Henrique Pereira dos Santos
1) não é preciso coragem nenhuma para escrever um texto qualquer num jornal, não vivemos em nenhuma ditadura e não me acontece nada de especial por causa do que escrevo, coragem é Navalny voltar para a Rússia;
2) a haver alguma coragem, ela está do lado de quem decidiu
publicar o texto no Observador, não só por ser precisa alguma coragem para
aceitar dar publicidade a críticas tão ácidas, como o mais natural é que essa
publicação seja uma fonte de problemas dentro da redação do Observador
Hoje o Observador
publica um texto meu, acidamente crítico da cobertura que o Observador faz da epidemia (o
que digo sobre o Observador é, em grande medida, extensível ao resto da
comunicação social, mas o Observador merece-me mais respeito que uma boa parte
do resto da imprensa).
Gostaria em primeiro lugar de
sublinhar o fair-play que o Observador demonstra ao publicar este texto: eu
perceberia perfeitamente se fosse recusado.
Miguel Pinheiro, diretor
executivo do Observador não resistiu ao habitual abuso de posição dominante que
consiste em atribuir sempre ao jornalista a última palavra, e publicou ao mesmo tempo a sua resposta às minhas críticas.
Talvez por inépcia minha, não encontrei maneira de fazer comentários a qualquer dos textos, e por isso não pude agradecer no sítio adequado a deferência de Miguel Pinheiro dar importância suficiente ao que escrevi para, excepcionalmente, responder a um texto de opinião que faz paralelismos entre o Secretariado Nacional de Informação do Estado Novo e a redacção do Observador (no que à epidemia diz respeito, claro).
Embora eu tenha procurado fundamentar claramente o paralelismo que estabeleci, talvez agora possa ser mais claro usando uma citação da enciclopédia britânica sobre o totalitarismo:
"The totalitarian state
pursues some special goal, such as industrialisation or conquest, to the
exclusion of all others. All resources are directed toward its attainment,
regardless of the cost. Whatever might further the goal is supported; whatever
might foil the goal is rejected. This obsession spawns an ideology that
explains everything in terms of the goal, rationalising all obstacles that may
arise and all forces that may contend with the state. The resulting popular
support permits the state the widest latitude of action of any form of
government. Any dissent is branded evil, and internal political differences are
not permitted. Because pursuit of the goal is the only ideological foundation
for the totalitarian state, achievement of the goal can never be
acknowledged.".
A minha opinião é de que o
essencial do que é dito acima caracteriza a cobertura que o Observador faz da
epidemia, o que está muito longe de querer dizer que a redacção do Observador,
e muito menos o Observador, são totalitários, ou defendem qualquer
totalitarismo - não é de mais sublinhar o facto de terem publicado o meu texto.
Sobre isso, o que tem Miguel
Pinheiro a dizer?
1) Que eu confundo as opiniões
dos jornalistas sobre a atualidade com jornalismo. É verdade, neste ponto
Miguel Pinheiro tem toda a razão, eu, e a generalidade das pessoas, acham que
se há um programa em que os jornalistas analisam a atualidade, isso faz parte
da oferta informativa, mas Miguel Pinheiro tem razão na distinção formal entre
isso e a publicação de notícias. O corolário da aceitação dessa distinção
formal é a de que não se compreende para que raio convidam jornalistas para
fazer programas de opinião sobre a atualidade se não é jornalismo, mas opinião,
e a sua condição de jornalistas é irrelevante, não havendo outra que os
qualifique para emitir opiniões sobre o que quer seja.
2) Miguel Pinheiro pretende que eu sou um conspiracionista, baseando-se numa interpretação abusiva do que escrevi. Miguel Pinheiro diz que sugiro que a redacção do Observador tem um comando central que determina a forma como a redacção cobre a epidemia. Simplesmente isso não está no meu texto - eu limito-me a constatar que a redação adotou o princípio base de pôr toda a gente com uma única ideia na cabeça, em lado nenhum sugiro, sequer, que isso resulte de qualquer comando na redação e não da livre opção de cada um dos jornalistas, é o que habitualmente se chama "jornalismo de rebanho".
Não há nada de conspiracionista
nisto, é uma mera opinião que pode facilmente ser contestada mostrando onde
estão as peças da redação do Observador que saiam do padrão geral em que se
chega a afirmar que uma variante com uma letalidade de 4% é mais letal que
outra variante com uma letalidade de 5%. Sobre isso, Miguel Pinheiro, aos
costumes disse nada.
3) Miguel Pinheiro, em vez de
responder aos meus argumentos, passa grande parte do texto a fazer comentários
pessoais, alguns bastante estranhos como dizer que colaborei brevemente com a
redacção do Observador quando fiz parte de um painel de não jornalistas que
conversavam sobre ambiente num programa da Rádio Observador. É verdade que na
única reunião que tive com Miguel Pinheiro, no âmbito da preparação desse
programa, essa foi uma das promessas de Miguel Pinheiro aos participantes no
programa - alguma interação com a redacção do Observador para mútuo benefício
no tratamento de questões ambientais - mas sucede que isso nunca aconteceu,
portanto nem percebi a que propósito essa conversa aparece no texto de resposta
ao que escrevi.
4) Miguel Pinheiro entra depois num registro bem mais grave. No meu texto digo que não se entende por que razão, ao fazer um livro branco sobre a epidemia, o Observador não escolheu nenhum epidemiologista com provas dadas. É uma crítica geral aos métodos da redação do Observador, não faz a menor referência aos conteúdos expressos por esses especialistas. Miguel Pinheiro confirma que quatro dos cinco especialistas ouvidos não são epidemiologistas - sem perder tempo a explicar esse estranho critério de elaboração de um livro branco - e refere um quinto como sendo mesmo epidemiologista e, evitando dizer de quem fala, acrescenta "aliás, é membro do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge".
Por exclusão de partes, devo concluir que se trata de Ricardo Mexia, que é médico de saúde pública (sim, eu sei que se apresenta também como epidemiologista), ou seja, Miguel Pinheiro, em vez de explicar por que razão o único epidemiologista ouvido é Ricardo Mexia, não só tem o desplante de omitir o nome do visado, como me atribui a mim intenções escusas ao fazer uma pergunta simples: que critérios usa o Observador para ouvir quem ouve e para escolher quatro não epidemiologistas e meio, mais meio epidemiologista sem trabalho reconhecido pelos pares nessa especialidade, para apoiar um livro branco sobre a epidemia?
Não, meu caro Miguel, não se trata de eu gostar ou não gostar das opiniões das pessoas escolhidas (por exemplo, gosto imenso de ouvir Roberto Roncón, sobretudo naquilo em que tem verdadeira competência, e é perfeitamente justificado que o ouçam no capítulo sobre a resposta do SNS à epidemia), trata-se da obrigação do Observador explicar por que razão, na elaboração de um livro branco sobre a epidemia, resolve não ouvir epidemiologistas com provas dadas.
E convenhamos que é ridículo dizer que ao
referir "com provas dadas" eu esteja a querer dizer "com os
quais concordo". Trata-se de um truque de retórica de Miguel Pinheiro para
manter o seu registo de comentários sobre mim, para responder a uma opinião
sobre o Observador, fugindo ao que seria útil: discutir os argumentos de
substância que estão no meu artigo, como por exemplo, erros crassos (sempre no
sentido da catástrofe) ou a escolha da citação de Henrique Oliveira, em
assuntos que não fazem parte das suas competências e que as conclusões do livro
branco contrariam de forma muito sustentada.
Em síntese, obrigado Miguel
Pinheiro pelo grande fair play em publicar o que escrevi e, mais ainda, muito
obrigado pela eloquente demonstração do que digo no meu artigo que a sua
resposta é.
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
25-3-2021
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