Nunca julguei que fosse possível no mundo dito democrático haver uma censura institucionalizada. Mas já há. E é assumida despudoradamente pelo Twitter, pelo Google, pelo YouTube
José António Saraiva
Embora a maioria permaneça
alheia a este fenômeno, a tendência para um ‘pensamento único’ em Portugal e no
Ocidente é cada vez maior. Não só os mass media condicionam a opinião,
divulgando ideias que a maioria absorve acriticamente, como os que contestam
essas ideias são perseguidos e censurados. Nunca julguei que fosse possível no
mundo dito democrático haver uma censura institucionalizada. Mas já há. E é
assumida despudoradamente. O Twitter, o Google, o YouTube censuram livremente
mensagens, ‘explicando’ que não se enquadram nos «critérios da comunidade».
Mas quem estabeleceu esses
critérios? E quem deu aos gestores dessas redes legitimidade para os aplicar?
Argumentam que, sendo empresas privadas, podem fazer o que quiserem. Mas será
assim? A companhia da eletricidade ou a companhia das águas podem de um dia
para o outro cortar a eletricidade ou a água a um cliente? As empresas não têm
de respeitar certos direitos dos cidadãos?
E não me refiro à pornografia
nem ao sexo – refiro-me à política, a opiniões políticas. As contas de Trump no
Twitter e no Google, por exemplo, foram canceladas definitivamente. Uma das
explicações, é que denunciou «sem provas» uma alegada fraude eleitoral. Mas não
é verdade que, ao longo de quatro anos, os democratas contestaram os resultados
das eleições de 2016, alegando uma «ingerência russa» nunca provada? A censura
só funciona para um lado, isto é, para a direita?
Na mesma linha, mas em Portugal, Ana Gomes veio pedir a ilegalização do Chega. Recordo que o líder do Chega, André Ventura, teve quase meio milhão de votos nas presidenciais. Ora, será legítimo impedir estes 500 mil eleitores de terem quem politicamente os represente? Será isso a liberdade?
Passando para outro campo, o
da saúde, o que está a passar-se com a pandemia também é muito preocupante. As
opiniões dissonantes são censuradas ou estigmatizadas. É certo que há uma
opinião esmagadoramente dominante na comunidade médica. E compreende-se: são os
médicos quem mais sofre com a pressão da doença, com a falta de meios nos
hospitais para tratar os doentes, com a fadiga psicológica. Mas também aqui não
é legítimo estabelecer um pensamento único. Há vozes que discordam, por
exemplo, do confinamento.
Ora, se parece óbvio, pela
própria evolução dos números, que o confinamento faz baixar as infeções e as
mortes, também é indiscutível que é terrível em múltiplos aspetos. Recordo que
o próprio primeiro-ministro, no outono, disse que não poderíamos voltar ao
confinamento, pois tinha consequências económicas e psicológicas
insustentáveis. E posteriormente afirmou que não era possível encerrar as
escolas, porque tal acarretaria efeitos devastadores para a vida das nossas
crianças. Tudo isso está registado e vai acontecer.
Muitas empresas vão fechar
para sempre, muita gente vai ser atirada para o desemprego, vai haver muita
pobreza, muitas depressões, vai aumentar a criminalidade, vai diminuir a
vontade de viver. E por isso o assunto deve ser discutido. Mas as pessoas que
procuram fazê-lo são atacadas, ridicularizadas, censuradas. Cá e lá fora.
Mas será que essas pessoas são
criminosas, que querem o mal dos outros, que desejam que as pessoas morram?
Fernando Nobre, presidente da AMI durante décadas, não é um ignorante e conhece
muito bem a realidade das epidemias. E os Médicos pela Verdade não serão com
certeza assassinos disfarçados. Simplesmente têm opiniões diferentes da
maioria. Muitas outras pessoas, como José Miguel Júdice ou Raquel Varela,
situadas por sinal em quadrantes ideológicos opostos, não serão pessoas ‘más’.
Simplesmente, têm outras ideias. E é bom ouvir os seus argumentos. Mesmo os
‘negacionistas’, como agora se diz, têm direito a manifestar-se, a explicar o
que os move.
Argumentam os ‘adversários’
que eles devem ser silenciados porque são ‘perigosos’. Podem provocar mortes.
Mas essa é sempre a justificação da censura… A censura é sempre justificada em
nome de um ‘interesse superior’. Acontece que nada é 100% branco ou 100% preto.
É óbvio que, com um confinamento a 100%, se ninguém saísse de casa, a
propagação da doença parava. Mas a sociedade também. Assim, tem de haver um
equilíbrio entre os confinados e os desconfinados. E colocar nos dois pratos da
balança os prós e os contras.
Tudo isto deve ser discutido!
Não se pode dizer: os ‘bons
cidadãos’ estão a favor do confinamento e os ‘maus’ estão contra.
Para os leitores verem até que
ponto tudo isto é discutível, atente-se na América. A América é vista como o
pior país do mundo em termos de mortes por covid-19. Donald Trump é encarado
por muita gente como o líder mundial que lidou pior com a pandemia, e cuja ação
provocou mais mortes. A RTP, a nossa estação pública, transmitiu há tempos um
cartoon em vídeo onde o coronavírus disfarçado de Trump andava literalmente a
assassinar pessoas. O atual Presidente Biden apontou Trump durante a campanha
como o «responsável» por 200 mil mortes. De acordo com a prestigiada ‘revista
científica’ The Lancet, 40% das mortes nos EUA poderiam ter sido evitadas.
Ora, olhemos para os números:
No momento em que escrevo, a
meio desta semana, o número total de mortes por covid nos Estados Unidos desde
o início da pandemia é de 486.286, numa população de 332.839.831. Em Portugal,
esse número é de 15.552 mortos, numa população de 10.159.680.
Ora, fazendo as contas,
chegamos à conclusão de que o nosso número de mortes é, em termos relativos,
superior ao dos EUA. Se a população portuguesa fosse igual à americana,
teríamos agora 508.514 óbitos (contra 486.286 da América). Isto contraria
seguramente todas as ‘verdades’ que o leitor tinha na cabeça, passadas pelos
media nacionais e internacionais, que estão a afeiçoar a informação ao que é
politicamente conveniente.
Bastaria isto para sermos mais
prudentes nas nossas ‘certezas’ e sobretudo não procurarmos censurar os que têm
opiniões diferentes das nossas, mesmo quando nos parecem aberrantes. A
liberdade é isso mesmo: é conceder o direito de expressão aos que têm opinião
dissonante. Dar liberdade para falar aos que reproduzem o que já pensamos não é
liberdade nenhuma. É nos momentos críticos, quando as coisas aquecem e se
complicam, que as águas se separam entre os democratas e os não democratas.
Entre os que respeitam a opinião dos outros e os candidatos a censores.
Ana Gomes, por exemplo,
diga-se o que se disser, é uma censora em potência. E não venha dizer que lutou
contra a censura. Lutou, sim, contra a censura exercida pelos seus adversários
políticos. Mas se pudesse ser ela a censurar, não se ensaiaria nada. Porque o
faria em nome do ‘bem’, contra os ‘fascistas’, contra os que pensam
diferentemente dela – e, portanto, merecem ser censurados.
Título e Texto: José
António Saraiva, SOL,
24-2-2021
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