Soma-se a isso outra falácia: a
desqualificação do adversário pela simples comparação com Hitler e os nazistas,
algo que causa repulsa imediata no público e desvia o foco da discussão
Rui Castro, montagem: revista Oeste
Caio Coppolla
No laboratório da tragédia
humana que foi o século 20, o nazismo garantiu para si o protagonismo como a
mais abjeta ideologia da história, aglutinando elementos fascistas e racistas
que mergulharam o mundo em guerra e genocídio. Em 1962, a filósofa alemã de
ascendência judaica Hannah Arendt foi designada pela revista The New
Yorker para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, nazista de alto
escalão capturado pela Inteligência israelense na América do Sul. Acusado de
crimes contra a humanidade por seu papel no Holocausto, Eichmann foi condenado
por todas as acusações e enforcado.
As observações de Arendt sobre
esse julgamento constam da obra Eichmann em Jerusalém, cujo
subtítulo é “Um relato sobre a banalidade do mal”. Contrariando expectativas, a
filósofa descreve que o criminoso de guerra não se portava como um monstro, mas
como um burocrata mediano, diligente em seguir ordens, avesso a juízos pessoais
sobre a correção de suas ações e alheio às implicações éticas dos atos que
executava — um autômato moral resignado à mediocridade da não
escolha, por vezes voluntária e por vezes compulsória. Era assim que, segundo
Arendt, o mal se banalizava na sociedade: não pela maldade inerente às pessoas,
mas a partir da ausência de reflexão do indivíduo ao imitar, reproduzir, ecoar
ou não se opor a comportamentos nocivos.
Sem
entrar no mérito das suas manifestações, há evidências abundantes de que nenhum
deles defende ideias supremacistas
Saindo um pouco da filosofia e
da sociologia, do ponto de vista semântico, banalizar o mal é torná-lo
frequente, normalizá-lo, fazer da sua presença algo comum e trivial. Exemplos
não faltam: diante da exposição constante à violência, a opinião pública já não
se impressiona com cenas de crimes; o mesmo vale para a retórica hostil e a
agressividade verbal, falada ou escrita, que pouco se destaca, tamanha a
concorrência pelo mau gosto. É nesse contexto que o uso de nazista como
ofensa pessoal se insere no debate público: uma expressão imprópria, que
banaliza seu significado, ignora a história e desrespeita a memória de milhões.
Salvo raríssimas exceções, chamar alguém de nazista é um
insulto tanto ao ofendido quanto às vítimas da Segunda Grande Guerra e, principalmente,
do Holocausto.
Recentemente, um podcaster, um parlamentar e um comentarista político se envolveram em polêmicas relacionadas ao nazismo. Sem entrar no mérito das suas manifestações (absurdas, infelizes, ingênuas…), há evidências abundantes de que nenhum deles defende ideias supremacistas. Ainda assim, foram chamados de nazistas por muitos — e tratados de acordo, como se de fato pregassem, em plena democracia liberal, a doutrina totalitária diretamente responsável por dezenas de milhões de mortes. Não são nazistas, assim como não é nazista o presidente da República, alvo preferencial desse tipo de campanha de difamação. Seguem alguns exemplos, literalmente, ilustrativos:
Tuíte de Ricardo Noblat,
ex-Globo, ex-Veja e ex-jornalista, reproduzindo uma suástica com a
legenda “Crime continuado”, em 14 de junho de 2020:
Caiu na Rede! pic.twitter.com/oc4C5O85Ao
— Blog do Noblat (@BlogdoNoblat) June 15, 2020
Capa da revista IstoÉ (15 de outubro de 2021) que chamou Bolsonaro de “mercador da morte” e “genocida”, manipulando sua imagem à semelhança de Adolf Hitler. A publicação alegou que “Bolsonaro patrocinou experiências desumanas inspiradas no horror nazista durante a pandemia” e “reproduziu na medicina métodos comparáveis aos do Terceiro Reich, que levaram a milhares de mortes por meio de ações cruéis”.
Exemplos de analogias com o
nazismo e ofensas ao presidente da República não faltam, incluindo artigos de
colunistas da comunidade judaica, como Ricardo Kertzman (“Ao equiparar Bolsonaro a Hitler, revista chama as
coisas pelo nome que têm”) e Hélio Schwartsman (“Bolsonaro e os judeus”). Espanta que
o engajamento político desses articulistas prevaleça sobre sua ética
profissional e sua responsabilidade moral de não permitir que o Holocausto seja
relativizado por comparações absolutamente infundadas.
A essa banalização do nazismo
no debate público — estabelecida por falsas equivalências
repetidas à exaustão pela imprensa militante —, soma-se outra
falácia: o reductio ad hitlerum, a desqualificação do adversário
pela simples comparação com Hitler e os nazistas, algo que causa repulsa
imediata no público e desvia o foco da discussão. Esse tipo de expediente foi
levado ao estado da arte na recente generalização de Ruy Castro para a Folha de S.Paulo,
que insulta não apenas o presidente da República, mas todos os seus eventuais
milhões de eleitores: “Como não há mais possibilidade de um apoiador de
Bolsonaro ser um democrata, as eleições dirão exatamente quantos brasileiros
ergueram o braço dentro da urna” — uma referência ao gesto nazista do
“Sieg Heil”.
Realmente, vivemos tempos de
banalização do mal; e também de banalização do mau… do mau jornalismo.
Título e Texto: Caio Coppolla, revista Oeste, nº 99, 11-2-2022
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