André Azevedo Alves
O sucesso do segundo mandato de Dilma depende da sua capacidade para
corrigir o rumo da governação: se o Brasil continua a ter uma das economias
mais promissoras do mundo, o prognóstico é reservado
As recentes eleições no Brasil
apresentam o retrato de um país profundamente dividido, com a Presidente
reeleita a conseguir 51,64% dos votos contra 48,36% para o candidato derrotado.
Dilma Rousseff conquista a sua reeleição através de um apoio maioritariamente
concentrado nas zonas mais rurais e pobres do Brasil. Aécio Neves, por seu
lado, levou vantagem essencialmente nas zonas mais urbanas e desenvolvidas do
Brasil, com destaque para o Estado de São Paulo, onde o candidato do PSDB
recebeu a preferência de mais de 64% dos eleitores, quase atingindo o limiar
dos dois terços do total de votos expressos.
A grande disparidade da
votação entre Estados (que configura essencialmente uma divisão entre o Norte e
o Sul) juntamente com a agressividade intensa da campanha levou a que as
clivagens dominantes acabassem por ser maioritariamente regionais e pessoais.
Para uma parte importante dos votantes no candidato do PSDB, o fundamental era
remover o PT do poder – fazer eleger Aécio Neves era a condição para que tal pudesse
acontecer. Para uma parte significativa dos votantes em Dilma, o fundamental
era precisamente dar seguimento ao ciclo de governação do PT iniciado por Lula
da Silva, que aliás mantém elevados níveis de popularidade e poderá ser um
forte candidato em 2018.
Vale a pena recordar, por
exemplo, que Aécio Neves defendeu
durante a campanha a “reestatização” da Petrobras e a ampliação do programa
Bolsa Família. Posições que evidenciam as dificuldades do Partido da Social Democracia
Brasileira, tradicionalmente ancorado no centro-esquerda, para reagir à
governação do PT. O certo é que, apesar dos notórios sinais de desgaste do
governo PT (basta recordar os sucessivos escândalos de corrupção e as
manifestações populares de 2013) e do arrefecimento económico da economia
brasileira, a estratégia do PSDB não resultou.
Ainda assim, a Presidente
Dilma enfrenta um segundo mandato de complexidade acrescida. As eleições
fizeram também aumentar o grau de pulverização do Congresso, com o PT e o PMDB
a reduzirem de forma significativa o número de representantes eleitos para a
Câmara dos Deputados. Essa terá aliás sido uma das razões que levou Dilma a
fazer referência à importância do diálogo logo após o anúncio da sua vitória.
Também no plano económico e
social – porventura mais ainda do que no plano político – o Brasil encontra-se
numa situação complexa. A uma economia em recessão juntam-se uma inflação a
níveis perigosamente elevados e contas públicas desequilibradas. Os ganhos
decorrentes da estabilização monetária conseguida com o Plano Real e com
algumas reformas estruturais levadas a cabo no passado parecem estar a
esgotar-se e neste seu segundo mandato Dilma terá de fazer escolhas
fundamentais para o futuro do Brasil.
Na encruzilhada em que o
Brasil se encontra, a via desejável – mas politicamente difícil, especialmente
para um governo do PT – seria nomear um Ministro da Fazenda competente e
independente com força suficiente para impor o equilíbrio das contas públicas e
recuperar a credibilidade externa. O governo deveria também proceder
urgentemente a uma reforma fiscal que favoreça o investimento (tanto interno
como externo) e promover uma maior abertura da economia. Adicionalmente, seria
necessário dar sinais fiáveis de combate à corrupção.
Se Dilma optar por atenuar a
carga ideológica do seu governo e der prioridade ao pragmatismo, é possível que
o país recupere. Mas há uma outra via possível, embora menos aconselhável.
Dilma pode ceder à tentação de contínua radicalização por parte de influentes
sectores do PT. Isso poderá passar por limitar a independência da comunicação
social, fortalecer a ligação do sistema partidário ao aparelho estatal e
alargar ainda mais o controlo do Estado sobre a economia. Se essa for a via
escolhida, as consequências serão desastrosas não só para os brasileiros como
para toda a América do Sul. Para quem tenha dúvidas, basta olhar para o trágico
exemplo da Venezuela.
Em suma, para o Brasil o
sucesso do segundo mandato de Dilma depende da sua capacidade para corrigir o
rumo da governação. Apesar de o país continuar a ter uma das economias mais
promissoras e com maior potencial do mundo, o prognóstico actual é reservado.
Dilma Rousseff – apesar de ideologicamente vincada e com uma base de apoio
definida por clivagens sociais e regionais – vai precisar de se superar para
que o país não se afunde. Da sua vontade e capacidade de escolher o rumo certo
vai em larga medida depender o futuro do Brasil.
Título e Texto: André Azevedo Alves, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
01-11-2014
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