quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

[Diário de uma caminhada] O tumor maligno entre Poder e Povo. Três teses. Tese Dois

Tese 2: O jornalista existe para prostituir a realidade

Gabriel Mithá Ribeiro

Rendimento das famílias; divulgação científica, filosófica ou histórica; tradições populares e comunidades religiosas; segurança e insegurança suburbana; atendimento nos hospitais; música clássica e popular; delinquência, criminalidade, toxicodependência, prostituição; pequenas e grandes atividades econômicas; divulgação da alta cultura, incluindo literatura, pintura, escultura, dança, artes performativas; vida habitual nas regiões do interior; relações de vizinhança; educação dos filhos; correntes migratórias; quotidianos infantis ou de idosos; transformações identitárias de bairros, comunidades ou cidades; histórias de vida de gente comum e de portugueses dispersos pelo mundo; frustrações e depressões resultantes de ambientes familiares ou profissionais; mundo associativo ou artístico; ambientes escolares; casamentos e vida em família; legalidades e ilegalidades de todos os dias; transportes suburbanos e de mercadorias; paisagens urbanas e rurais – alguns dos inúmeros fenômenos do que é substantivo numa sociedade.

Como é que a imprensa mainstream se relaciona com tal universo? Pela autocastração mental que reduz drasticamente a incomensurabilidade do real praticamente a uma só dimensão, a política, em rigor a pouquíssimos políticos. Se estes não marcarem presença, ou se não for possível associá-los a um qualquer fenômeno social, o universo existencial das pessoas comuns deixa de interessar ao ângulo jornalístico, todo ele moldado para mostrar os políticos ou para os políticos verem.

É hoje impossível contar com a imprensa mainstream na elaboração de representações sociais normais do real, aquelas em que as representações do mundo que estão na cabeça das pessoas têm correspondências as mais próximas possíveis do que existe fora dessas mesmas cabeças, no mundo vivido; aquelas em que a política é apenas uma entre muitas outras dimensões do real (economia, cultura, artes, religião, hábitos de vida, tradições, entre outras possibilidades). Pelo contrário, os jornalistas afanam-se em subverter os termos. Colocam os políticos num nível muito superior a tudo o resto, o que quer dizer esgotar a realidade vivida na política como se nada mais fosse relevante ou autônomo.

Dado o seu impacto social, os jornalistas reduzem-se a indutores da alienação mental coletiva. Em contraste com uma realidade existencial incomensurável, rica, complexa, contraditória, ambivalente a imprensa limita-se a oferecer versões drasticamente indigentes, minúsculas, pobres, miseráveis, castradas, preocupadas em fazer da cabeça das pessoas clones da cabeça do jornalista. Quem assim procede não cumpre uma missão social, segue uma agenda particular de manipulação social grosseira.

Na mais benigna das hipóteses, o essencial da vida quotidiana das pessoas comuns é um mero acessório, um ornamento que fica para último no alinhamento das notícias e na distribuição percentual da quantidade da informação. Basta compararmos o noticiário político, que deveria ser excepcional, com o noticiário social ou cultural, que deveria ser a norma, para percebermos como se alienam sociedades. A abertura e a fatia de leão do prime time, o horário nobre das notícias, reduz-se à concubinagem entre governantes, políticos e jornalistas. Nem sequer o incesto nessa bolha é disfarçado.

Se existem diferenças em relação ao que faziam os padres do tempo da inquisição, a manipulação das mentes em curso é bem mais obscura, bem mais narcísica, bem mais ausente da dignidade de um propósito comum, mais não seja na outra vida como nos tempos da virulência cristã.

O tempo mental que vivemos chega e sobra para legitimar a redução drástica do número de deputados, segmento alimentador das mais variadas formas de subsidiodependência e demais parasitismos não menos perversos, da corrupção ao jornalismo. A convicção do líder do CHEGA, André Ventura, em insistir nessa proposta responde não apenas à necessidade de renovar o sistema político, mas acima de tudo permitirá renovar um ideal de sociedade que necessita de reduzir o impacto da bolha política a uma dimensão decente. Como noutros países, mas especialmente em Portugal, a Sociedade e a Economia desesperam por respirar por si mesmas sem a opressão da Política ou, na mais simpática das possibilidades, sem o paternalismo infantilizador obsessivo dos políticos.

Graças a uma classe jornalística que começou por se limitar a fazer eco da classe política, mas que hoje se sobrepõe altivamente àquela, gémeos, jornalistas e políticos comportam-se como os que têm o mundo a seus pés. A sua bolha minúscula trata milhões de cidadãos como crianças que necessitam, a tempo inteiro, que alguém decida por elas, seja no âmbito das suas vidas particulares, seja das suas profissões. Num par de gerações, a vida habitual ficou dependente do que deu nas notícias na véspera ou da lei que acaba de ser aprovada no parlamento, mesmo que contraditórias com as da semana anterior que, também por sua vez, ignora o sentido do que foi noticiado ou aprovado no mês anterior, no ano anterior, por aí adiante. O circo serve para animar políticos e jornalistas na sua bolha.

Tão grave indução da loucura social atinge famílias, pais, professores, médicos, polícias, empresários, militares, profissionais liberais, farmacêuticos, desportistas e todos os demais. Até o vocabulário da intimidade destes e das suas profissões, o que vão comer ou deixar de comer, vestir ou para onde viajar é ditado pela bolha. Esta ousa impor-se a uma sociedade inteira, supostamente adulta e livre, uma opressão mental numa dimensão sem precedentes históricos.

Contentinha com a sua existência ultrapolitizada, a classe jornalística vive autoconvencida de falar a sério, com conhecimento de causa da sociedade e dos seus problemas, do seu passado, presente e futuro, mesmo que a sua ciência se sustente em colheitas quase só limitadas ao interior da sua própria bolha, ao interior de redações ou estúdios onde tudo se resume ao disse-que-disse e a uns quantos inquéritos feitos por terceiros ou a estatísticas que captam o lado objetivo da vida quando o fundamental é justamente o subjetivo, o que apenas se capta diretamente, face-a-face, partilhando o quotidiano das pessoas comuns onde e como vivem e pensam habitualmente.

Ainda que se entrevistem indivíduos fora da bolha, o alinhamento das conversas, a orientação do seu conteúdo é imposta pelo viés dos jornalistas, classe profissional que tudo faz para nunca abandonar o seu estatuto autossacralizado de suprema condutora das mentes.

Como as sociedades têm de ser inevitavelmente governadas, e como não faltam provas históricas desde a democracia da Grécia Clássica de regimes justos e prósperos sem jornalistas, o jornalismo de hoje está transformado num tumor maligno volumoso comprimido entre dois dos órgãos vitais do corpo social, O Poder e o Povo (título feliz de Vasco Pulido Valente). Chegará inevitavelmente o momento em que as pessoas comuns irão perceber as responsabilidades dos jornalistas na fragilização das democracias, no abandono das pessoas comuns e dos seus problemas por governantes e políticos, no falhanço das economias, na insegurança crescente de povos e estados, no saque fiscal, na perda de qualidade das instituições e dos serviços, na necessidade curar tão funesta doença.

Enquanto o momento não chega, num repente vemos jornalistas a fazerem-se especialistas em todos os temas e mais alguns, do futebol à física quântica, e a transformarem o seu vício numa prática social que, como nunca na história, confunde arrogantemente opinião com conhecimento. No mínimo, são os jornalistas que decidem quem é o verdadeiro especialista, o suprassumo dos temas da moda ou do dia, quase sempre alguém da sua simpatia política mesmo que o assunto seja uma complicada operação aeroespacial, posto que nos casos da literatura, história ou filosofia é tudo tão grosseiramente óbvio que é melhor nem falar.

A atual imprensa politizada à americana conseguiu prostituir a compreensão social da realidade numa dimensão sórdida. É por isso que a relação entre a imprensa tradicional e as redes sociais é a inversa do que se quer fazer crer. No mínimo, o crescimento das redes sociais reflete réstias de sanidade mental de sociedades que desesperam por se libertar da névoa de recalcamentos tóxicos impostos pelos jornalistas. Horrorosamente deprimente.

Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, Vice-Presidente do CHEGA!, 23-12-2020

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As três leis da política
Ciganos, negros, islâmicos e Chega: a «mão invisível» do liberalismo social
Cultura negra?
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«Visão»: nojo racista chegofóbico 

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