Salvador Dali |
Indubitavelmente, uma das muitas e muitas coisas gratificantes da vida,
seria o não ter que esperar. No entanto, é o que mais fazemos, desde que
acordamos, até a hora de irmos para a cama renovar as forças do cansaço para o
enfrentamento tranquilo do dia seguinte. Esperar, esperar e esperar... ‘Quem
espera, sempre alcança’, notadamente o inalcançável, ainda que ele leve uma
eternidade imensa para se fazer visível aos nossos olhos.
Se colocarmos a espera na ponta de uma caneta, descobriremos que passamos
quase noventa por cento da nossa vida, em espera. A começar pelo nosso
nascimento. Esperamos nove meses para ver o rostinho da nossa mãe no leito da
maternidade e, com a nossa chegada, o primeiro contato físico, depois o
primeiro banho, a primeira troca de fraldinhas, encimado por aquele lacinho
azul na cabeça.
Esperamos, ainda, para sentir o gosto gostoso do deleite da expectativa
do primeiro sorriso dela e a efusividade contagiante de nos tomar nos braços e
nos ofertar o alimento através da doação do bico de seu peito. Depois,
esperamos a hora de irmos embora, de deixarmos o corpo clínico do hospital, de
darmos adeus às enfermeiras, aos médicos e pediatras.
A espera, agora, nos empurra a toda velocidade, para um novo porvir no
contexto do mundo lá fora. A roda gigante não para de girar. Começamos a
esperar (agora dando um salto no tempo), para conhecermos a nossa nova casa. O
nosso pai, a empregada, e, se tivermos algum irmão, gozarmos da receptividade
de nos irmanarmos ao engrandecimento da família.
Esperamos, no mesmo sentimento de estarmos vivos, e com aquela ansiedade perturbadora, para descobrirmos o nosso quartinho: o berço, os brinquedos; as roupinhas; os presentes dos titios e titias; a decoração do ambiente todo enfeitado em rosa... Tudo sistematicamente girando numa engrenagem em perímetro de uma espera inebriante.
Esta espera, pelo tempo que aprendi a esperar e a conviver com as suas
mil facetas, bem pode estar na primavera da nossa existência, ou seja, no nosso
agora, como a depois, no inverno de nossos dias vindouros e, igualmente, nos
instantes derradeiros do nosso declínio para os infindos do além-túmulo.
Tem sido assim, desde que abri os olhos para o Universo e capturei as
coisas boas, como o sol, o vento, a felicidade de ter nascida perfeita,
crescido num lar modesto, mas cheio de amor. A espera, a minha espera, neste
ponto, me gratificou deveras, com as graças do Altíssimo. Como assim? Desde que
me entendo por gente, esta espera, ou melhor me expressando, a minha espera,
cruza cotidianamente as ruas da minha alma, atravessa sem problemas ou
restrições, as avenidas do meu interior. Se faz presente e gritante, se mostra
viva e pulsante nas pequenas ruelas e becos, esquinas e praças, sempre à
espreita.
É uma espera boa, de convivência satisfatória. É uma espera efêmera,
legal, amiga, camarada, e sobretudo, distinta. Porém, apesar disto, eu temo, às
vezes (e aqui confesso), alimento bem lá no fundo, um receio bobo, uma
apreensão ambígua de que esta espera, de um momento para outro, por algum motivo
inexplicável, possa se retrair, e me preparar uma armadilha.
A espera, muitas vezes pode ser a porta para uma emboscada, a chave
mestra para uma cilada que não estava prevista em nossa mente. Por esta razão,
sempre me posiciono com um pé na frente, outro atrás. Me contemplo com um olho
aberto vigiando o padre, a missa e, de contrapeso, o outro policiando os
rastros do sacristão.
São bobeiras infantis, receios ilógicos, pensamentos fugazes, em
contraste com a minha realidade. Entendo que estes pequenos pensamentos
negativos que às vezes me assolam, me fazem infeliz, me tiram do foco. Talvez
por estarem ligados, ao sinistro de me ver frenteada, de repente, sei lá, com
uma fase decadente.
Atribuo estes fios desencapados de certos distúrbios emocionais, à alguns
momentos isolados, onde as coisas que espero com desinquietação e martírio, não
me presenteiam com aquilo que eu esperava com o coração em festa. Seria, se tal
ocorresse, uma espera infeliz, a bem da verdade. Apesar dos pesares, a minha
espera, na longa caminhada até aqui, tem sido maravilhosa. Nada tenho a
reclamar.
Esta variabilidade de situações novas, a cada segundo da minha
existência, me deixa contente, me torna uma mulher feliz e realizada. Plena.
Completa e sem problemas comigo mesma, ou com a vida, acolá da porta de entrada
da minha sala. Procuro sempre, parto de cabeça erguida, na busca incansável de
instrumentos que me levem a alternativas concretas.
Talvez, por esta razão, a minha espera nunca venha a ser redutível a
sintomas externos, até porque, ela vem de dentro de meu ‘eu’ e, por ser assim,
e não de outra forma, não permita, de forma alguma, que as suas articulações me
derrubem, ao contrário, estou sempre preparada para enfrentá-las sem medos e
sobressaltos.
Esperei um bocado, para tirar o aparelho dos dentes. Esperei anos a fio,
para ter meu carro próprio, para comprar meu apartamento, meu cantinho para
chamar de meu. Esperei, para ser feliz... E sou feliz. A espera é apenas um
estado de espírito que a gente pode mudar a qualquer momento. A espera é o
nosso destino escrito e desenhado por nós.
E agora, depois de tantos e tantos anos, espero, em Deus, poder levar a
minha espera, e outras que porventura surgirem, uma após outra, até quando
chegar o instante de passar pelo caos das doenças da velhice.
E, ao longo deste padecimento, enxergar o Pai Supremo me sorrindo, do
portal da enfermidade, entretanto, me sinalizando que, finalmente, chegou a
minha hora de pegar o trem e embarcar. Partir resignada para a gostosa viagem
sem volta.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo. 10-1-2021
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