sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Marcas

Aparecido Raimundo de Souza

E ASSIM... ABRUPTAMENTE, se evaporou o tempo. O meu tempo. Ficaram, em declínio sepultado, muitos sonhos e esperanças! Depois, veio o destino incerto, com sede de vingança, e se encarregou em destruir, um a um, esses sonhos e esperanças, sem deixar pontos de apoio no passado adormecido. Quanto a mim, por conta, estacionei nessa passagem premeditada do tempo, enquanto outros, ao meu redor, galgavam, cheios de orgulho e vaidade, a vitoriosa conquista da felicidade.

Sozinho, desde sempre, sem o esteio desse passado, me fiz poço abandonado, cuja água se fez turva e nojosa. Manhã vazia e tristonha, não me abri num sol radiante para aquecer o âmago sofrido de minha desilusão imorredoura. Igual fantasma, vago por artérias devolutas e ociosas, onde labirintos iracundos criaram formas grotescas dentro das recordações.

De contrapeso, implodiu, bem lá no infinito do meu abscôndito, a bomba da sublimação e da insensatez, demolindo, de forma total, a passagem salvadora que me levaria em busca de outro porvir cheio de novas perspectivas de horizontes. Às cegas, sem saída, sem válvula de escape, sem tábua de salvação, divorciado da ideia de saber para onde ir, procuro às apalpadelas, uma determinada passagem propiciosa que me conduza à algum lugar menos enganoso e degradante.

Sinto imensa vontade de reverter  meus fracassos e atroamentos. Careço fixar meus pés num chão de terra sólido e deixar de viver, de modo errôneo e ocioso. Meus objetivos, ultimamente, têm sido o de corporificar um futuro sem sombras, sem espantos e temores, sem dissabores e incertezas. Estou cansado de infortúnios e martírios.  Por conta deles, trago no olhar exaustivo, a visão apagada de tantas estradas batidas e repisadas na busca inútil e improfícua, de aspirações e afoitezas nunca proclamadas solenes e memoráveis.

Existem, a olhos nús, sinais profundos em meu corpo. Cicatrizes descomunais que falam mais acentuadamente das minhas pelejas travadas desigualmente contra os inimigos ocultos... Criaturas  fantasmagóricas encontradas vagando a esmo ao longo dos caminhos por onde andei. Estes desafeiçoados encobertos e absconsos, não outros senão a Fome e a Sede. Ambas, em parceria com a Doença e a Desgraça, levam muitas vezes o homem (ainda que bem preparado), às raias comuns do desalento e do derrotismo, senão, igualmente, à prostração de uma angústia cada vez mais exacerbada.

Por esta razão, queria, agora, ser livre como uma avezinha que acabou de fugir da gaiola. Voar solta pelos campos e pousar em árvores as mais diversas e sentir a fragrância das folhas contaminando meu corpo com a singeleza de um perfume jamais sentido. Me perder nas incertezas da pureza bucólica e ouvir a orquestração de um bando de pássaros anunciando um novo porvir.

Meu Deus, quem me dera parar esse tempo! Ou melhor, este agora. Esquecer o atual coadjuvante das coisas que me cercam. Fechar os olhos do coração para todas as tristezas e dversidades. Abandonar, na distância do nunca, as tormentas infelizes que destruíram o que havia de bonito e alegre dentro de mim. Mergulhar na cavitação da terra aniquilada, penetrar no desconhecido ainda não fecundado da alma; sempre com aquela esperança perenal de achar; num  desvão não tocado; um novo porvindouro; quem sabe uma posteridade onde me sentisse; finalmente; dono de meu próprio destino.

Dentro de mim existe um homem. Um cara forte, um sujeito taludo e fornido. Ele, entretanto, está tolhido. Amarrado às garras de um mundinho estranho e desconhecido. Quer, reagir, se insurgir, se  sublevar. Todo meu ser clama pela liberdade de uma nova vivência iteralmente aparatada. Contenda e turra, se afoita, apesar dos pesares, por dias melhores. O problema é que não sei, em que ponto do meu incerto, estacionei feito um palerma, na passagem desaguisada do tempo.

Foi por isto e, desta maneira infamante, deixei passar e não só passar, escapar, também, das minhas mãos, um longo período da minha pregressividade  gradual. Neste  dessiso depreciativo, não busquei sonhar sonhos novos. Não alimentei, ou pior, não alavanquei renovar meu espírito. Meu ‘eu’ interior, se esvaziou por completo, fazendo com que a minha estrutura não se fortificasse junto às intempéries sentidas na pele. Em contrapartida, não desejei um sol ardente, aquecido por bons fluidos, nascido abrasador e queimoso de dentro do regaço da minha fonte primária.

Ficaram, percebo agora, muitas coisas esfaceladas ao acaso. Esperanças largadas ao léu. A vontade de prosperar abandonada ao descaso da minha falta de tino e cautela. Esta sucessão de tempo que eu perdi, obviamente se encarregou de destruir, um por um, sem deixar um sinal transparente para um recomeço próspero. Sem contrapor marcas, por mais indeléveis que fossem, dentro do meu passado adormecido. Apesar de tudo isto, eu sigo em frente. Declínio, decadência, retrocesso? Jamais! Passos atrás... Passos atrás, nem para tomar impulso.  

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo, 19-2-2021

Colunas anteriores: 
Para todas as horas 
Renúncia 
Presença 
Distorções de um cotidiano diário 
Acuado 
O fescenino do caráter ruim 
Invenção de espanto 

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