Péricles Capanema
A COVID-19 vai prejudicar simpáticos costumes das festas natalinas. Em geral a mãe de família faz uma relação de pessoas próximas a quem os seus querem regalar, compra os brindes, distribuídos, por vezes, no fim da ceia de Natal. Distensão, alegria de estar juntos, afeto mútuo. Este ano, pandemia ainda ativa, tudo vai ser diferente, os médicos aconselham evitar aglomerações, a ida a locais de muita gente, reunião com numerosas pessoas em casa.
Alimentar reflexões. Pensando nessas listas e na atmosfera
de afeto que as origina, imaginei fazer a minha, mas não sobre amigos a
presentear. Nela também estaria presente o afeto, expresso pela preocupação da
advertência contra armadilhas ocultas nas esquinas do amanhã. Versaria sobre
questões momentosas, analisadas em especial sob aspectos dos quais pouco ou
nada se ouve falar. Seria modo de estimular reflexões dos leitores, maneira
modesta de presentear, nenhuma outra está a meu alcance. Talvez algum dia a
publique. Abaixo, um item de minha pequena lista, exposto de forma resumida.
O primeiro e principal assunto
do rol, em certa medida obrigatório, são as eleições presidenciais nos Estados
Unidos. Mais propriamente, como já estão no passado, com exceção da próxima
disputa de duas cadeiras do Senado no Estado da Geórgia, o que delas esperar?
Joe Biden caminha para tomar posse em 20 de janeiro e nada parece indicar que
Donald Trump interromperá sua série de medidas legais e de manifestações
públicas alegando fraudes maciças na contagem dos votos; toda esta movimentação
dirigida por Donald Trump é supostamente destinada a permanecer no cargo que
ocupa há quatro anos. Vejamos.
“Four more years”. A transição entre os dois governos vem sendo traumática, pressagia tumultuada administração futura, comentarei abaixo este ponto. As mencionadas medidas para anular parte ou o total do processo eleitoral teriam mesmo o fim de garantir a permanência de Trump na Presidência? Convém notar, Trump é político experimentado, seus assessores não são sonhadores. Desde o início da proclamação dos (projetados) resultados no Colégio Eleitoral pelas principais redes de televisão, a bem dizer todos os observadores percebiam que Trump já não estaria na Casa Branca em fins de janeiro. Só o magnata novaiorquino não percebia? Se o antigo showman da televisão não tem esperança séria de virar o jogo, o que visa ele então? Entramos na areia movediça das conjeturas. Um primeiro ponto, a atitude desafiante e belicosa desperta simpatias em largas faixas de sua base de apoio; consolida a liderança. E então, é plausível, ele vai continuar neste rumo — a primeira preocupação de qualquer político é não perder apoio entre os seus. Está jogando para a plateia, dir-se-ia em linguagem informal. Mas cria um ambiente de babel, prenunciando mudança profunda, que pode ser duradoura, na vida pública dos Estados Unidos. Que efeitos de longo prazo tais atitudes produzirão na mente de largas faixas do público norte-americano? É tema ao qual também aludirei abaixo, ainda que de forma muito rápida.
Volto à situação presente. Com
sua conduta, Trump já se coloca como o principal competidor na disputa pela
vaga republicana nas eleições de 2024. Muita água vai passar ainda debaixo da
ponte, pode levá-lo de cambulhada, mas hoje ele está na dianteira. O “four more
years”, gritado obsessivamente em seus comícios, tanto vale para as
reivindicações de agora, quanto para 2024. No mesmo trilho, as contribuições
arrecadadas para financiar o esforço legal, por disposições das cláusulas
contratuais da associação criada para tal, podem ser utilizadas futuramente na
campanha para a indicação da vaga republicana em 2024. No momento em que
escrevo, mais de 200 milhões de dólares já foram coletados, boa soma para se
manter em evidência por muito tempo.
Dois senadores determinarão o rumo do Senado. Finalmente, é imprescindível lembrar, a
grande preocupação dos líderes republicanos está na Geórgia. O Partido
Republicano já tem 50 senadores. Se conseguir pelo menos uma vaga das duas ali
disputadas em 5 de janeiro, irá para 51 senadores, fará a maioria numa casa de
100 representantes. E terá condições de brecar muitas das iniciativas do
governo Biden. Se perder as duas vagas em disputa, haverá empate no Senado, 50
a 50, mas a vice-presidente Kamala Harris, por lei presidente do Senado,
desempataria as disputas em favor dos democratas. E destravaria a pauta
legislativa do governo Biden, promovendo a aprovação das leis consideradas
perniciosas pelos republicanos. Assim, até 5 de janeiro, o que o Partido
Republicano fizer, dificilmente não terá como prioridade estimular o eleitor
republicano da Geórgia a ir votar e fazer campanha pelos dois candidatos. E
claro, as atitudes de Donald Trump devem ser consideradas muito particularmente
neste prisma, motivar o eleitor republicano da Geórgia.
Desorientação e exasperação.
Tudo o que se disse acima, de uma maneira ou de outra, tem sido veiculado pela
imprensa. Ventilo agora o que não vi tratado na imprensa, o perigo do
aprofundamento do caos mental. A forma caótica e atordoante instaurada na vida
pública dos Estados Unidos, que pode continuar anos a fio, irrita, exaspera,
estontece, desorienta. O que daí poderá vir? Um país rachado, desgastado por
embates políticos confusos e contínuos, minado em suas energias vitais,
esquecido de seus deveres primordiais. Em tal quadro dificilmente cumprirá sua
função de líder natural do Ocidente. Talvez este seja o efeito mais maléfico de
toda a crise presente. Tarefa urgente para o norte-americano patriota:
trabalhar para dissipar a confusão e clarear a cena pública. Observemos. “Qui
vivra, verra”. Terminou o esboço do primeiro assunto da minha lista de Natal.
Título e Texto: Péricles
Capanema, ABIM,
18-12-2020
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