Olavo de Carvalho
Não creio ter merecido a
gozação que o caro embaixador Meira Penna fez comigo no JT do dia 15, ao
dizer que atribuo o esquerdismo febril da nossa mídia a “uma conspiração com
centro diretor em Moscou”.
Doravante, meus detratores
poderão alegar que até um de meus melhores amigos, intelectual digno de todo o
respeito, me cataloga entre os teóricos da conspiração. Mas é claro que o
embaixador não quis nada disso: apenas abreviou em excesso uma referência que,
por extenso, ocuparia todo o seu cargo. Compactada até o absurdo, virou caricatura,
facilitando involuntariamente a negação maliciosa dos fatos que o próprio Meira
Penna denunciava.
O expediente usual de quem
nada tem a responder a uma denúncia irrefutável é deformá-la por meio de um
rótulo pejorativo – e “teoria da conspiração” é pejorativo o bastante para
colocar o acusado sob suspeita de delírio paranoico. O Próprio embaixador,
malgrado suas preocupações, não escapará dessa rotulação.
É verdade que a maioria dos usuários do termo só soube dele pelo filme com Mel Gibson e Julia Roberts, mas isso só dá ainda maior eficácia ao seu emprego difamatório, pois a plateia também está por fora do assunto e nada tem mais força persuasiva do que a cumplicidade espontânea de duas ignorâncias.
Se você quer ser acreditado
sem a mínima contestação, fale sobre coisas das quais nada sabe a alguém que
delas tudo ignore. É infalível. Na ausência total de referência objetiva, a
unanimidade sonsa é uma tábua para os náufragos.
É óbvio que nunca expliquei o
esquerdismo da mídia por qualquer conspiração, e sim pela hegemonia de um
movimento de massas que, pelo seu próprio tamanho, é o inverso de uma
conspiração. A dominação esquerdista é gritante, escancarada e cínica, a ponto
de nem sequer precisar responder aos seus críticos.
Conspiração é, ao contrário,
uma trama secreta com objetivos pontuais, urdida entre o menor número possível
de participantes para evitar vazamentos, e posta em execução pelos meios mais
discretos à disposição dos interessados.
Uma “teoria da conspiração” é o oposto exato da explicação fundada numa estratégia ampla e de longo prazo como a da “revolução cultural” gramsciana.
Mas não importa: no Brasil os
termos correntes do vocabulário político nunca são usados para designar os
objetos que lhes correspondem, mas para expressar os sentimentos toscos e
confusos de adesão ou repulsa que se agitam na alma do falante. Por isso mesmo,
as genuínas teorias da conspiração nunca são impugnadas como tais. São aceitas,
ao contrário, como verdades de senso comum, com a condição única de que o
suspeito da trama seja norte-americano.
A população brasileira está
maciçamente persuadida de que a CIA matou Kennedy, de que o Pentágono montou o
golpe militar de 194 no Brasil e o de 1973 no Chile, e de que um grupo de
astutos capitalistas do petróleo planejou a invasão do Iraque.
Se, porém, desafiando as
coerências estereotipadas, você informa que Jimmy Carter usou o FMI para
estrangular o governo Somoza e entregar o poder aos sandinistas, que Bill
Clinton cedeu à China segredos nucleares vitais depois de eleito com verbas de
propaganda chinesas, e que Al Gore é acionista de uma empresa que faz lavagem
de dinheiro para o Cominterm, você é carimbado imediatamente de “teórico da
conspiração”, embora nem de longe esteja falando de conspirações e sim de dados
oficiais, públicos e amplamente documentados.
“Teoria da conspiração” é,
igualmente, qualquer menção, por mais leve e indireta, à ação do KGB no mundo,
quanto mais no Brasil. O KGB, no imaginário nacional, é uma entidade etérea e
inexistente, criada pela engenhosidade pérfida de conspiradores anticomunistas.
Documentos, testemunhos, análises, bibliotecas inteiras nada podem contra a
força obstinada dos símbolos mágicos inoculados, desde os bancos escolares, no
fundo das almas de milhões de brasileiros.
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