Olavo de Carvalho
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Foto: Henri- Cartier Breson |
No mundo islâmico, a rígida
moral que ordena as relações entre homens e mulheres foi não raro compensada
pela tolerância para com a pedofilia homossexual.
Em alguns países isso durou
até pelo menos o começo do século XX, fazendo da Argélia por exemplo, um jardim
das delícias para os viajantes depravados (leiam as memórias de André Gide, Si
le grain ne meurt).
Por toda parte onde a prática
da pedofilia recuou, foi a influência do cristianismo – e praticamente ela só –
que libertou as crianças desse jugo temível.
Mas isso teve um preço. É como
se uma corrente subterrânea de ódio e ressentimento atravessasse dois milênios
de história, aguardando o momento da vingança. Esse momento chegou.
O movimento de indução à
pedofilia começa quando Sigmund Freud cria uma versão caricaturalmente
erotizada dos primeiros anos da vida humana, versão que com a maior facilidade
é absorvida pela cultura do século.
Desde então a vida familiar
surge cada vez mais, no imaginário ocidental, como uma panela de pressão de
desejos recalcados.
No cinema e na literatura, as
crianças parecem que nada mais têm a fazer do que espionar a vida sexual dos
seus pais pelo buraco da fechadura ou entregar-se elas próprias aos mais
assombrosos jogos eróticos.
O potencial politicamente explosivo da ideia é logo aproveitado por Wilhem Reich, psiquiatra comunista que organiza na Alemanha um movimento pela “libertação sexual da juventude”, depois transferido para os EUA, onde virá a constituir talvez a principal ideia-força das rebeliões de estudantes da década de sessenta.
Enquanto isso, o Relatório
Kinsey, que hoje sabemos ter sido uma fraude em toda a linha, “demole a imagem
de respeitabilidade dos pais, mostrando-os às novas gerações como hipócritas
sexualmente doentes ou libertinos enrustidos.
O advento da pílula e da
camisinha, que os governos passam a distribuir alegremente nas escolas, soa
como o toque de liberação geral do erotismo infantojuvenil.
Desde então a erotização da
infância e da adolescência se expande dos círculos acadêmicos e literários para
a cultura das classes média e baixa, por meio de uma infinidade de filmes,
programas de TV, “grupos de encontro”, cursos de aconselhamento familiar,
anúncios, o diabo. A educação sexual nas escolas torna-se uma indução direta de
criança e jovens à prática de tudo o que viram no cinema e na TV
Mas até aí a legitimação da
pedofilia aparece apenas insinuada, de contrabando no meio de reivindicações
gerais que a envolvem como consequência implícita.
Em 1981, no entanto, a Time
noticia que argumentos pró-pedofilia estão ganhando popularidade entre
conselheiros sexuais. Larry Constantine, um terapeuta de família, proclama que
as crianças “têm o direito de expressar-se sexualmente, o que significa que
podem ter ou não ter contatos sexuais com pessoas mais velhas”.
Um dos autores do Relatório
Kinsey, Wardell Pomeroy, pontifica que o incesto “pode às vezes ser benéfico”.
A pretexto de combater a
discriminação, representantes do movimento gay são autorizados a ensinar nas
escolas infantis os benefícios da prática homossexual. Quem quer que se oponha
a eles é estigmatizado, perseguido, demitido.
Num livro elogiado por J.
Elders, ex-ministro da Saúde dos EUA (surgeon general – aquele mesmo que
faz advertências apocalípticas contra os cigarros), a jornalista Judith Levine
afirma que os pedófilos são inofensivos e que a relação sexual de um menino com
um sacerdote pode ser até uma coisa benéfica. Perigosos mesmo, diz Levine, são
os pais, que projetam “seus medos e seu próprio desejo de carne infantil no
mítico molestador de crianças”.
Organizações feministas ajudam a desarmar as crianças contra os pedófilos e
armá-las contra a família, divulgando a teoria monstruosa de um psiquiatra
argentino segundo a qual pelo menos uma entre cada quatro meninas é estuprada
pelo próprio pai.
A consagração mais alta da
pedofilia vem num número de 1998 do “Psychological Bulletin”, órgão da American
Psychological Association. A revista afirma que abusos sexuais na infância
“não causam dano intenso de maneira pervasiva”, e ainda recomenda que o termo
pedofilia, “carregado de conotações negativas”, seja trocado para “intimidade
intergeracional”.
Seria impensável que tão vasta
revolução mental, alastrando-se por toda a sociedade, poupasse miraculosamente
uma parte especial do público: os padres e seminaristas. No caso destes
somou-se à pressão de fora um estímulo especial, bem calculado para agir desde
dentro.
Num livro recente, Goodbye,
good men, o repórter americano Michael S. Rose mostra que há três décadas
organizações gays dos EUA vêm colocando gente sua nos departamentos de
psicologia dos seminários para dificultar a entrada de postulantes
vocacionalmente dotados e forçar o ingresso maciço de homossexuais no clero.
Nos principais seminários a
propaganda do homossexualismo tornou-se ostensiva e estudantes heterossexuais
foram foçados por seus superiores a submeter-se a condutas homossexuais.
Acuados e sabotados, confundidos e induzidos, é fatal que, mais dia menos dia,
muitos padres e seminaristas acabem cedendo à geral gandaia infantojuvenil.
E, quando isso acontece, todos
os porta-vozes da moderna cultura “liberada”, todo o establishment
“progressista”, toda a mídia “avançada”, todas as forças, enfim, que ao longo
de cem anos foram despojando as crianças da aura protetora do cristianismo para
entregá-las à cobiça de adultos perversos, repentinamente se rejubilam, porque
encontraram um inocente sobre o qual lançar suas culpas.
Cem anos de cultura pedófila,
de repente, estão absolvidos, limpos, resgatados ante o Altíssimo: o único
culpado de tudo é… o celibato clerical! A cristandade vai agora pagar por todo
o mal que ela os impediu de fazer.
Não tenham dúvida: a Igreja é
acusada e humilhada porque está inocente. Seus detratores a acusam porque são
eles próprios os culpados. Nunca a teoria de René Girard, da perseguição ao
bode expiatório como expediente para a restauração da unidade ilusória de uma
coletividade em crise, encontrou confirmação tão patente, tão óbvia, tão universal
e simultânea.
Quem quer que não perceba isso,
neste momento, está divorciado da sua própria consciência. Tem olhos, mas não
vê, tem ouvidos, mas não ouve.
Mas a própria Igreja, se em vez de denunciar seus atacantes preferir curvar-se ante eles num grotesco ato de contrição, sacrificando pro forma uns quantos padres pedófilos para não ter de enfrentar as forças que os injetaram nela como um vírus, terá feito sua escolha mais desastrosa dos últimos dois milênios.
Título e Texto: Olavo de Carvalho, O Globo, 27 de abril de 2002, in “o mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, páginas 425 a 427Digitação: JP, 28-2-2021
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