Mim progressista, tu conservador, ou
vice-versa, como se diria na diplomacia do Tarzan
Guilherme Fiuza
A falsidade da dicotomia
direita x esquerda ou conservadores x progressistas ou congêneres não é só
perda de tempo. Ela hoje atrapalha bastante a vida real. Por isso não é um capricho
repudiar a mania geral de enfiar tudo nesses rótulos toscos. Eles estão servindo
para alimentar autoritarismos e corrupção intelectual.
Na época do Plano Real essa
neurose era mais branda — até porque o Muro de Berlim tinha caído apenas cinco
anos antes e, com o fim da Guerra Fria, o mundo achava que estava livre também
das mentes binárias. Pobre mundo. Mal sabia ele quanto a humanidade ama mentes
binárias. As patrulhas da época — que eram brincadeira de criança perto das
atuais — resolveram dizer que o Plano Real era de direita, neoliberal etc.
O problema foi que o Real
melhorou todos os indicadores sociais, elevou a renda dos mais pobres.
Problemão. Aí virou o quê? Um plano de esquerda? Progressista? A solidariedade
não é, segundo as mentes binárias, monopólio ou pelo menos bandeira desse
suposto segmento ideológico? Ainda por cima veio a privatização da telefonia —
também rotulada como uma medida neoliberal, de direita etc. — e ampliou os
ganhos para a população em geral, especialmente a de baixa renda. E agora?
Não mudou nada. Os hipócritas
continuaram chamando aquilo de “privataria” e o Real de estelionato eleitoral,
porque o truque você já entendeu qual é: manter-se numa trincheira imaginária
para poder praguejar contra os “poderosos” em favor do “povo” ou coisa que o
valha. Desmascarar hipócritas é “conservadorismo”? Com todo o respeito aos
fanáticos por esse álbum de figurinhas, por que isso não poderia ser chamado de
“desmascarar hipócritas”?
Porque aí você tira todo mundo das trincheiras imaginárias — inclusive as do outro lado. Nesse caso jamais poderia surgir um paraquedista como Wilson Witzel (o governador do RJ afastado pelo Covidão) se apresentando como um representante da direita contra a esquerdalha. Indumentária ideológica distingue picaretas? Não. Só protege.
A praga politicamente correta
— moralismo cosmético que não ajuda ninguém — virou um ativo mercadológico. O
que está acontecendo por exemplo com as grandes plataformas de rede social —
que foram e continuam sendo uma inegável revolução democrática — é típico desse
supermercado de virtudes. Não tem nada a ver com ideologia. Aliás, as formas de
vida e de comportamento nas sociedades nunca estiveram tão parecidas e até
harmonizadas — em parte devido às aproximações propiciadas pelas próprias tecnologias
de comunicação. O mundo foi se conectando e resolveu brincar de segregar.
Mim progressista, tu
conservador, ou vice-versa, como se diria na diplomacia do Tarzan.
O governo Trump, por exemplo,
foi benéfico para todas as minorias, sem exceção — tanto em termos econômicos
quanto de liberdade —, e isso precisa ser omitido para não estragar a
caricatura do vilão reacionário, que alimenta os libertários de proveta. O
banimento de Trump de redes sociais foi um troféu “pacifista”. Mas a violência
de grupos que fazem demagogia racial é tolerada pelos que dizem combater a onda
de ódio. E o que protege essa hipocrisia? O rótulo.
Mim progressista, portanto,
mim pacifista, empático etc. E o sujeito que só quer trabalhar e levar a vida
sem parasitas no seu cangote cai na armadilha e reage: mim conservador do bem,
tu progressista do mal etc.
Rasguem essa fantasia. As
coisas mais importantes e urgentes que a humanidade precisa fazer hoje não
dependem dessa dicotomia tola. Rompam o pacto de hipocrisia das mentes binárias.
Elas conseguiram transformar a ideia de “salvar vidas” em vídeo game retórico.
Precisa mais o quê?
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, revista Oeste, nº 48, 19-2-2021
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