Reinaldo Azevedo
Caros leitores, estamos diante
de um momento muito especial. Um juiz do TSE — mais precisamente o seu
corregedor, João Otávio de Noronha —; o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot; amplos setores da imprensa; associações de jornalistas; um partido
político — no caso, o PT —; analistas os mais variados, todos decidiram se unir
para atacar pessoas que estão exercendo o sagrado direito de sair às ruas e protestar
de forma pacífica, ordeira, sem quebrar nada, sem atacar o patrimônio público
ou privado, sem agredir ninguém.
No sábado, pelo menos 2.500
brasileiros se juntaram em São Paulo para reivindicar, o que é um direito
legítimo, uma auditoria nas eleições e o impeachment de Dilma Rousseff caso se
comprove que ela sabia da roubalheira em curso na Petrobras.
Nos jornais, a presença ao ato
de um indivíduo pregando a intervenção militar — e ainda que fossem dez ou cem
— bastou para que se atribuísse ao protesto um viés golpista. Ora, ora… Nas
chamadas jornadas de junho de 2013 e até bem recentemente, os ditos “black
blocs” barbarizavam as cidades, agrediam o patrimônio público e privado,
ameaçavam pessoas. Um cinegrafista foi morto.
Recuperem o que se escreveu a
respeito: foram tratados como democratas radicais, em estado puro — como se
banditismo fosse democracia; mereceram até a alcunha de estetas. Pior: o
ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, confessou que se
encontrou várias vezes com lideranças dos mascarados. E não se ouviu um pio da
imprensa ou de jornalistas.
Enviam-me uma nota emitida
pela Abraji— a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo — em que se lê
o seguinte:
“A Abraji repudia a incitação
à violência e o assédio contra repórteres encarregados da cobertura de
manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff ocorrida no último
sábado (1.nov.2014). Grupos insatisfeitos com o resultado das eleições
presidenciais acusam de partidarismo jornalistas que fazem seu trabalho e, com
essa desculpa, expõem os perfis dos assediados em redes sociais, levando-os a
serem difamados e receberem ameaças de violência”.
A associação cobra providência
e punições. Quero deixar claro que eu também repudio a hostilização de jornalistas.
Aliás, quem entrar no arquivo do meu blog vai ver quantas vezes repudiei a
violência promovida por ultraesquerdistas contra repórteres, que eram obrigados
a trabalhar sem a identificação dos veículos aos quais pertenciam. Lamento que,
então, a Abraji tenha demorado tanto para emitir uma nota. De resto, afirmar
que os que se manifestam são “grupos insatisfeitos com o resultado das
eleições” é um juízo de valor muito pouco digno de uma associação de jornalismo
investigativo. Falta investigar mais e sentenciar menos.
Lamento, ainda, que a Abraji
jamais tenha se manifestado contra a rede organizada de blogs e sites,
financiados por estatais, que promove campanhas as mais sórdidas contra
profissionais de imprensa. Lamento que a Abraji tenha se calado quando o PT
incluiu o nome de nove profissionais de comunicação numa lista negra — sim,
estou lá. A organização internacional “Repórteres Sem Fronteiras” se
manifestou. A Abraji e outras associações de jornalistas fizeram um silêncio
sepulcral. Janio de Freitas, um jornalista que já foi homenageado pela
associação, tratou do assunto: atacou a Repórteres Sem Fronteiras. Na prática,
apoiou a lista negra.
O que é preciso para ter
direito a uma nota de solidariedade de tão valorosa associação? Fazer parte do clube?
Ser membro da corporação? Pertencer à turminha? Ser do grupinho? O viés é
ideológico? Não que uma nota de protesto da Abraji me tenha feito falta. Não
fez. Mas não venham com hipocrisia.
Debatam com os jornalistas, e
só!
Não organizo protestos nem tenho
voz ativa nas manifestações. Mesmo assim, atrevo-me a dar algumas dicas.
Cuidado com agentes provocadores! Farão de tudo para caracterizar, de agora em
diante, os grupos de oposição como truculentos, fascistas, malvados, golpistas
etc. Por mais que boa parte do jornalismo seja hostil a manifestações que não
sejam de esquerda, jornalistas devem ser deixados em paz. Podem e devem ser
questionados, como qualquer pessoa. Não estão acima do bem e do mal. Mas o
questionamento não supõe nenhuma forma de ameaça.
Ah, sim: um dia antes da
eleição, um militante petista publicou meu endereço na rede, com a foto do
prédio em que moro. Não fui pedir socorro para Abraji. Até porque eu investigo
só a natureza de certas ideias. Sem contar que sempre haveria o risco de eu
ouvir que a culpa era minha. Afinal, quem manda eu escrever as coisas que
escrevo, não é mesmo? Se o Alberto Cantalice, vice-presidente do PT, pode fazer
listas negras, sob o silêncio cúmplice da “catchiguria”, por que um delinquente
não poderia publicar meu endereço na rede?
Liberdade de imprensa
Não cumpre, obviamente, aos
que combatem o fascismo petista devolver na mesma moeda. Eles é que querem
controlar a imprensa. A melhor maneira que um leitor, um telespectador, um
ouvinte ou internauta tem de evidenciar a sua insatisfação com o trabalho
incorreto e enviesado de um jornalista é deixando de comprar o jornal ou a
revista, mudando de canal ou de estação ou deixando de acessar determinada
página.
Isso não quer dizer, reitero,
que jornalistas não possam jamais ser questionados. Podem, sim. Não são a voz
de Deus — nem mesmo chegam a ser a voz do povo. Mas todos sabemos que há modos
civilizados de contestar as pessoas. Houve gente que saiu da redação e foi à
rua para caracterizar como golpistas pessoas que protestavam? Houve. É
perfeitamente possível deixar isso claro sem partir para a baixaria.
Um país curioso
Que curiosa parte da nossa
“elite intelectual”, não é mesmo? Pode-se marchar neste país, em nome da
liberdade de expressão, em favor da legalização do consumo de drogas e do
aborto — práticas caracterizadas como crimes no Código Penal e repudiadas pela
Constituição. Pessoas, no entanto, que reivindicam uma auditoria na eleição — e
todos têm o direito de fazer petições — ou que defendem o impeachment de Dilma,
caso se comprove que ela sabia da roubalheira na Petrobras, são caracterizadas
como truculentas e marginais. Como é mesmo? A hipocrisia é a homenagem que o
vício presta à virtude.
Reitero: sempre que um cretino
optar por atos violentos ou que decidir hostilizar um jornalista, acuse-o de
ser o que é: um adversário da democracia. A melhor maneira de combater o mau
jornalismo ainda é mudar a sua fonte de informação, leitor.
Em tempo: é certo como dois e
dois são quatro que a auditoria na eleição será recusada. Sabem o que isso quer
dizer? Que o preço da liberdade continua ser a eterna vigilância. Se você
desistir de fazer a coisa certa por isso, então já perdeu.
Ora vejam! TSE,
Procuradoria-Geral da República, associações de jornalistas, imprensa, partidos
políticos, intelectuais do nariz marrom… Todos, desta feita, estão contra o
“povo na rua”. É a velha esquerda de sempre com medo do que chama “nova
direita”, que vem a ser aquela gente insuportável que trabalha, paga impostos e
enche as burras do Estado privatizado por um partido político.
Tenham ao menos senso de
ridículo, já que o de decência, parece, já foi faz tempo!
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