nossa vocação, talento, tempo, disposição. E sem nos deixarmos conduzir para a armadilha representada pelo pessimismo, otimismo, idealismo ou racionalismo dogmático.

Título e Texto: Bruno Garschagen,  revista Oeste, nº 39, 18-12-2020

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