terça-feira, 4 de julho de 2023

Jornalistas que não querem ver

Henrique Pereira dos Santos

Observador fez uma peça sobre o facto de haver uma campanha de crowdfunding para apoiar a família do polícia francês que disparou sobre um miúdo de 17 anos.

Toda a peça vai no sentido de acentuar que "a ação está a gerar polémica", que se calhar nem deveria ter sido permitida na plataforma de crowdfunding (a plataforma diz que cumpre as suas regras, mas o Observador diz que um jornal qualquer acha que não), que o seu promotor é um político de extrema direita, um "espalha-brasas" que só quer é confusão, que há uns políticos que dizem que a campanha não ajuda a acalmar a situação, e vai por aí fora.

A preocupação em questionar a campanha, mais que em informar os leitores e usá-la para tentar compreender a sociedade, é tal que faz questão de dizer que um donativo recente (claro que é recente, a campanha tem quatro dias, todos os donativos são recentes), anónimo, é de 3 mil euros, sugerindo, como o governo fez quando os enfermeiros resolveram financiar as suas greves com campanhas de crowdfunding, que deve haver ali forças escondidas por trás do sucesso da campanha.

Quem quiser saber pormenores sobre a campanha pode dar um salto aqui.

Verifica-se que a tal doação de que fala a jornalista é a maior que lá aparece (pormenor de que a jornalista se esqueceu, a segunda maior é de pouco mais de um terço, é de 1110 euros), que há mais de 71 mil doações e que a doação média anda pelos 20 euros e, em quatro dias juntaram-se um milhão e trezentos mil euros (para termo de comparação, de acordo com o Público, a campanha de apoio à família da vítima não chega, ainda, aos 300 mil euros).

Ou seja, a campanha é um tremendo sucesso, angaria mais de quatro vezes o que angaria uma campanha de apoio à família da vítima, não com base em doações milionárias, mas com doações que, em média, andam pelos vinte euros.

Se a jornalista quisesse ver, em vez de mostrar o seu repúdio por uma campanha que considera errada e promovida pela pessoa errada (um político francês de extrema direita que é egípcio de nascimento, um árabe cristão copta que se naturalizou francês aos vinte anos, depois de ter chegado a França com oito anos, sem saber uma palavra de francês), talvez tivesse feito a peça de outra forma, dando informação mais objetiva.

O problema é que ao fazê-lo talvez tivesse de levantar uma hipótese que horroriza muita gente: sim, há um problema sério com a democracia francesa, provavelmente uma manifestação específica dos problemas das democracias ocidentais, mas talvez esses problemas não estejam tanto na falta de respeito pelos direitos das minorias, mas sim na falta de determinação na defesa dos direitos da maioria.

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 4-7-2023

Fui assinante deste jornal (online) por causa de alguns colunistas, três ou quatro. Mas, a redação é do rebanho "progressista", eufemismo para outros istas, e republicadora dos despachos da Agência Lusa (um oásis de imparcialidade).

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