Sousa Tavares alerta para riscos dos emigrantes que “votam muito mais à direita”. Francisco Ramos a despropósito das vacinas ataca os “11% ou 12%” que votaram Ventura. Já não se pode confiar no povo
Helena Matos
O bom povo é de esquerda.
Ao comentar os resultados das eleições presidenciais Miguel Sousa Tavares [foto] afirmou, com aquela sintaxe entaramelada que o caracteriza, a propósito do voto dos emigrantes: “Os poucos que votam, votam sempre contra aquilo que é o sentido maioritário do voto dos portugueses que cá estão. Nomeadamente, votam muito mais à direita, e ontem [Domingo] votaram muito mais em André Ventura.”
Como é habitual Miguel Sousa
Tavares fala muito e prepara-se pouco: os emigrantes não “votam muito mais à
direita” a não ser que se entenda por votar “muito mais à direita” o voto no
PSD e no próprio PS cujos resultados eleitorais na emigração são expressivos,
sobretudo no círculo da Europa. A esta fantasia em torno de um voto “muito mais
à direita” por parte dos emigrantes juntou Miguel Sousa Tavares uma reflexão
sobre o facilitar ou não do voto em função do provável sentido de voto dos
eleitores portugueses: “E a questão política que se põe é o seguinte: se
facilitarmos o voto todo dos emigrantes, nomeadamente por correspondência, há
ou não há o perigo de um dia nós podermos eleger um Presidente da República
que… Imagina que isto está taco a taco, mais ou menos, e a balança pender para
quem os emigrantes votaram… A balança pode acontecer… cair para o lado que os
portugueses que cá não vivem escolheram, e não os portugueses que cá vivem…”
Nesta perspectiva o voto não é um direito, mas sim um prêmio, um prêmio que se
concede ao povo que vota bem.
O destrato de quem não vota
segundo este conceito do bem torna-se norma: Francisco Ramos, o coordenador da task force da vacinação,
a propósito ou despropósito das tomas indevidas de vacinas não teve nada mais
apropriado para invocar que o
“espírito vingativo” que associa “àqueles 11% ou 12%” que votaram na
candidatura de André Ventura nas eleições presidenciais em que, por
sinal, ele, Francisco Ramos, foi apoiante destacado de uma outra candidatura, a
de Marisa Matias. [Do Bloco de Esquerda, NdE].
Portugal, república dos socialistas, é isto: um país de castas. Um país em que
o coordenador da task force da vacinação, o
mesmo que há um mês não incluía as pessoas com mais de 80 anos na primeira fase
da vacinação e depois por pressão da UE se viu obrigado a mudar essa
disposição, insulta eleitores com a mesma ligeireza com que não deu explicações
sobre as sucessivas alterações do plano de vacinação.
O povo que se porta mal.
Acreditam os pregadores do “Fique em casa” que aquilo que mandam vir pelo take away e pelos estafetas nasce nos armazéns e nas mochilas dos distribuidores? Se realmente ficássemos todos em casa íamos comer e beber o quê? Viver de quê? O mundo do “Fique em casa” está cheio de gente cujos rendimentos não foram beliscados pela pandemia e que não sabe nem quer saber o que está acontecer no mundo do trabalho. Esse mundo para o qual se anunciam apoios que o mundo do “Fique em casa” imagina rápidos e automáticos, mas a que na prática não se consegue aceder.
Os últimos a viverem nesta espécie de distopia são os
jovens casais que tiveram o azar de ser colocados em teletrabalho. Como se sabe
as empresas foram obrigadas a optar pelo teletrabalho desde que tal fosse
possível. Só que em seguida fecharam-se as escolas e as creches. Com as crianças em casa, os pais em teletrabalho deixaram
de conseguir trabalhar. Terceiro ato desta tragédia: são recusados apoios aos
pais que já estavam em teletrabalho. Em conclusão, os pais de
crianças pequenas quando as creches fecharam ficaram sem poder trabalhar e
privados de qualquer apoio. Muitos ainda continuam a pagar as creches na
esperança do dia em que voltarão à rua… O mundo do “Fique em casa” ralha com o
“povo que se porta mal” e culpa-o pelas ambulâncias à porta dos hospitais e por
ter precisado de oxigénio no Amadora-Sintra.
O povo que não percebe.
O povo que não percebe coexiste com o povo soberano. Este último é chamado à cena quando se tem a certeza de que o seu voto vai consagrar a narrativa do progressismo. Caso contrário o voto popular passa ao estatuto de populismo. Assim se explica que o mesmo país que votou duas vezes o aborto veja agora os seus parlamentares aprovarem a eutanásia. Os senhores deputados, aqueles que mandam fechar restaurantes e mantêm o restaurante da Assembleia a funcionar, entenderam que os portugueses não precisavam de discutir mais a eutanásia e decidiram por nós. Decidiram-no numa semana em que muitos portugueses morreram sem a assistência que mereciam, sem os tratamentos que acreditavam ir ter sempre disponíveis, sem a presença de familiares. Entretanto espera-se que o Presidente após profunda sessão de aritmética decida se veta ou não veta.
Afinal em Portugal todo o absurdo é
normalizado, toda a incompetência rasurada e toda a prepotência legitimada
desde que se esteja do lado certo. Veja-se o sucedido com a decisão do Tribunal
Constitucional de dispensar os membros do Conselho de Prevenção da Corrupção
(CPC) de apresentar a declaração de rendimentos, património, interesses,
incompatibilidades e impedimentos. Acreditaria o povo que os membros de um
organismo que visa prevenir a corrupção deveriam disponibilizar essa
informação. Ora não foi esse o entendimento do Tribunal
Constitucional que alega que o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) é sobretudo
um órgão consultivo e também não foi esse o entendimento de José
Tavares, o novo presidente do Tribunal de Contas e, por inerência, também
presidente do dito Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC). Para José Tavares,
a “generalidade” dos membros deste conselho já estão obrigados
a apresentar estas declarações nos outros cargos que desempenham. E aqueles que
não fazem parte da generalidade? Aliás quantos membros são necessários para
formar a “generalidade”?
O povo às vezes cansa-se.
Gostaria de recordar à direita
portuguesa que tão entretida anda nos seus jogos florais entre o Adolfo, o
Carlos, o Francisco, o Nuno… que as sondagens em França começam a apresentar como possível avitória de Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais que vão
ter lugar em 2022. Sim, estão a perceber bem, Marine Le Pen aquela com quem a
direita não negociava, não reunia, não falava… pode ganhar as próximas
presidenciais francesas. Agora é ela que não precisa dos gaullistas, dos
conservadores, dos centristas.
Percebem ou é preciso fazer um
desenho? O povo às vezes cansa-se de tanto tacticismo, de tanta estratégia, de
tanto cálculo… e perante um quotidiano que endurece (os franceses declaram que
se asselvaja) dá o seu voto a quem lhe fala da sua vida. Se abandonarem o eixo
que vai da Estrela à SIC e das Avenidas ao PÚBLICO talvez comecem a ver melhor.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
31-1-2021
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