Precisamos atentar para as armadilhas do
pessimismo, do otimismo e do racionalismo dogmático
Bruno Garschagen
O drama monumental do
pessimista é, contraditoriamente, ser um idealista que sobrepõe sua visão
apocalíptica de mundo à realidade que o cerca. Se seu idealismo não é
satisfeito à risca, tudo desmorona, uma terra devastada se revela plena de
infortúnios, a maldade humana se expressa em toda a plenitude. A vida é apenas
sofrimento, lamento, desilusão e morte.
O drama monumental do otimista
é sobrepor sua visão romanceada de mundo à realidade que o cerca. Se seu
otimismo, que também é uma espécie de idealismo, não se realiza reiteradas
vezes ao longo de uma vida, ele corre o risco de se transformar num fracassado
ressentido ou num pessimista.
Todos temos, em maior ou menor
grau, nossas pílulas de pessimismo, que, às vezes, são um instrumento natural
de proteção contra as ilusões do otimismo. O equilíbrio entre otimismo e
pessimismo, entre ideal e realidade, é o que nos permite viver sem cair no
idealismo infantil, no realismo fatalista ou num racionalismo dogmático. E
assim podemos conduzir nossa vida priorizando aquilo que realmente importa e
tomando as decisões mais adequadas, de acordo com as circunstâncias.
Quando tratamos de política,
pessimismo, otimismo, racionalismo dogmático nunca são boas disposições nem
bons conselheiros para aderir a uma corrente política ou preferir algum
político. Porque basta que um ou outro não seja aquilo que desejamos em sua totalidade
para que os piores sentimentos emerjam e motivem condutas insensatas.
Estamos testemunhando um
momento histórico no mundo ocidental. A compreensão de suas consequências
positivas ou negativas levará tempo, mas é possível coletar algumas delas e usá-las
como parâmetros para termos uma noção do que está acontecendo. E, talvez até
mais importante, compreender a natureza das mudanças para melhor lidar com
elas. Neste artigo, vou me ater à dimensão política dos acontecimentos.
Meu ponto é um tanto óbvio e tem a ver para onde e como olhamos o que está ocorrendo. Durante décadas, muitas mudanças profundas foram sendo gestadas, mas havia uma sensação equivocada de normalidade e estabilidade, como se a vida seguisse seu curso normal e tedioso. Nosso alheamento em relação à política funcionava como uma espécie de entorpecente. Mesmo que muito estivesse acontecendo, seríamos incapazes de identificar o que era e seus resultados.
O máximo a que nossa
preocupação alcançava era a corrupção, a incompetência, a ineficiência dos
políticos e das instituições estatais. A ação cultural e política da esquerda,
entretanto, passava completamente despercebida para a maioria esmagadora de
nossa população. E, até pela forma satanicamente inteligente como foi
empreendida, conquistava a adesão de muitos, que passaram a pensar e a agir com
base em pressupostos ideológicos sem que tivessem noção do que estava a se
passar.
Higienizar a obra de autores é apagar uma parte da História
O que antes era oculto foi
desmascarado, o que estava escondido está cada dia mais escancarado. Diante da
descoberta da realidade, vimos um panorama desafortunado, incômodo, e até mesmo
desesperador. O que não podemos é nos dar ao luxo de entrar em estado de
negação e ignorar a realidade. Quando existe uma doença, é preferível
identificá-la e tratá-la antes que o pior aconteça.
Ao longo deste ano, apresentei
aqui em meus artigos vários exemplos de enfermidades no âmbito cultural,
social, político, econômico em diversos países. Mas o panorama que descrevi foi
uma pequena amostra de um cenário muito mais amplo que vai se revelando
gradualmente em vários temas e níveis de profundidade e de absurdo.
Recentemente no Brasil, Cleo
Monteiro Lobato, bisneta de Monteiro Lobato, apareceu na imprensa para divulgar
seu projeto de reedição da obra do bisavô “de forma atualizada”. O que isso
significa? Censurar, “cancelar”, trechos dos livros de um dos maiores autores
brasileiros.
Para que o livro Narizinho
Arrebitado pudesse entrar no competitivo mercado editorial norte-americano
(comandado por esquerdistas), ela e sua editora mutilaram o texto nas frases
que consideraram “inadequadas”, de “cunho preconceituoso” e modificaram “a
representação de alguns personagens”, como a Tia Nastácia, que “foi modificada
cirurgicamente”. Ou seja, o livro que será lançado nos Estados Unidos e no
Brasil não é o livro escrito por Lobato. Deveriam utilizar um pseudônimo em vez
de macular o nome de nosso grande escritor.
Formada em História pela USP e
imigrante nos Estados Unidos, Cleo lançou, em artigo publicado
no site da revista Veja, os lugares-comuns
ideológicos de costume. Expressões como “país colonizado”, “colonizadores”
(portugueses), “racismo estrutural”, “preconceito estrutural” não são
utilizadas a esmo nem de forma ingênua. A posição dela é muito clara: “As obras
infantis de Lobato contêm expressões, frases e descrições que não podem passar,
mas que servem para abrir a discussão sobre o preconceito, entre outros temas”.
“Cancelar” frases e expressões
do texto original de Lobato é um atentado contra o autor, contra sua obra,
contra o período histórico em que ele viveu quando seus livros foram escritos,
contra nós, seus leitores. Bastava um texto introdutório para contextualizar
autor e história para o leitor adulto ou criança — e assim permitir que os pais
assumam a responsabilidade de educar seus filhos. Higienizar a obra de autores
também é apagar uma parte da História e impedir que os homens do presente
conheçam e aprendam com os erros do passado.
Apesar desse exemplo recente e
de outros vários, há no mundo ocidental uma percepção social muito diferente
daquela de poucos anos atrás. A esquerda não fala mais sozinha em muitos
ambientes. Suas ações são monitoradas e a reação não tarda a acontecer,
principalmente nas redes sociais. Porém, a assimetria é flagrante quando
falamos de escola, universidade, cultura, imprensa, política, serviço estatal,
promotoria, Judiciário.
Por essa razão, a situação no
Ocidente ainda é muito hostil para quem não é de esquerda, que tem muita
influência e poder em várias áreas com alta capacidade de promover mudanças
profundamente negativas na sociedade, algumas certamente irreversíveis. A
situação, no entanto, está, aos poucos, sendo mudada.
Alimentar uma visão
apocalíptica do mundo e nada fazer, ficar passivo, lamurioso e ressentido, não
ajuda a encontrar soluções para os problemas concretos. Esse tipo de
mentalidade conduz à inação e, portanto, mantém tudo de negativo do jeito que
está. Isso é imobilismo, não conservadorismo.
Há um enorme, árduo e demorado
trabalho a ser desenvolvido. Para fazê-lo, devemos assumir, individualmente, a
responsabilidade que nos cabe de acordo com nossa vocação, talento, tempo,
disposição. E sem nos deixarmos conduzir para a armadilha representada pelo
pessimismo, otimismo, idealismo ou racionalismo dogmático.
Título e Texto: Bruno
Garschagen, revista Oeste, nº 39, 18-12-2020
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