Tese
2: O jornalista existe para prostituir a realidade
Gabriel Mithá Ribeiro
Rendimento das
famílias; divulgação científica, filosófica ou histórica; tradições populares e
comunidades religiosas; segurança e insegurança suburbana; atendimento nos
hospitais; música clássica e popular; delinquência, criminalidade, toxicodependência,
prostituição; pequenas e grandes atividades econômicas; divulgação da alta
cultura, incluindo literatura, pintura, escultura, dança, artes performativas;
vida habitual nas regiões do interior; relações de vizinhança; educação dos
filhos; correntes migratórias; quotidianos infantis ou de idosos;
transformações identitárias de bairros, comunidades ou cidades; histórias de
vida de gente comum e de portugueses dispersos pelo mundo; frustrações e
depressões resultantes de ambientes familiares ou profissionais; mundo
associativo ou artístico; ambientes escolares; casamentos e vida em família;
legalidades e ilegalidades de todos os dias; transportes suburbanos e de
mercadorias; paisagens urbanas e rurais – alguns dos inúmeros fenômenos do que
é substantivo numa sociedade.
Como é que a imprensa mainstream
se relaciona com tal universo? Pela autocastração mental que reduz
drasticamente a incomensurabilidade do real praticamente a uma só dimensão, a
política, em rigor a pouquíssimos políticos. Se estes não marcarem presença, ou
se não for possível associá-los a um qualquer fenômeno social, o universo
existencial das pessoas comuns deixa de interessar ao ângulo jornalístico,
todo ele moldado para mostrar os políticos ou para os políticos verem.
É hoje impossível contar
com a imprensa mainstream na elaboração de representações sociais
normais do real, aquelas em que as representações do mundo que estão na cabeça
das pessoas têm correspondências as mais próximas possíveis do que existe fora
dessas mesmas cabeças, no mundo vivido; aquelas em que a política é apenas uma
entre muitas outras dimensões do real (economia, cultura, artes, religião,
hábitos de vida, tradições, entre outras possibilidades). Pelo contrário, os
jornalistas afanam-se em subverter os termos. Colocam os políticos num nível
muito superior a tudo o resto, o que quer dizer esgotar a realidade vivida na
política como se nada mais fosse relevante ou autônomo.
Dado o seu impacto social, os jornalistas reduzem-se a indutores da alienação mental coletiva. Em contraste com uma realidade existencial incomensurável, rica, complexa, contraditória, ambivalente a imprensa limita-se a oferecer versões drasticamente indigentes, minúsculas, pobres, miseráveis, castradas, preocupadas em fazer da cabeça das pessoas clones da cabeça do jornalista. Quem assim procede não cumpre uma missão social, segue uma agenda particular de manipulação social grosseira.
Na mais benigna das
hipóteses, o essencial da vida quotidiana das pessoas comuns é um mero
acessório, um ornamento que fica para último no alinhamento das notícias e na
distribuição percentual da quantidade da informação. Basta compararmos o noticiário
político, que deveria ser excepcional, com o noticiário social ou
cultural, que deveria ser a norma, para percebermos como se alienam
sociedades. A abertura e a fatia de leão do prime time, o horário nobre
das notícias, reduz-se à concubinagem entre governantes, políticos e
jornalistas. Nem sequer o incesto nessa bolha é disfarçado.
Se existem diferenças
em relação ao que faziam os padres do tempo da inquisição, a manipulação das
mentes em curso é bem mais obscura, bem mais narcísica, bem mais ausente da
dignidade de um propósito comum, mais não seja na outra vida como nos tempos da
virulência cristã.
O tempo mental que vivemos
chega e sobra para legitimar a redução drástica do número de deputados,
segmento alimentador das mais variadas formas de subsidiodependência e demais
parasitismos não menos perversos, da corrupção ao jornalismo. A convicção do
líder do CHEGA, André Ventura, em insistir nessa proposta responde não apenas à
necessidade de renovar o sistema político, mas acima de tudo permitirá renovar
um ideal de sociedade que necessita de reduzir o impacto da bolha política a
uma dimensão decente. Como noutros países, mas especialmente em Portugal, a
Sociedade e a Economia desesperam por respirar por si mesmas sem a opressão da
Política ou, na mais simpática das possibilidades, sem o paternalismo
infantilizador obsessivo dos políticos.
Graças a uma classe
jornalística que começou por se limitar a fazer eco da classe política, mas
que hoje se sobrepõe altivamente àquela, gémeos, jornalistas e políticos
comportam-se como os que têm o mundo a seus pés. A sua bolha minúscula trata
milhões de cidadãos como crianças que necessitam, a tempo inteiro, que alguém
decida por elas, seja no âmbito das suas vidas particulares, seja das suas
profissões. Num par de gerações, a vida habitual ficou dependente do que deu
nas notícias na véspera ou da lei que acaba de ser aprovada no parlamento,
mesmo que contraditórias com as da semana anterior que, também por sua vez,
ignora o sentido do que foi noticiado ou aprovado no mês anterior, no ano
anterior, por aí adiante. O circo serve para animar políticos e jornalistas na
sua bolha.
Tão grave indução da loucura
social atinge famílias, pais, professores, médicos, polícias, empresários,
militares, profissionais liberais, farmacêuticos, desportistas e todos os
demais. Até o vocabulário da intimidade destes e das suas profissões, o que vão
comer ou deixar de comer, vestir ou para onde viajar é ditado pela bolha. Esta
ousa impor-se a uma sociedade inteira, supostamente adulta e livre, uma
opressão mental numa dimensão sem precedentes históricos.
Contentinha com a sua
existência ultrapolitizada, a classe jornalística vive autoconvencida de falar a
sério, com conhecimento de causa da sociedade e dos seus problemas,
do seu passado, presente e futuro, mesmo que a sua ciência se sustente
em colheitas quase só limitadas ao interior da sua própria bolha, ao interior
de redações ou estúdios onde tudo se resume ao disse-que-disse e a uns quantos
inquéritos feitos por terceiros ou a estatísticas que captam o lado objetivo da
vida quando o fundamental é justamente o subjetivo, o que apenas se capta diretamente,
face-a-face, partilhando o quotidiano das pessoas comuns onde e como vivem e
pensam habitualmente.
Ainda que se
entrevistem indivíduos fora da bolha, o alinhamento das conversas, a orientação
do seu conteúdo é imposta pelo viés dos jornalistas, classe profissional que
tudo faz para nunca abandonar o seu estatuto autossacralizado de suprema
condutora das mentes.
Como as sociedades têm
de ser inevitavelmente governadas, e como não faltam provas históricas desde a
democracia da Grécia Clássica de regimes justos e prósperos sem jornalistas, o
jornalismo de hoje está transformado num tumor maligno volumoso comprimido
entre dois dos órgãos vitais do corpo social, O Poder e o Povo (título
feliz de Vasco Pulido Valente). Chegará inevitavelmente o momento em que as
pessoas comuns irão perceber as responsabilidades dos jornalistas na
fragilização das democracias, no abandono das pessoas comuns e dos seus
problemas por governantes e políticos, no falhanço das economias, na
insegurança crescente de povos e estados, no saque fiscal, na perda de
qualidade das instituições e dos serviços, na necessidade curar tão funesta
doença.
Enquanto o momento não
chega, num repente vemos jornalistas a fazerem-se especialistas em todos os
temas e mais alguns, do futebol à física quântica, e a transformarem o seu
vício numa prática social que, como nunca na história, confunde arrogantemente
opinião com conhecimento. No mínimo, são os jornalistas que decidem quem é o
verdadeiro especialista, o suprassumo dos temas da moda ou do dia, quase sempre
alguém da sua simpatia política mesmo que o assunto seja uma complicada
operação aeroespacial, posto que nos casos da literatura, história ou filosofia
é tudo tão grosseiramente óbvio que é melhor nem falar.
A atual imprensa
politizada à americana conseguiu prostituir a compreensão social da
realidade numa dimensão sórdida. É por isso que a relação entre a imprensa
tradicional e as redes sociais é a inversa do que se quer fazer
crer. No mínimo, o crescimento das redes sociais reflete réstias de sanidade
mental de sociedades que desesperam por se libertar da névoa de recalcamentos
tóxicos impostos pelos jornalistas. Horrorosamente deprimente.
Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, Vice-Presidente do CHEGA!, 23-12-2020
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