quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Viver para Contar: O pensamento único

Nunca julguei que fosse possível no mundo dito democrático haver uma censura institucionalizada. Mas já há. E é assumida despudoradamente pelo Twitter, pelo Google, pelo YouTube


José António Saraiva

Embora a maioria permaneça alheia a este fenômeno, a tendência para um ‘pensamento único’ em Portugal e no Ocidente é cada vez maior. Não só os mass media condicionam a opinião, divulgando ideias que a maioria absorve acriticamente, como os que contestam essas ideias são perseguidos e censurados. Nunca julguei que fosse possível no mundo dito democrático haver uma censura institucionalizada. Mas já há. E é assumida despudoradamente. O Twitter, o Google, o YouTube censuram livremente mensagens, ‘explicando’ que não se enquadram nos «critérios da comunidade».

Mas quem estabeleceu esses critérios? E quem deu aos gestores dessas redes legitimidade para os aplicar? Argumentam que, sendo empresas privadas, podem fazer o que quiserem. Mas será assim? A companhia da eletricidade ou a companhia das águas podem de um dia para o outro cortar a eletricidade ou a água a um cliente? As empresas não têm de respeitar certos direitos dos cidadãos?

E não me refiro à pornografia nem ao sexo – refiro-me à política, a opiniões políticas. As contas de Trump no Twitter e no Google, por exemplo, foram canceladas definitivamente. Uma das explicações, é que denunciou «sem provas» uma alegada fraude eleitoral. Mas não é verdade que, ao longo de quatro anos, os democratas contestaram os resultados das eleições de 2016, alegando uma «ingerência russa» nunca provada? A censura só funciona para um lado, isto é, para a direita?

Na mesma linha, mas em Portugal, Ana Gomes veio pedir a ilegalização do Chega. Recordo que o líder do Chega, André Ventura, teve quase meio milhão de votos nas presidenciais. Ora, será legítimo impedir estes 500 mil eleitores de terem quem politicamente os represente? Será isso a liberdade?

Passando para outro campo, o da saúde, o que está a passar-se com a pandemia também é muito preocupante. As opiniões dissonantes são censuradas ou estigmatizadas. É certo que há uma opinião esmagadoramente dominante na comunidade médica. E compreende-se: são os médicos quem mais sofre com a pressão da doença, com a falta de meios nos hospitais para tratar os doentes, com a fadiga psicológica. Mas também aqui não é legítimo estabelecer um pensamento único. Há vozes que discordam, por exemplo, do confinamento.

Ora, se parece óbvio, pela própria evolução dos números, que o confinamento faz baixar as infeções e as mortes, também é indiscutível que é terrível em múltiplos aspetos. Recordo que o próprio primeiro-ministro, no outono, disse que não poderíamos voltar ao confinamento, pois tinha consequências económicas e psicológicas insustentáveis. E posteriormente afirmou que não era possível encerrar as escolas, porque tal acarretaria efeitos devastadores para a vida das nossas crianças. Tudo isso está registado e vai acontecer.

Muitas empresas vão fechar para sempre, muita gente vai ser atirada para o desemprego, vai haver muita pobreza, muitas depressões, vai aumentar a criminalidade, vai diminuir a vontade de viver. E por isso o assunto deve ser discutido. Mas as pessoas que procuram fazê-lo são atacadas, ridicularizadas, censuradas. Cá e lá fora.

Mas será que essas pessoas são criminosas, que querem o mal dos outros, que desejam que as pessoas morram? Fernando Nobre, presidente da AMI durante décadas, não é um ignorante e conhece muito bem a realidade das epidemias. E os Médicos pela Verdade não serão com certeza assassinos disfarçados. Simplesmente têm opiniões diferentes da maioria. Muitas outras pessoas, como José Miguel Júdice ou Raquel Varela, situadas por sinal em quadrantes ideológicos opostos, não serão pessoas ‘más’. Simplesmente, têm outras ideias. E é bom ouvir os seus argumentos. Mesmo os ‘negacionistas’, como agora se diz, têm direito a manifestar-se, a explicar o que os move.

Argumentam os ‘adversários’ que eles devem ser silenciados porque são ‘perigosos’. Podem provocar mortes. Mas essa é sempre a justificação da censura… A censura é sempre justificada em nome de um ‘interesse superior’. Acontece que nada é 100% branco ou 100% preto. É óbvio que, com um confinamento a 100%, se ninguém saísse de casa, a propagação da doença parava. Mas a sociedade também. Assim, tem de haver um equilíbrio entre os confinados e os desconfinados. E colocar nos dois pratos da balança os prós e os contras.

Tudo isto deve ser discutido!

Não se pode dizer: os ‘bons cidadãos’ estão a favor do confinamento e os ‘maus’ estão contra.

Para os leitores verem até que ponto tudo isto é discutível, atente-se na América. A América é vista como o pior país do mundo em termos de mortes por covid-19. Donald Trump é encarado por muita gente como o líder mundial que lidou pior com a pandemia, e cuja ação provocou mais mortes. A RTP, a nossa estação pública, transmitiu há tempos um cartoon em vídeo onde o coronavírus disfarçado de Trump andava literalmente a assassinar pessoas. O atual Presidente Biden apontou Trump durante a campanha como o «responsável» por 200 mil mortes. De acordo com a prestigiada ‘revista científica’ The Lancet, 40% das mortes nos EUA poderiam ter sido evitadas.

Ora, olhemos para os números:

No momento em que escrevo, a meio desta semana, o número total de mortes por covid nos Estados Unidos desde o início da pandemia é de 486.286, numa população de 332.839.831. Em Portugal, esse número é de 15.552 mortos, numa população de 10.159.680.

Ora, fazendo as contas, chegamos à conclusão de que o nosso número de mortes é, em termos relativos, superior ao dos EUA. Se a população portuguesa fosse igual à americana, teríamos agora 508.514 óbitos (contra 486.286 da América). Isto contraria seguramente todas as ‘verdades’ que o leitor tinha na cabeça, passadas pelos media nacionais e internacionais, que estão a afeiçoar a informação ao que é politicamente conveniente.

Bastaria isto para sermos mais prudentes nas nossas ‘certezas’ e sobretudo não procurarmos censurar os que têm opiniões diferentes das nossas, mesmo quando nos parecem aberrantes. A liberdade é isso mesmo: é conceder o direito de expressão aos que têm opinião dissonante. Dar liberdade para falar aos que reproduzem o que já pensamos não é liberdade nenhuma. É nos momentos críticos, quando as coisas aquecem e se complicam, que as águas se separam entre os democratas e os não democratas. Entre os que respeitam a opinião dos outros e os candidatos a censores.

Ana Gomes, por exemplo, diga-se o que se disser, é uma censora em potência. E não venha dizer que lutou contra a censura. Lutou, sim, contra a censura exercida pelos seus adversários políticos. Mas se pudesse ser ela a censurar, não se ensaiaria nada. Porque o faria em nome do ‘bem’, contra os ‘fascistas’, contra os que pensam diferentemente dela – e, portanto, merecem ser censurados.

Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 24-2-2021

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