domingo, 10 de janeiro de 2021

[As danações de Carina] O eterno dilema de ter que esperar

Salvador Dali
Carina Bratt

‘Esperei tanto, mas tanto que a Espera se cansou de me fazer esperar por ela’. 
Lya Luft, em O silêncio dos amantes.

Indubitavelmente, uma das muitas e muitas coisas gratificantes da vida, seria o não ter que esperar. No entanto, é o que mais fazemos, desde que acordamos, até a hora de irmos para a cama renovar as forças do cansaço para o enfrentamento tranquilo do dia seguinte. Esperar, esperar e esperar... ‘Quem espera, sempre alcança’, notadamente o inalcançável, ainda que ele leve uma eternidade imensa para se fazer visível aos nossos olhos.

Se colocarmos a espera na ponta de uma caneta, descobriremos que passamos quase noventa por cento da nossa vida, em espera. A começar pelo nosso nascimento. Esperamos nove meses para ver o rostinho da nossa mãe no leito da maternidade e, com a nossa chegada, o primeiro contato físico, depois o primeiro banho, a primeira troca de fraldinhas, encimado por aquele lacinho azul na cabeça.

Esperamos, ainda, para sentir o gosto gostoso do deleite da expectativa do primeiro sorriso dela e a efusividade contagiante de nos tomar nos braços e nos ofertar o alimento através da doação do bico de seu peito. Depois, esperamos a hora de irmos embora, de deixarmos o corpo clínico do hospital, de darmos adeus às enfermeiras, aos médicos e pediatras.

A espera, agora, nos empurra a toda velocidade, para um novo porvir no contexto do mundo lá fora. A roda gigante não para de girar. Começamos a esperar (agora dando um salto no tempo), para conhecermos a nossa nova casa. O nosso pai, a empregada, e, se tivermos algum irmão, gozarmos da receptividade de nos irmanarmos ao engrandecimento da família.

Esperamos, no mesmo sentimento de estarmos vivos, e com aquela ansiedade perturbadora, para descobrirmos o nosso quartinho: o berço, os brinquedos; as roupinhas; os presentes dos titios e titias; a decoração do ambiente todo enfeitado em rosa... Tudo sistematicamente girando numa engrenagem em perímetro de uma espera inebriante.

Esta espera, pelo tempo que aprendi a esperar e a conviver com as suas mil facetas, bem pode estar na primavera da nossa existência, ou seja, no nosso agora, como a depois, no inverno de nossos dias vindouros e, igualmente, nos instantes derradeiros do nosso declínio para os infindos do além-túmulo.

Tem sido assim, desde que abri os olhos para o Universo e capturei as coisas boas, como o sol, o vento, a felicidade de ter nascida perfeita, crescido num lar modesto, mas cheio de amor. A espera, a minha espera, neste ponto, me gratificou deveras, com as graças do Altíssimo. Como assim? Desde que me entendo por gente, esta espera, ou melhor me expressando, a minha espera, cruza cotidianamente as ruas da minha alma, atravessa sem problemas ou restrições, as avenidas do meu interior. Se faz presente e gritante, se mostra viva e pulsante nas pequenas ruelas e becos, esquinas e praças, sempre à espreita.

É uma espera boa, de convivência satisfatória. É uma espera efêmera, legal, amiga, camarada, e sobretudo, distinta. Porém, apesar disto, eu temo, às vezes (e aqui confesso), alimento bem lá no fundo, um receio bobo, uma apreensão ambígua de que esta espera, de um momento para outro, por algum motivo inexplicável, possa se retrair, e me preparar uma armadilha.

A espera, muitas vezes pode ser a porta para uma emboscada, a chave mestra para uma cilada que não estava prevista em nossa mente. Por esta razão, sempre me posiciono com um pé na frente, outro atrás. Me contemplo com um olho aberto vigiando o padre, a missa e, de contrapeso, o outro policiando os rastros do sacristão.

São bobeiras infantis, receios ilógicos, pensamentos fugazes, em contraste com a minha realidade. Entendo que estes pequenos pensamentos negativos que às vezes me assolam, me fazem infeliz, me tiram do foco. Talvez por estarem ligados, ao sinistro de me ver frenteada, de repente, sei lá, com uma fase decadente.

Atribuo estes fios desencapados de certos distúrbios emocionais, à alguns momentos isolados, onde as coisas que espero com desinquietação e martírio, não me presenteiam com aquilo que eu esperava com o coração em festa. Seria, se tal ocorresse, uma espera infeliz, a bem da verdade. Apesar dos pesares, a minha espera, na longa caminhada até aqui, tem sido maravilhosa. Nada tenho a reclamar.

Esta variabilidade de situações novas, a cada segundo da minha existência, me deixa contente, me torna uma mulher feliz e realizada. Plena. Completa e sem problemas comigo mesma, ou com a vida, acolá da porta de entrada da minha sala. Procuro sempre, parto de cabeça erguida, na busca incansável de instrumentos que me levem a alternativas concretas.

Talvez, por esta razão, a minha espera nunca venha a ser redutível a sintomas externos, até porque, ela vem de dentro de meu ‘eu’ e, por ser assim, e não de outra forma, não permita, de forma alguma, que as suas articulações me derrubem, ao contrário, estou sempre preparada para enfrentá-las sem medos e sobressaltos.

Esperei um bocado, para tirar o aparelho dos dentes. Esperei anos a fio, para ter meu carro próprio, para comprar meu apartamento, meu cantinho para chamar de meu. Esperei, para ser feliz... E sou feliz. A espera é apenas um estado de espírito que a gente pode mudar a qualquer momento. A espera é o nosso destino escrito e desenhado por nós.

E agora, depois de tantos e tantos anos, espero, em Deus, poder levar a minha espera, e outras que porventura surgirem, uma após outra, até quando chegar o instante de passar pelo caos das doenças da velhice.

E, ao longo deste padecimento, enxergar o Pai Supremo me sorrindo, do portal da enfermidade, entretanto, me sinalizando que, finalmente, chegou a minha hora de pegar o trem e embarcar. Partir resignada para a gostosa viagem sem volta.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo. 10-1-2021

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