segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Estamos a criar gerações de extremistas?


José Manuel Fernandes
Eis-me regressado de uma (curta) semana de férias. Com a esperança que este intervalo me tenha feito tão bem como a ciência anuncia: parece que “permitir que o cérebro divague é positivo e ajuda a estimular a criatividade e a resolver problemas”. Eu já desconfiava, e aposto que muitos dos meus leitores também, mas não há como ser uma instituição científica a dizê-lo.

Talvez por ter estado de férias e com outra disponibilidade para olhar para o mundo das notícias, senti que este final de Agosto foi intenso por cá por casa (orçamento rectificativo, curiosas entrevistas de candidatos a líderes do PS, não menos curiosas declarações do mais sibilino dos advogados, a reforma dos tribunais a chegar à hora da verdade, um manifesto a pedir reformas no sistema político) mas mais ainda lá por fora (acordo em Gaza, crise no governo de Hollande, escolha do presidente do Conselho Europeu, uma intervenção marcante de Mario Draghi e, sobretudo, o agravar das crises na Síria/Iraque e na Ucrânia).

Escolhi por isso um tema que cruza a nossa actualidade com o que se passa no mundo: a ida de portugueses para a Síria para combaterem ao lado dos jihadistas. Ainda serão muito poucos, sobretudo se compararmos com o que se passa noutros países europeus, mas este fim-de-semana o Expresso contou-nos a história de um casal – ela filha de alentejanos, ele criado na linha de Sintra – que foi juntar-se ao califado (link para assinantes). Pequeno extrato:

Ângela comenta a Jihad nas redes sociais, Fábio vai para a frente de combate. Fonte ligada aos serviços de informação portugueses coloca-o na brigada Kataub al Muhajireen do EI, constituída apenas por combatentes de países ocidentais, como a Grã-Bretanha, Alemanha, França ou Dinamarca. Ao seu lado há pelo menos mais três portugueses: dois irmãos, de 26 e 30 anos, que como Fábio, cresceram na linha de Sintra; e um jovem de Quarteira, de 28 anos. São amigos no Facebook e irmãos de armas na frente de guerra. Os quatro converteram-se ao islamismo quando estavam emigrados nos arredores de Londres e daí partiram para a Síria.


Em Portugal existirão, como se sublinhava numa recente reportagem do Fábio Monteiro no Observador, cerca de 55 mil praticantes da religião de Maomé. Entre nós não há sinais visíveis de derivas radicais semelhantes às que têm surgido noutros países europeus, não devendo ser por acaso que nos casos contados pelo Expresso a radicalização ocorreu no Reino Unido e na Holanda.

A capacidade que o ISIS tem demonstrado de recrutar combatentes na Europa Ocidental justificou um artigo na última edição da Economist, onde se publica um mapa que dá uma ideia precisa, quantificada, do que está a acontecer:

Nesta vaga de combatentes, há uma novidade: a presença de mulheres (como a portuguesa Ângela):
Most Western fighters are men under 40, but this war has attracted more women than past causes. Some 10-15% of those travelling to Syria from some Western countries are female. (…) Some hope to marry, others join all-female units to ensure that women in areas under IS control obey the strictest version of Islamic rules, such as covering up; a few take part in battles.

Por todo o lado os governos começam a tomar medidas. Na Holanda tiram o passaporte às famílias que querem juntar-se ao Estado Islâmico. Em Espanha os serviços de informação já confirmaram que há 51 nacionais a combater com os jihadistas. Na Alemanha suspeita-se que pelo menos 20 antigos soldados, treinados pelas forças armadas germânicas, possam ter já ido para a Síria.

Mas é seguramente no Reino Unido que o nível de alarme é maior. Primeiro, porque se leva realmente a sério a hipótese de o país ser alvo de atentados. Depois, porque a maioria dos eleitores defende que seja retirada a cidadania a esses jihadistas e o governo de David Cameron anunciou hoje novas medidas para conter a ameaça terrorista. Finalmente porque o aparecimento destes radicais coincide com a revelação de outros escândalos que põem em causa o multiculturalismo prevalecente no modelo de integração britânico.

Comecemos pelos jihadistas e por uma interessantíssima entrevista do Wall Street Journal com um antigo radical. Shiraz Maher, cidadão britânico, foi durante alguns anos militante e, depois, dirigente do grupo radical Hizbut Tahrir, até que, ao presenciar os atentados de Londres em 2005, rompeu com o radicalismo. Hoje dedica-se a estudar o radicalismo: faz parte do International Center for the Study of Radicalization, no King’s College de Londres. É impossível resumir tudo aquilo que diz, mas deixa aqui apenas uma passagem, como aperitivo:

Hizbut Tahrir, for example, organized a 1994 conference in London about the need to establish a caliphate. The event drew Islamists from Sudan to Pakistan, yet Mr. Maher says U.K. law enforcers took a blasé attitude: "These exotic guys with beards are talking about a new state. OK." The result was that the "idea of having an Islamic state had been normalized within the Muslim discourse," Mr. Maher says, and young Muslims were taught to think of their British identity as something "filthy."

O tema da relação da Inglaterra com os seus radicais foi de resto o escolhido por Maria João Marques para a sua última crónica, “Senhor jihadista, posso ter a Grã-Bretanha de volta? Obrigada.” Nela sublinhou, por exemplo:
É sabido e mais que documentado que muitas mesquitas britânicas são centros de radicalização, incitamento ao ódio e violência e recrutamento de jovens desequilibrados para uma guerra que têm a falta de pudor de chamar santa. Douglas Murray, na Spectator, faz um resumo dos casos envolvendo jihadistas britânicos que as boas consciências herculeamente ignoraram. Quem avisou que este caldinho seria calamitoso foi apelidado de islamofóbico e intolerante. E quem cala, consente, não é?

Pois é. E o problema parece começar, pelo menos para muitos britânicos, quando a obsessão com o politicamente correcto impede de ver, ou de denunciar, crimes que estão a acontecer debaixo do nosso nariz. O caso mais recente é a descoberta de que pelo menos 1.400 crianças tinham sido abusadas sexualmente em Rotherham. Um relatório independente, aqui sintetizado pela Economist, revelou que ao longo de 26 anos as autoridades locais não fizeram nada para impedir esses crimes. Ou, mais exactamente, estiveram paralisadas , como escreveu a Spectator:
In Rotherham, political correctness about race seems to have paralysed police and social workers. The report says that ‘-several staff described their nervousness about identifying the ethnic origins of perpetrators for fear of being thought racist’. 

Este caso levou a que de imediato se levantassem vozes contra o que foi descrito como o “legado tóxico de multiculturalismo”. O caso foi naturalmente relacionado com outro escândalo, o do “cavalo de Tróia” nas escolas de Birmingham, uma zona de forte presença de comunidades islâmicas onde nas escolas públicas já se tolerava o ensino da sharia. O problema, de resto, não é novo, como relata o director do jornal online Spiked, Brendan O'Neill: "When Political Correctness Took Over in Yorkshire - Official fear of 'giving offense' allowed 1,400 girls to be victimized".

Daniel Hannan, um eurodeputado conservador conhecido pela frontalidade das suas opiniões e pelo seu tom polémico,
colocou o dedo na ferida:
The Rotherham abominations are not a challenge to multi-ethnic Britain: people of all backgrounds are united in their revulsion at what has happened. Nor are they a challenge to religious pluralism: no faith condones child abuse. They are, though, a challenge to the way we run some local councils. If you take a group of people, not all of them terribly bright, and encourage them to be more concerned with following procedure than with doing the right thing; if you elevate compliance over conscience; if you teach your staff them that everything – everything – should be seen through the prism of race, you will end up with much injustice and an occasional atrocity. Islington, Haringey, Rotherham – the scale of the horror varies, but the underlying cause doesn’t.

Estes problemas e estas discussões são menos britânicas do que parecem à primeira vista, e por certo vamos continuar a segui-las. Não queria porém deixar de vos indicar dois textos que, em contrapartida, pretendem ser globais e tratar dos novos desafios da geopolítica nestes tempos tão instáveis.

No Wall Street Journal, Henry Kissinger veio propor uma espécie de road-map para uma nova ordem mundial, pois “o conceito de ordem em que se baseou a era moderna está em crise”. Eis uma das suas propostas:
The celebration of universal principles needs to be paired with recognition of the reality of other regions' histories, cultures and views of their security. Even as the lessons of challenging decades are examined, the affirmation of America's exceptional nature must be sustained. History offers no respite to countries that set aside their sense of identity in favor of a seemingly less arduous course. But nor does it assure success for the most elevated convictions in the absence of a comprehensive geopolitical strategy.

No El Pais, um outro antigo ministro do Negócios Estrangeiros, hoje também académico numa universidade americana, o alemão Joschka Fischer, defende que esse caminho só pode ser percorrido com um outro tipo de protagonismo europeu:
La acumulación de crisis de hoy, sumada a la fatiga estratégica de Estados Unidos, obliga a Europa a definir qué papel desempeñará en el futuro de la estabilidad occidental y global. Si Estados Unidos ya no puede cargar con el peso de la pax americana, Europa debe hacer algo más por la seguridad colectiva. 

E por aqui me fico, até porque já me estendi um pouco. E fico também com uma dúvida: será que o calor de Agosto só chegou agora em Setembro?

Boas leituras.
Título, Imagens e Texto: José Manuel Fernandes, Macroscópio, Observador, 01-09-2014

2 comentários:

  1. Boa noite. Vou manter o anónimo.
    Não estamos a criar coisa nenhuma e muito menos gerações futuras. E foi precisamente por não termos dado a devida atenção que estes jovens viram as costas aos milhões. Aos milhões!... que mostra o quão podre e envelhecido está todo o sistema.

    Algo tem de estar profundamente errado com o "modelo" social que contribuiu para a presente situação. Governantes e políticos alienados da realidade que se vive nos respectivos países, e cidadãos complacentes enquanto o desajuste se faz sentir cada vez mais.

    Que esperavam de uma geração a quem retiraram qualquer esperança de uma vida digna e cujos exemplos que lhes chegariam diariamente eram de corrupção a todos os níveis?

    A nossa classe política (ocidental) perdeu aquilo que fez com estes jovens se juntassem às fileiras do EI - credibilidade.

    Aprendamos a lição e haja coragem para reformar o que está mal. Para ontem:

    - Deixar de pagar dívidas de pobres milionários com fortunas em offshores e noutros países em nome do tio do primo do cunhado;
    - O desemprego existe e galopante. Criar emprego;
    - Parem de fazer ghettos;
    - Educação e instrução. Não basta abrir as portas do país aos imigrantes e abandonar as pessoas que nos chegam. Ah, e em Roma sê romano tem de se aplicar;
    - Educação e instrução para a classe política, com especial incidência nos capítulo da ética. Forneçam-lhes também um bom dicionário para pararem de confundir "racismo" com "discriminação", e confirmarem que "inverdades" não fazem parte de vocabulário nenhum a não ser da sua classe aberrante.

    God save the Queen mas desta sem cristas e Sex Pistols e com bandeiras do EI e armas.

    Bom artigo o seu!




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  2. Gostei de ambos os comentários.
    O que posso acrescentar, é que ambos estão corretos.
    Todos falam de sociedades e usas mazelas sociais, porém esquecem de que a maior droga do mundo está dentro de nós.
    O mundo tornou-se chato, e a ADRENALINA um veneno.
    Os jovens procuram o medo, tornamos-nos muito protecionistas.
    O maior bate papo do mundo é hoje proteger isso e aquilo.
    Não coma isso nem aquilo.
    Não saímos de casa por medo.
    Deixamos de ter aventuras, de acampar e encontrar um bom sítio para a pesca.
    Os esportes radicais causam um aumento de adrenalina.
    A maconha, a cocaína, o crack, as anfetaminas são todos vasodilatadores e aumentam o fluxo dos neuro transmissores, produzindo cada vez mais adrenalina.
    A juventude está a procura dos desafios, não estão a merce dos elementos educativos, e cerebrais.
    Respeito sem medo é para cultos e educados.
    A pedofilia é o processo covarde de cruzar a borderline, da ética e do medo, geralmente produzido pelo consumo de drogas lícitas e ilícitas.
    Eles tinham que terem medo de serem condenados à morte.
    O estuprador e o pedófilo sempre serão reincidentes.
    Manicômio judiciário neles pelo restos de suas vidas, se tiverem pena de condená-los à morte.
    A sociedade tem de cumprir as leis porque é um método de vida, e tem que ter medo de não cumpri-las.
    até amanhã

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