Com o 'dinheiro de helicóptero', o governo se aproveita da ignorância das massas. Quando o Estado assina um cheque para Pedro, pode ter certeza de que é João pagando a conta
Rodrigo Constantino
Abri a caixa de correio e
encontrei um envelope do governo federal. Não se brinca com isso por aqui.
Passado o susto, abri e encontrei um cheque, no valor de US$ 600, assinado pelo
então presidente Trump. Isso foi em 2020, referente ao auxílio distribuído pelo
governo e aprovado pelo Congresso. Esta semana recebi outra carta comunicando
que um novo cheque no mesmo montante está a caminho. Não posso negar que fiquei
feliz, com uma grana inesperada. Mas refleti: quem é que paga essa conta?
Não fui o único do grupo de
brasileiros de Weston a receber essa “ajudinha”. São pessoas que pagam impostos
ao IRS, a Receita Federal norte-americana, mas que certamente não precisam
desse auxílio. Ocorre que a ajuda foi generalizada, de acordo com as
declarações de impostos, e dezenas de milhões de norte-americanos e residentes
a receberam, com um critério bem flexível. Se há algo que se aproxima na
prática da tese econômica do “dinheiro de helicóptero” é isso: abrir a caixa de
correio e deparar com US$ 1.200 “de bobeira”. Isso é sustentável, porém?
Ninguém nega a dificuldade de muitos nessa pandemia, em especial com decisões de governadores de fechar tudo, impor várias restrições ao comércio, adotar o lockdown cuja eficácia carece de comprovação científica. Ninguém nega também que um país rico como os Estados Unidos seja capaz de estender essa enorme rede de proteção num momento tão delicado. Mas dinheiro não atura desaforo, como meu pai sempre me ensinou. E sair distribuindo recursos por meio do Estado é a própria definição de desaforo, no caso.
Quando Obama assumiu o comando
da nação, a dívida pública federal era da ordem de US$ 13 trilhões. Hoje é
basicamente o dobro! Os maiores vilões são os entitlements, os direitos
estabelecidos que são repasses para os mais carentes. Milhões de
norte-americanos recebem food stamps, têm o Medicare e o Medicaid,
as aposentadorias do Social Security, vários programas sociais visando a
minorias e por aí vai. Na teoria, tudo muito bonito, em busca de melhores
oportunidades. Na prática, porém, fica a lembrança de que, além de um mecanismo
perverso de incentivos, alguém terá de pagar essa conta toda.
Não é um problema só
norte-americano, sem dúvida, e isso é parte do problema. Como o mundo todo está
bastante endividado, a coisa vira uma espécie de “concurso de feiura”, ou seja,
os investidores não têm para onde correr em busca de um safe haven,
um porto-seguro. Não é por acaso que o valor de criptomoedas disparou, como no
caso da bitcoin, a mais famosa delas. Assim como o ouro, elas se tornaram uma
válvula de escape para quem não enxerga um fim bonito para tanto abuso.
Quando o dinheiro compulsório do governo perde sua credibilidade, o
mercado adota algum mecanismo substituto
O economista austríaco Ludwig
von Mises deixa claro que a inflação não é um ato divino, mas sim um resultado
de políticas de governo. Ela é um subproduto das doutrinas que delegam ao
governo o poder mágico de criar riqueza do nada e fazer o povo feliz por meio do
aumento da “renda nacional”. É a ilusão de que o governo pode aumentar a
riqueza real por meio de um estímulo artificial na atividade econômica,
expandindo a circulação de dinheiro. O crédito fácil é visto como um substituto
para o capital, e esse caminho leva inexoravelmente a graves crises.
A ignorância do público é
indispensável para essa política inflacionária. Mas, como dizia Lincoln, não é
possível enganar todas as pessoas o tempo todo. Quando as massas entendem os
esquemas dos governantes, e notam que o aumento dos preços é generalizado e
artificial, então os planos inflacionários entram em colapso. O dinheiro só é
aceito como tal se o comércio assim desejar. Quando o dinheiro compulsório do
governo perde sua credibilidade, o próprio mercado adota algum mecanismo
substituto. O papel-moeda passa a não valer mais nada, como aconteceu na
Alemanha e no Brasil, e ocorre atualmente no Zimbábue e na Venezuela.
O poder da impressão de
dinheiro artificial nas mãos do governo sempre foi um enorme risco para a
liberdade e a prosperidade dos povos. Esse poder foi utilizado de forma abusiva
desde quando o imperador romano Diocleciano resolveu reduzir o teor metálico
das moedas, fazendo com que perdessem valor real. Em situações mais
emergenciais, essa prerrogativa sempre costuma ser usada pelos governos. Em
tempos de uma suposta ameaça de guerra ou crise econômica, os governantes
acreditam na necessidade urgente de aumento dos gastos públicos, mas muitas
vezes a maioria do povo não concorda. Afinal, é preciso combinar com quem arca
com a fatura, certo?
O governo, então, ignora a
saída democrática de propor uma votação sobre os necessários sacrifícios
momentâneos, preferindo o caminho do engano, por meio da política inflacionária
ou da emissão de nova dívida. Não há transparência sobre os custos reais dessas
medidas, e o governo se aproveita da ignorância das massas. O recurso
inflacionário garante ao governo os fundos que ele não conseguiria captar por
meio dos impostos diretos. Eis o verdadeiro motivo para uma política
inflacionária.
Todos gostam da ideia de
dinheiro caindo do céu. Eu tenho “lugar de fala” para atestar a dopamina que o
corpo produz quando isso acontece. Mas riqueza não brota do solo nem cai do
céu, e dinheiro é apenas um símbolo para a riqueza, que precisa ser produzida.
O Estado não cria riqueza; ele apenas a transfere, normalmente cobrando enorme
pedágio no processo, para sustentar sua pesada máquina burocrática. Socialistas
ignoram o conceito de escassez e acham que basta o Estado distribuir recursos
para todos viverem de forma “digna”. Mas o socialismo sempre fracassa, pois o
dinheiro dos outros inevitavelmente acaba — ou foge.
“O Estado é uma grande ficção
por meio da qual todos querem viver à custa de todos”, definiu o economista
liberal francês Frédéric Bastiat. A maior prova disso é ver economistas
“renomados” alegando que não há nenhum problema nessa montanha de dívidas
públicas federais, pois “devemos a nós mesmos”. É o perigo do coletivismo, de
olhar a macroeconomia e esquecer a micro, feita por indivíduos de carne e osso.
Quando o Estado assina um cheque para Pedro, pode ter certeza de que é João
pagando a conta. O Estado não pode dar nada sem antes tirar.
Sim, é gostoso receber um
“almoço grátis”. Mas logo depois lembramos, os que entendem algo de economia,
que o rango foi pago, e normalmente saiu bem caro, pois o governo, ao gastar
recursos da “viúva”, não costuma se importar tanto com os “detalhes” de custo e
benefício.
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista Oeste, nº 52, 19-3-2021
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