Nossa revolução não acontecerá depois de algumas batalhas. Tampouco ela está perdida porque colecionamos mais derrotas do que vitórias até aqui
Ana Paula Henkel
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Montagem fotográfica sobre monumento em homenagem a George Washington (1732–1799) |
A vida do brasileiro não é
fácil. Nunca foi, mas sempre conseguimos tocar o dia a dia com um otimismo
inebriante, digno de embasbacar qualquer estrangeiro. Somos constantemente
alcançados por tentáculos, vindos de várias partes, que impedem que a nação
tome um rumo de verdadeiro progresso. Falo daquele progresso sem volta, quando
ações que causariam retrocessos grotescos são colocadas num baú guardado no
passado e apenas o horizonte à nossa frente brilha.
Temos um Estado inchado,
onipotente e onipresente a quem temos de pedir bênção ou permissão para tudo.
Temos uma Constituição extensa e confusa demais. Temos mais de trinta partidos
políticos que trocam de opiniões e “princípios” como seus representantes trocam
de roupa. Temos um Congresso abarrotado de parlamentares encalacrados com uma
Justiça leniente, e que são protegidos pela mais alta Corte do país.
E essa Corte, que deveria
salvaguardar a Constituição, por mais imperfeita que ela seja, com a atual
composição de ministros se transformou numa corte política. Diante das mais
absurdas e inconstitucionais decisões, o Supremo Tribunal Federal tornou-se a
maior fonte de decepções, tristezas e incertezas. Não respeita mais o povo, a
Constituição e nenhum braço importante de nossas instituições. Juízes de
primeira e segunda instâncias, policiais, membros do Ministério Público. A
atual insegurança jurídica causada pelo Supremo Tribunal Federal em razão das
decisões tomadas em total desconformidade com as competências
constitucionalmente estabelecidas afeta diretamente nossos direitos, garantias
fundamentais e futuro.
Mas, se o STF é capaz de impor
tanta instabilidade e apreensão, contribuindo de modo incontestável para a
perpetuação da corrupção e da impunidade; se o Congresso, uma de nossas
ferramentas de freios e contrapesos, se acovarda diante desses atos, a quem
podemos recorrer antes que nosso último fio de esperança se esvaia em decepções
diárias?
Acredito que, no momento, haja apenas um caminho para nós: a História. Em tempos de pura escassez de líderes inspiradores, é preciso resgatar os bravos exemplos não apenas de liderança, mas de resiliência, estratégia e inteligência emocional. Nosso Brasil não foi contaminado por agentes do retrocesso em poucos anos. E não será em um ou dois ciclos presidenciais, ou trocando algumas cadeiras do Congresso, que teremos ampliado nosso horizonte. Não estamos em uma corrida de 100 metros, mas em uma maratona olímpica. E, para isso, não podemos ser soldados de uma batalha. É necessário fôlego de general.
Usar princípios e valores
essenciais como guia já se demonstrou prioritário por gerações e no
enfrentamento de qualquer desafio. George Washington (1732–1799) é, sem dúvida,
o personagem mais influente a enfeitar as páginas dos livros de História. Seu
efeito no mundo é ilimitado. Contra todas as probabilidades de vitória,
Washington liderou as colônias na luta com o Império Britânico para construir
uma nação livre. Mais tarde, comandou o novo país durante os primeiros oito
anos sob a Constituição e deu o exemplo para todos os futuros líderes. O
primeiro presidente norte-americano decidiu fortalecer a América e fez
exatamente isso, criando uma potência mundial que se tornaria o farol para a
liberdade no mundo. Do seu legado, podemos utilizar métodos do estilo firme de
administração e lições de comprometimento durante toda a Revolução Americana.
Além dos impactos mais óbvios que George Washington teve no país, foram incomensuráveis os efeitos que produziu no que mais tarde veio a ser conhecido como “espírito americano”. Para entender como isso ocorreu, convém compreender a personalidade, a moral e o sistema de crenças desse personagem. Embora pouco se saiba sobre sua prática doutrinária, ele era conhecido por ser um homem religioso — como a maioria na época — e frequentemente era visto orando. Washington nunca foi ferido em batalha, o que fez com que muitos de seus contemporâneos, amigos e inimigos, pensassem que ele tinha a proteção da Providência Divina. Na verdade, o próprio general disse isso, não de maneira arrogante, mas com humildade e gratidão por ter sido protegido de perigos enquanto cumpria seu dever militar. Orai e vigiai.
Muitos quando olham para uma
pintura de George Washington imaginam um general destemido e imbatível, que
derrotou uma grande potência. Destemido, sim, mas imbatível, nem tanto. O que
poucos sabem quando seguram uma nota de 1 dólar, onde seu rosto está estampado,
é que, apesar da pouca experiência prática na gestão de grandes exércitos
convencionais, Washington provou ser um líder capaz e resiliente das forças
militares norte-americanas durante a Guerra Revolucionária, e perdeu mais
batalhas do que venceu. Antes de sua nomeação como chefe do Exército
Continental, nunca comandara um grande exército no campo. A escolha de
prioridades e estratégias que lhe rendeu vitórias cruciais — como a Batalha de
Trenton, em 1776, e em Yorktown, em 1781 — foi o que fez uma revolução
praticamente impossível contra um gigante avançar com sucesso.
Washington viveu e trabalhou
com filósofos, pensadores, escritores e oradores brilhantes, como Franklin,
Mason, John Adams, Jefferson, Patrick Henry, Hamilton, Madison, Dickinson.
Apesar da frenética troca de ideias, quase todos esses nomes eram muito distantes
academicamente de Washington. Ainda assim, nas três principais junções da
fundação da nação norte-americana — a Revolução, a Convenção Constitucional e a
escolha do primeiro presidente —, o líder escolhido foi George Washington. Em
sua própria época, era visto como o homem indispensável, o Moisés americano, o
pai do país. Por quê?
O próprio Washington não foi o
mais brilhante intelectualmente dos Pais Fundadores. Ele não era o mais
ambicioso nem o mais capaz. Na verdade, Washington não era um Thomas Jefferson.
Nem um Alexander Hamilton. E certamente não era um Benjamin Franklin. Ele não
elaborou a Constituição, mas a apoiou com ações e palavras. Representou tudo o
que era a América e ajudou a dar o exemplo do que seria um americano. Liderou
as pessoas implementando os pensamentos e planos de outras mentes brilhantes,
para que o país um dia — um dia — viesse a prosperar. George Washington nunca
foi o homem mais inteligente, espirituoso, ambicioso ou carismático, mas ele
foi George Washington, e é exatamente disso que a América precisava.
Até hoje, Washington é
considerado a força motriz que tornou possível o estabelecimento da nação.
Antes e agora, ele é apontado como o “Pai dos Estados Unidos” e fonte de
inspiração em momentos decisivos. Quando nos falta o ar em desespero contra
algo injusto e maior, tento imaginar o que homens como George Washington nos
diriam. Seus discursos caem como uma luva, ou como um cobertor quente em
corações cansados, como andam os nossos. Em uma sociedade coberta de platitudes
vazias e discursos imediatistas, é um alento mergulhar no universo de quem
esteve em situação muito pior do que a nossa e deparar com mensagens como esta:
“Quanto mais difícil for o conflito, maior será o triunfo. A felicidade humana
e o dever moral estão inseparavelmente ligados.”
Somos um povo apaixonado,
feliz por natureza, mas que está cansado da luta diária contra um emaranhado de
configurações políticas que insistem em frear nosso desenvolvimento como nação.
É fácil desanimar, confesso. Mas é necessário seguir. Se não há líderes como
antigamente, que sejamos os líderes inspiradores em nossa família, em nossa
comunidade, com os amigos. Que tentemos incorporar características desses
grandes homens nos sonhos, sim, mas principalmente nas ações do dia a dia, com
pragmatismo. Não precisamos vencer toda as batalhas, mas precisamos vencer as
“batalhas certas”. Durante os oito anos da Revolução Americana, o General
Washington gastou muito mais tempo, pensamento e energia como organizador e
administrador das forças militares do que como estrategista militar tático. Sem
a liderança persistente e inteligente de Washington, o Exército, como
organização, teria entrado em colapso de dentro para fora. Ele enfrentou
alistamentos de curto prazo, deserções, precariedade de armamentos para os
soldados, congressistas e legisladores estaduais lenientes, traidores do
movimento. Mesmo assim, muitos combatentes e civis confiaram nele, acreditaram
nele, o amaram e permaneceram com ele e suas ideias.
Em 1778, a batalha em Monmouth,
New Jersey, também revelou sua liderança carismática e genialidade como
estrategista de campo. Nessa batalha crucial, as tropas americanas estavam em
retirada e total desordem quando Washington assumiu o controle. Hamilton disse
que sua presença interrompeu a retirada, e sobre esse episódio escreveu:
“Outros oficiais têm grande mérito em desempenhar bem suas funções, mas ele
dirigiu o todo com a habilidade de um mestre operário. Nunca vi o General com
tanta vantagem”. Os britânicos, mesmo em maior número, acabaram se retirando
para Nova York.
Não podemos desanimar, é tudo
o que eles mais querem. Nossa “revolução” não acontecerá depois de alguns
embates. Tampouco ela está perdida porque colecionamos mais derrotas do que
vitórias até aqui. Seja um soldado desse tipo de general, mesmo que ele esteja
presente apenas em espírito e em nosso coração. Talvez George Washington não
seja apenas o “Pai dos Estados Unidos” como exemplo de perseverança em tempos
impossíveis, mas de todos nós.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista
Oeste, nº 58, 30-4-2021
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