Aparecido Raimundo de Souza
Sozinho, desde
sempre, sem o esteio desse passado, me fiz poço abandonado, cuja água se fez
turva e nojosa. Manhã vazia e tristonha, não me abri num sol radiante para
aquecer o âmago sofrido de minha desilusão imorredoura. Igual fantasma, vago
por artérias devolutas e ociosas, onde labirintos iracundos criaram formas
grotescas dentro das recordações.
De contrapeso,
implodiu, bem lá no infinito do meu abscôndito, a bomba da sublimação e da
insensatez, demolindo, de forma total, a passagem salvadora que me levaria em
busca de outro porvir cheio de novas perspectivas de horizontes. Às cegas, sem
saída, sem válvula de escape, sem tábua de salvação, divorciado da ideia de
saber para onde ir, procuro às apalpadelas, uma determinada passagem propiciosa
que me conduza à algum lugar menos enganoso e degradante.
Sinto
imensa vontade de reverter meus
fracassos e atroamentos. Careço fixar meus pés num chão de terra sólido e
deixar de viver, de modo errôneo e ocioso. Meus objetivos, ultimamente, têm
sido o de corporificar um futuro sem sombras, sem espantos e temores, sem
dissabores e incertezas. Estou cansado de infortúnios e martírios. Por conta deles, trago no olhar exaustivo, a
visão apagada de tantas estradas batidas e repisadas na busca inútil e
improfícua, de aspirações e afoitezas nunca proclamadas solenes e memoráveis.
Existem, a olhos nús, sinais profundos em meu corpo. Cicatrizes descomunais que falam mais acentuadamente das minhas pelejas travadas desigualmente contra os inimigos ocultos... Criaturas fantasmagóricas encontradas vagando a esmo ao longo dos caminhos por onde andei. Estes desafeiçoados encobertos e absconsos, não outros senão a Fome e a Sede. Ambas, em parceria com a Doença e a Desgraça, levam muitas vezes o homem (ainda que bem preparado), às raias comuns do desalento e do derrotismo, senão, igualmente, à prostração de uma angústia cada vez mais exacerbada.
Por esta
razão, queria, agora, ser livre como uma avezinha que acabou de fugir da
gaiola. Voar solta pelos campos e pousar em árvores as mais diversas e sentir a
fragrância das folhas contaminando meu corpo com a singeleza de um perfume
jamais sentido. Me perder nas incertezas da pureza bucólica e ouvir a
orquestração de um bando de pássaros anunciando um novo porvir.
Meu Deus,
quem me dera parar esse tempo! Ou melhor, este agora. Esquecer o atual coadjuvante
das coisas que me cercam. Fechar os olhos do coração para todas as tristezas e
dversidades. Abandonar, na distância do nunca, as tormentas infelizes que
destruíram o que havia de bonito e alegre dentro de mim. Mergulhar na cavitação
da terra aniquilada, penetrar no desconhecido ainda não fecundado da alma;
sempre com aquela esperança perenal de achar; num desvão não tocado; um novo porvindouro; quem
sabe uma posteridade onde me sentisse; finalmente; dono de meu próprio destino.
Dentro de
mim existe um homem. Um cara forte, um sujeito taludo e fornido. Ele,
entretanto, está tolhido. Amarrado às garras de um mundinho estranho e desconhecido.
Quer, reagir, se insurgir, se sublevar.
Todo meu ser clama pela liberdade de uma nova vivência iteralmente aparatada. Contenda
e turra, se afoita, apesar dos pesares, por dias melhores. O problema é que não
sei, em que ponto do meu incerto, estacionei feito um palerma, na passagem desaguisada
do tempo.
Foi por
isto e, desta maneira infamante, deixei passar e não só passar, escapar,
também, das minhas mãos, um longo período da minha pregressividade gradual. Neste dessiso depreciativo, não busquei sonhar
sonhos novos. Não alimentei, ou pior, não alavanquei renovar meu espírito. Meu
‘eu’ interior, se esvaziou por completo, fazendo com que a minha estrutura não
se fortificasse junto às intempéries sentidas na pele. Em contrapartida, não
desejei um sol ardente, aquecido por bons fluidos, nascido abrasador e queimoso
de dentro do regaço da minha fonte primária.
Ficaram,
percebo agora, muitas coisas esfaceladas ao acaso. Esperanças largadas ao léu.
A vontade de prosperar abandonada ao descaso da minha falta de tino e cautela.
Esta sucessão de tempo que eu perdi, obviamente se encarregou de destruir, um
por um, sem deixar um sinal transparente para um recomeço próspero. Sem
contrapor marcas, por mais indeléveis que fossem, dentro do meu passado
adormecido. Apesar de tudo isto, eu sigo em frente. Declínio, decadência, retrocesso?
Jamais! Passos atrás... Passos atrás, nem para tomar impulso.
Título e Texto:
Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo, 19-2-2021
Colunas anteriores:
Para todas as horas
Renúncia
Presença
Distorções de um cotidiano diário
Acuado
O fescenino do caráter ruim
Invenção de espanto
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