quinta-feira, 25 de junho de 2015

E pronto, a TAP ficou mesmo Azul


Luís Rocha
O futuro o confirmará, mas estou convicto que a venda ao Grupo Gateway, de Pedrosa e Neeleman, foi a melhor decisão. Iria até mais longe, acredito que, a confirmar-se a operação (falta ainda o acordo dos “eurocratas”), ela pode representar uma autêntica “taluda” para a TAP e assegurar-lhe um crescimento da actividade que poucos antecipariam. Acredito ainda que tiradas aparentemente imbecis como esta, não constituem restrições de maior, pois resultam da preocupação permanente de todos os líderes do PS em terem a sua “ala Syrizica” apaziguada e mobilizada.

A minha tese é que a entrada de Neeleman na TAP pode ser a primeira pedra na construção de um interessante grupo transnacional. Consolidará a posição da TAP como uma companhia de referência nas rotas do Atlântico Sul e potenciará a internacionalização da Azul e da JetBlue, duas agressivas low-cost nos respectivos mercados domésticos e que poderão ser as primeiras a competirem com as legacy carriers nos voos intercontinentais.

De acordo com declarações do próprio, Neeleman pretenderá aumentar as rotas da TAP para os Estados Unidos (confirmando o que eu já aqui ventilara), o que indicia que procurará replicar as parcerias que estabeleceu no Brasil entre a Azul e a JetBlue e a United. A sua estratégia passará por criar um “triângulo intercontinental” no Atlântico, com a Azul no vértice sul-americano, a JetBlue e a United no norte-americano e a TAP no europeu. Tentará beneficiar do facto de a TAP e a United integrarem a Star Alliance (na qual pretende também integrar a Azul)  para criar acordos conjuntos de code sharing nos mercados norte-americano e europeu.

Idênticos acordos tentará estabelecer com a JetBlue. Desde logo, isto permitirá à TAP acesso a aeroportos americanos, bases ou hubs daquelas empresas: Boston, New York/JFK, Orlando e Fort Lauderdale da JetBlue, Chicago, Washington/Dulles e Houston da United. Numa segunda fase, assim consiga ampliar a frota de longo curso, pode ainda almejar Los Angeles, San Francisco e Denver. 

Neeleman já confirmou que tem para já em vista abrir rotas para Boston, Chicago e Washington, o que pode significar existirem já acordos com os seus parceiros americanos. Quase todos aqueles aeroportos movimentam anualmente mais de quarenta milhões de passageiros e qualquer pequenofeeding por parte das companhias incumbentes terá um enorme efeito multiplicador na actividade da TAP. Chicago, o segundo maior aeroporto do mundo, é de resto o principal hub da United e quiçá o ponto de maior confluência entre rotas do Atlântico e do Pacífico. Junte-se todo este potencial tráfego ao que já provém hoje do Brasil e que também pode ser catapultado com os Clientes da Azul e estarão criadas as condições para a TAP triplicar a sua actividade em menos de uma década.

Pode porém questionar-se o racional desta estratégia. O Brasil oferecerá menos dúvidas, uma vez que a TAP já tem uma posição consolidada, tendo o exclusivo de algumas rotas a partir da Europa. Neeleman pretende abrir mais algumas, visando obviamente a cobertura integral das bases da Azul. Mas qual o valor acrescentado da TAP na distribuição do tráfego Europa/América do Norte? Que oferta adicional pode fazer que não esteja já contemplada pelas grandes transportadoras de ambos os lados?

Julgo que Neeleman irá posicionar a TAP na Europa no segmento “low-cost topo-de-gama”, onde ele já tem obra feita e, à semelhança do que já fez na JetBlue e na Azul, irá à procura de nichos não cobertos. E, olhando para leste a partir de Portugal, depara-se-lhe de imediato o Mediterrâneo (com sol, praias, História, cultura, excelente gastronomia, atractivos facilmente vendáveis à classe média americana) e a deficiente cobertura da United nessa área, comparativamente aos seus concorrentes Delta e American Airlines.

Estas, para além de operarem mais rotas para os países mediterrânicos, beneficiam de uma cobertura mais densa feita por parceiros locais, designadamente a Air France e a Alitalia, parceiras da Delta no SkyTeam e a Iberia/British Airways, associadas à American Airlines no One World. A United cobre directamente os principais destinos destes mercados e os secundários através da Lufthansa, seu principal parceiro europeu. Porém, esta não os cobre com a mesma capilaridade das companhias incumbentes e fá-lo apenas a partir dos seus hubs, Frankfurt, Munich e Zurique, bem menos convenientes do que Lisboa para quem viaje da América do Norte para um destino em Espanha, Itália ou Marrocos. 

Neeleman irá portanto fazer uma realocação de destinos na Europa, fechar alguns não rentáveis (o que já começou a ser feito) e privilegiar, nas novas rotas a abrir, cidades secundárias em Espanha, Itália e França, com relevância histórica e turística. Para além do segmento do lazer, sempre disponível a conhecer novos destinos, as comunidades italiana e hispânica, quer nos Estados Unidos, quer no Brasil, constituirão outro importante alvo na oferta das novas rotas. Para a United, cuja estratégia actual passa por consolidar no Pacífico (onde já é a empresa americana dominante) e crescer na América Latina (onde a Azul se prepara para ser um dos seus principais distribuidores de tráfego), uma parceria com a TAP para a Europa mediterrânica permitir-lhe-ia crescer nesta região com alocação mínima de frota. E ter um parceiro já conhecido, só facilita as negociações.

Duas incógnitas subsistem:
·         Por um lado, a capacidade de Neeleman mobilizar recursos financeiros, não só para repor na TAP níveis mínimos de solvabilidade, mas também para fazer face à renovação e ampliação da frota. Na conferência de imprensa de ontem, após assinatura do contrato com o Estado, foi aventado um reforço financeiro, entre capitais próprios e alheios, que poderia atingir oitocentos milhões. Parece-me manifestamente insuficiente, quando se pretende adquirir mais de cinquenta novas aeronaves e abrir até dez novas rotas nos USA e mais algumas no Brasil. A confiança dos mercados financeiros em Neeleman será aqui a variável fundamental;

·         Por outro lado, haverá que ver a reacção da Lufthansa, uma das companhias líder do Grupo Star Alliance. Num cenário como o acima exposto, eles seriam claros perdedores, principalmente nas ligações do tráfego proveniente dos USA com destino a Itália. Nada porém que não seja possível negociar com benefícios mútuos. À United poderá ser conveniente descontinuar alguns voos com destino à Alemanha, que passariam a ser feitos com aeronaves da Lufthansa a quem cederia slots, e realocar os seus aviões para outras rotas que se lhe afigurem mais rentáveis; algo semelhante pode ser feito pela TAP, “cedendo” alguns voos à Lufthansa entre Portugal e Alemanha, mas “oferecendo” em troca os destinos brasileiros nos seus aviões a partir de Lisboa.

Existe portanto racional para um cenário como o acima exposto e a sua implementação é sobretudo condicionada pela restrição financeira. Ultrapassada esta, tem boas condições de sucesso e pode amanhã ser replicado com a Air Canada (também membro da Star Alliance) e/ou com a WestJet, umalow-cost também fundada por Neeleman e que ele certamente bem conhece.

Daqui a dois ou três anos já será possível fazer um primeiro balanço da estratégia pós-privatização seguida pela TAP. Nessa altura, espero rever e gargalhar intensamente com os Prós e Contras que recentemente se fizeram sobre o tema e, designadamente, com as indignações quixotescas do cineasta. 
Título e Texto: Luís Rocha, Blasfémias, 25-6-2015

Um comentário:

  1. É, parece que Deus estava de costas, quando o Império do mal se apossou da Varig.
    Normalmente Ele não comete erros, mas satanás estava à espreita e lhe passou a perna.
    O resto, todo mundo sabe
    José manuel

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