terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Patacoadas

Aparecido Raimundo de Souza

O CIDADÃO PIRES DA CONCEIÇÃO XICRINHA
requereu, numa das varas de família do Rio de Janeiro, o seu divórcio, tendo em vista que não podia, segundo ele, oferecer nada de bonito e elegante à sua esposa, a bela e esfuziante Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha, ao passo que ela tinha de tudo do bom e do melhor.

De fato, linda e maravilhosa, além de refletida no albor dos vinte, Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha era filha de mamãe e de papai abastados. Apesar de saber do divórcio repentino, num primeiro momento rodou a baiana, subiu nas tamancas, virou bicho. No dia da audiência, mais calma, contratou a sua mãe, advogada porreta e sogra de Pires da Conceição Xicrinha. Os dois (sogra e genro) pareciam gato e rato numa briga desigual para ver quem conseguiria comer o queijo primeiro.

No dia aprazado, todos reunidos na sala de audiência, a mãe advogada pediu a palavra, depois que o juiz abriu a boca e deu por aberta a contenda e mandou aquelas palavras idiotas de sempre, coisas para bois cansados e com sono dormirem logo que se recolhem a seus aposentos reais.

JUIZ:
— Senhora Pedralinda, não existe a possibilidade de ser repensado o pedido aqui protocolado e o casal terminar com os entraves e partir para uma possível reconciliação?
Antes que a autora respondesse, a mãe dela, dona Aurora Tribufú da Costa, tomou a dianteira.

MÃE:
— Na, né, ni, no não, excelência...
O juiz, com cara de tarado escaneou a senhora de cima em baixo ajeitando os óculos para melhor contemplar a beldade que bruscamente o interrompera.

JUIZ:
— A senhora, quem é?
Aurora Tribufú da Costa, mãe de Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha se levantou, num salto e, igualmente, encarou o capa preta:
— Sou a mãe dela, senhor juiz.

JUIZ:
— Senhora, quem precisa decidir é a sua filha. Por favor, fique em silêncio.
A senhora Aurora Tribufu da Costa vociferou:
— Um momento, excelência. Eu preciso esclarecer que...
O juiz, soltou um latido esquisito e estridente dando sinais de furia, como se tivesse sido mordido por um leão esfomeado:
— Senhora, como é seu nome?

MÃE:
— Meu nome é Aurora Tribufú da Costa. E o seu?

JUIZ:
— Isto não vem ao caso. Então, dona Aurora, a senhora como mãe, não pode interferir. Fique calada, ou pedirei que saia desta sala.

A MÃE (DE NOVO):
— Protesto, excelência —, disse, desta vez —, em ar de troça.

O JUIZ (BATEU NA MESA):
— Como é que é?

A MÃE (AGORA, VISIVELMENTE TRÊMULA E NERVOSA):
— Eu protesto. Sou a mãe dela — revelou disparatada.

JUIZ:
— Não importa. Fique de boca fechada. A senhora não pode meter o bedelho.

A MÃE (SOCOU TAMBÉM A MESA, EM REAÇÃO AO ATO DO MAGISTRADO):
— Excelência, sou a mãe dela, como disse e outro detalhe que agora devo trazer à baila. Sou advogada e estou aqui devidamente constituída defendendo os direitos de minha filha, tendo em vista o marido dela (este ai — falou apontando o sujeito) querer dar uma de João sem braço em cima da minha menina. Tomou fôlego e completou a sua fala com a incredulidade de um Galileu. — Se vossa excelência olhar no processo, verá a minha procuração.

O JUIZ (COÇOU A CABEÇA):
— Por que não disse logo que era advogada da separanda?

A MÃE:
— O senhor não perguntou...

JUIZ:
— E por que a sua filha não pode responder ao que perguntei?

MÃE (DESABAFANDO):
— Meu genro, excelência —, esta coisa que divide espaço aqui com a gente —, é o Pires da Conceição Xicrinha. Um pobretão metido a riquinho. Aliás, um riquinho fajuto. Alegou, em sua petição, não sei se o senhor leu, que nada pode oferecer de bonito e elegante à minha querida filha.

E COMPLETOU, CHEIA DE IRA:
— Estou farta de ouvir, nos fóruns da vida, e nas audiências que faço, que os maridos que se queixam alegando que as suas mulheres são bonitas demais para eles, é porque não tem dinheiro suficiente para bancar os gastos mais prementes dos quais elas necessitam no dia a dia. Ou seja, este sujeitinho ai, em resumo, quer dar o golpe. Com a separação, pretende mamar metade dos bens que dei a ela. Eu mato este sujeito, eu mato... Tenho dito...

Juntando as palavras ao gesto, a mãe da jovem abriu a bolsa e empunhou uma trezentos e oitenta novinha em folha. O juiz, apavorado, se escondeu debaixo da mesa. O genro preferiu voar para uma sala contígua, sendo seguido por sua advogada. A promotora de justiça desmaiou.

A escrivã, antes de sair de cena, derrubou o computador que se espatifou, no chão causando uma explosão. Alguém, lá fora, ouvindo a discussão acalorada e os gritos de socorro, chamou os policiais que meteram os pés na porta e contiveram a advogada. Completamente endiabrada, a tresloucada partiu para cima do genro, arma empunhada, prometendo, a brados retóricos, mandá-lo para a terra dos pés juntos. Acabou presa.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 23-2-2021

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